O popular ChatGPT, um robô virtual de Inteligência Artificial (IA), tem atualmente mais de 180 milhões de usuários, mas a joalheira Harriet Kelsall diz que esse recurso não é para ela.
Tendo dislexia, ela admite que utilizá-lo ajudaria a melhorar sua comunicação com os clientes em seu site. Mas, no final das contas, ela diz que simplesmente não confia nesse recurso.
Kelsall, que mora em Cambridge, na Inglaterra, diz que quando experimentou o ChatGPT este ano, percebeu erros. Ela testou o chatbot (um robô de conversação, em tradução livre) perguntando sobre a coroa usada pelo rei Charles 3º em sua coroação em maio, a Coroa de Santo Eduardo.
“Pedi ao ChatGPT que me desse algumas informações sobre a coroa, só para ver o que diria”, diz ela. "Eu sei bastante sobre pedras preciosas nas coroas reais e notei que havia grandes pedaços no texto que eram sobre a coroa errada."
Kelsall acrescenta que também está preocupada com o fato de as pessoas “transmitirem o que o ChatGPT lhes diz como se fosse um pensamento independente e isso ser um plágio”.
Em seu site, a OpenAI, empresa proprietária do ChatGPT, afirma que a ferramenta pode "ocasionalmente produzir respostas incorretas". Por isso, a empresa pede que os usuários "chequem caso as respostas são precisas ou não".
Caso seja constatada alguma incorreção, a OpenAI pede que isso seja apontado por meio do botão de desaprovação (um sinal de negativo com o polegar apontado para baixo).
Embora o ChatGPT tenha se tornado extremamente popular desde seu lançamento há um ano, a relutância de Kelsall em usá-lo parece ser significativamente mais comum entre as mulheres do que entre os homens.
Enquanto 54% dos homens utilizam a IA na vida profissional ou pessoal, esse número cai para apenas 35% das mulheres, de acordo com uma pesquisa feita no início deste ano por uma empresa especializada em trabalho flexível no Reino Unido.
Mas, afinal, quais são as razões para essa aparente disparidade de gênero no uso da IA – e isso deve ser uma preocupação?
Michelle Leivars, especialista em negócios em Londres, diz que não usa a IA para escrever no lugar dela, porque quer manter a sua própria voz e personalidade.
“Clientes já disseram que agendaram sessões comigo porque o texto em meu site não parecia pré-fabricado e parecia que eu estava falando diretamente com eles”, diz Leivars.
"Pessoas que me conhecem acessaram o site e disseram que podem me ouvir dizendo as palavras e perceberam imediatamente que era eu."
Enquanto isso, Hayley Bystram, também radicada em Londres, não se sentiu tentada a economizar tempo usando a IA.
Bystram é fundadora da agência de encontros Bowes-Lyon Partnership. Ela se reúne com seus clientes pessoalmente para colocá-los em contato com outras pessoas com quem possam ter afinidade, sem nenhum algoritmo envolvido.
“O lugar onde poderíamos usar algo como ChatGPT é em nossos perfis [de membros] cuidadosamente elaborados, que podem levar até meio dia para serem criados”, diz ela. “Mas, para mim, isso tiraria a alma e a personalização do processo, e parece que é uma trapaça, então continuamos fazendo isso de maneira demorada.”
Para Alexandra Coward, estrategista de negócios em Paisley, na Escócia, usar IA para geração de conteúdo é apenas uma espécie de “Photoshop pesado”.
Ela também diz que está particularmente preocupada com a tendência crescente de pessoas usando IA para criar imagens “que as fazem parecer as versões mais magras, mais jovens e mais modernas de si mesmas”.
Coward acrescenta: “Estamos caminhando para um espaço onde não apenas seus clientes não o reconhecerão pessoalmente, mas você também não os reconhecerá pessoalmente”.
Embora todas essas razões pareçam válidas para dar um amplo espaço à Inteligência Artificial, Jodie Cook, especialista na tecnologia, diz que há razões mais profundas e arraigadas pelas quais as mulheres não estão embarcando na tendência tanto quanto os homens.
“Os campos científicos [ciência, tecnologia, engenharia e matemática] têm sido tradicionalmente dominados por homens”, diz Cook, fundadora do Coachvox.ai, um aplicativo que permite a empresários criarem clones de si próprios em IA.
“A tendência atual na adoção de ferramentas de IA parece refletir essa disparidade, uma vez que as competências exigidas para a IA estão enraizadas nesses campos de exatas [ou científicos].”
No Reino Unido, apenas 24% da força de trabalho nesses campos de exatas é feminina e, como consequência, “as mulheres podem se sentir menos confiantes na utilização de ferramentas de IA”, acrescenta Cook.
“Mesmo que muitas ferramentas não exijam proficiência técnica, se mais mulheres não se considerarem tecnicamente qualificadas, poderão não as experimentar."
“E a IA também ainda parece ficção científica. Na mídia e na cultura popular, a ficção científica tende a ser comercializada para os homens.”
Cook diz que, daqui para frente, deseja ver mais mulheres usando IA e trabalhando no setor.
“À medida que a indústria cresce, definitivamente não queremos ver um fosso cada vez maior entre os gêneros”.
No entanto, o psicólogo Lee Chambers diz que o pensamento e o comportamento preconizados socialmente para as mulheres podem impedir algumas delas de abraçar a IA.
“É a falta de confiança: as mulheres tendem a querer ter um elevado nível de competência em alguma coisa antes de começarem a utilizá-la”, diz ele. "Já os homens tendem a ficar felizes em fazer algo sem muita competência."
Chambers também diz que as mulheres podem temer que as suas capacidades sejam questionadas se utilizarem ferramentas de IA.
“É mais provável que as mulheres sejam acusadas de não serem competentes, por isso têm de enfatizar mais as suas credenciais para demonstrar experiência numa determinada área”, diz ele.
“Pode haver a sensação de que se as pessoas souberem que você, como mulher, usa IA, isso sugere que você pode não ser tão qualificada quanto é."
“As mulheres já são desacreditadas e têm as suas ideias tomadas pelos homens. Por isso, ter pessoas sabendo que você usa uma IA também pode contribuir para a narrativa de que você não é qualificada o suficiente. É apenas mais uma coisa que está afetando suas habilidades, sua competência ou seu valor."
Ou, como diz Harriet Kelsall: “É sobre valorizar a autenticidade e a criatividade humana”.