As Forças de Defesa de Israel (IDF) finalizaram o cerco à Cidade de Gaza, enquanto prosseguiam os combates com integrantes do grupo extremista palestino Hamas. "Nós atingimos outra etapa importante na guerra. As forças estão no coração do norte de Gaza, operando na Cidade de Gaza. Estamos aprofundando a ofensiva terrestre e suas conquistas", declarou o general Herzi Herzi Halevi, chefe do Estado-Maior do exército israelense. "Estamos lutando, cara a cara, com um inimigo brutal", admitiu.
- A angústia de um avô que teve sete familiares levados como reféns pelo Hamas
- Israel facilita acesso a armas e 120 mil civis fazem pedido pela primeira vez
- Conflito Israel-Hamas: "O grupo do WhatsApp ficou em silêncio, todos estão mortos"
- Embaixador palestino denuncia "política da terra arrasada"
Por sua vez, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, avisou que nada deterá as tropas de seu país. "Nós estamos no auge da batalha. Tivemos sucessos impressionantes, ultrapassamos a periferia da Cidade de Gaza. Estamos avançando", afirmou. Segundo as IDF, "130 terroristas" foram mortos ontem, durante as operações militares que "alvejaram a infraestrutura do Hamas e destruíram depósitos de armas ao longo de bases operacionais" do grupo. Dezenove soldados israelenses morreram em Gaza.
O Ministério da Saúde palestino, controlado pelo Hamas, anunciou que 27 pessoas perderam a vida durante bombardeios perto de uma escola da ONU no campo de refugiados de Jabaliya. O número de palestinos mortos durante a guerra chega a 9 mil — 3.760 crianças.
Porta-voz das Brigadas Ezzedin al Qassam, braço armado do Hamas, divulgou áudio em que avisa que "Gaza será uma maldição na história de Israel". "Muitos de seus soldados voltarão em sacos pretos", alertou. Pelo segundo dia, a passagem de Rafah, na fronteira com o Egito, foi aberta, permitindo que 100 estrangeiros fugissem de Gaza. Na quarta-feira (31/10), pelo menos 400 civis, entre feridos e com passaporte estrangeiro, tinham deixado o enclave.
Na fronteira norte, uma barragem de foguetes lançada do Líbano pela milícia xiita Hezbollah, aliado do Hamas, foi respondida com bombardeios por parte de Israel. "Caças e helicópteros (israelenses) atacaram, nas últimas horas, alvos da organização terrorista Hezbollah em resposta aos disparos efetuados hoje a partir do território libanês, juntamente com fogo de artilharia e tanques", informaram as IDF, por meio de nota.
Doze foguetes disparados pelo próprio Hamas atingiram carros e lojas da cidade de Kiryat Shmona, e feriram duas pessoas. O líder do Hezbollah, xeque Hassan Nasrallah, fará um pronunciamento nesta sexta-feira (3/11) — o primeiro desde os atentados de 7 de outubro, quando 3 mil homens fortemente armados do grupo palestino invadiram mais de 20 kibbutzim, no sul de Israel, mataram 1.400 pessoas (1.008 civis e 332 militares) e sequestraram 242.
O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, pediu uma pausa humanitária "temporária e localizada" no conflito. A interrupção seria "focada em um objetivo específico ou objetivos, entrada de ajuda humanitária, remoção de pessoas". O secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, desembarca hoje em Israel, onde se reunirá com Netanyahu. O chefe da diplomacia de Washington pedirá "mecanismos urgentes" para reduzir as tensões no Oriente Médio e incluirá a Jordânia em seu roteiro.
Para Efraim Inbar, presidente do do Instituto Para Estratégia e Segurança de Jerusalém, as tropas das IDF terão que entrar, de forma gradual, na Cidade de Gaza, e tentar matar os integrantes do Hamas. "Para diferenciá-los dos civis, será preciso interrogar os suspeitos. Temos um serviço de inteligência, o Shin Bet, que usará fotos dos militantes do Hamas e trabalhará em cooperação com as IDF", disse ao Correio.
O especialista antecipa que a existência de uma rede de túneis sob a superfície de Gaza se impõe como o principal desafio à ofensiva terrestre. "Eles podem sair dos túneis como elementos surpresa. Os combates serão travados em uma área urbana", advertiu Inbar. Ele aponta o uso de mísseis antitanque, por parte do Hamas, como uma das maiores ameaças à incursão das IDF.
Ghazi Hamad, membro do Gabinete Político do Hamas e um dos líderes da facção, disse que as tropas israelenses estão "se afundando" dentro de Gaza. "Como não podem ameaçar os combatentes das Brigadas Ezzedin al Qassam, eles retaliam contra os civis. Os soldados de Israel estão sofrendo grandes baixas em Gaza; a resistência é muito forte e está, inclusive, capturando tanques", assegurou ao Correio, por telefone. "Os soldados de Netanyahu pagarão um alto preço em Gaza."
"Chegamos a operar 80 feridos ao mesmo tempo"
Em 27 dias de guerra entre Israel e Hamas, mais de 21 mil palestinos ficaram feridos. Se havia apenas 2,5 mil leitos disponíveis antes do conflito, a destruição de 30% dos hospitais da Faixa de Gaza tornou a situação da saúde catastrófica no enclave. Pelo menos 145 médicos e enfermeiros morreram nos bombardeios, e o bloqueio total imposto por Israel depois dos atentados de 7 de outubro ameaça paralisar por completo o atendimento médico.
Por volta das 21h30 desta quinta-feira, 2/11 (15h30 em Brasília), um dos dois geradores do Hospital Al Shifa — o maior da Faixa de Gaza, com 600 leitos — precisou ser desligado, sem combustível. "Apenas partes essenciais do hospital têm eletricidade, que incluem a sala de cirurgia, onde estou no momento, além das incubadoras e da unidade de terapia intensiva. Não pudemos transferir 30 pacientes do Shifa para o Egito, hoje, porque os israelenses abriram fogo contra as ambulâncias, na estrada costeira, e elas tiveram que retornar ao hospital", contou ao Correio, por telefone, Ghassan Abu-Sittah, cirurgião plástico do Al Shifa.
De acordo com ele, nos últimos dias, houve ocasiões em que entre 70 e 80 pacientes precisaram ser operados, ao mesmo tempo. Foram os casos dos bombardeios ao campo de refugiados de Jabalia e ao Hospital Batista Al Ahli. "Não tínhamos anestésicos ou antissépticos suficientes. Tivemos que usar quetamina, uma droga muito antiga, atualmente usada apenas por veterinários. Injetamos a substância e operamos ao mesmo tempo", disse Ghassan.
O cirurgião acrescentou que 150 pacientes dependem da ventilação mecânica e 15 bebês estão nas incubadoras. Ele comparou o Hospital Al Shifa a uma grande favela. "Há 50 mil palestinos vivendo no complexo hospitalar. O fedor é horrendo. Há tendas de lona e colchões no chão dos corredores e em todas as partes. Além disso, temos cerca de 2 mil feridos em um hospital com capacidade paa 600 leitos", comentou o cirurgião. Ghassan dorme sobre uma maca dentro da sala de cirurgia.
"Insustentável"
Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), alertou que a situação em Gaza é "insustentável". "Hospitais estão abarrotados de feridos, deitados no corredor. Os necrotérios estão superlotados. Médicos operam sem anestesia. Milhares de pessoas buscam abrigo (nos hospitais)", afirmou. "Em todos os lugares há medo, morte, destruição e perdas. (...) É tarde demais para ajudar os mortos. Mas podemos ajudar os vivos. Podemos ajudar aqueles que vivem cada momento com medo. Podemos ajudar os feridos. Podemos ajudar as cerca de 200 mulheres que dão à luz todos os dias. (...) A solução final é aquela que não podemos fornecer: a paz", acrescentou. (RC)