Há um mês, o cidadão brasileiro Hasan Rabee, de 30 anos, chegou junto com a família à Faixa de Gaza para visitar os parentes que vivem na região.
Era a primeira vez em que ele voltava para a área em que nasceu, após ter saído e conseguindo obter a cidadania brasileira. Ele mora há cerca de uma década em São Paulo (SP), onde trabalha como comerciante.
Hasan evitava retornar a Gaza em anos anteriores porque tinha medo da violência que dominava a região, em meio às tensões com Israel.
Nos primeiros dias, quando reencontrou os parentes, Hasan estava feliz. Era a primeira vez que as filhas dele e a esposa conheciam a região em que ele nasceu. O objetivo era passar um mês no local.
"A gente veio pra cá a passeio porque acreditou que as coisas estavam bem, sem ataques e não havia guerra. Chegamos aqui e pouco depois começou tudo", diz à BBC News Brasil.
A alegria da família deu lugar ao medo a partir de 7 de outubro, data em que o grupo palestino Hamas atacou Israel. A partir de então, o conflito da região passou a crescer em intensidade.
Forças israelenses lançaram uma contra-ofensiva na Faixa de Gaza, começando por ataques aéreos e posteriormente com incursões de tanques.
Segundo os dados atuais das autoridades locais, 8,7 mil pessoas já morreram na Palestina. Em Israel, também segundo autoridades locais, foram 1,4 mil mortos.
E a viagem da família de Hasan se tornou um pesadelo. Ele, a esposa e as duas filhas do casal passaram a conviver com bombardeios intensos e com a incerteza sobre quando vão conseguir deixar Gaza, porque as fronteiras ficaram fechadas - o Egito abriu parcialmente a passagem de Rafah na quarta-feira (01/11), mas brasileiros não estão entre os que podem atravessar por enquanto.
Nesta quarta-feira (1/11), foi divulgada uma lista com cerca de 500 nomes de estrangeiros que poderão sair de Gaza. E brasileiros, como Hasan, não constam nesse documento. Junto com a incerteza, ele e a família convivem com o medo dos constantes ataques.
"Até esse momento não temos informação de quando os brasileiros na Faixa de Gaza vão sair", disse à BBC News Brasil na quarta-feira.
"Peço ao governo federal para informar quando a gente vai ser liberado e sair daqui, porque o que a gente passa é um massacre, uma miséria", acrescentou.
A Embaixada do Brasil na Palestina afirma que acompanha o caso e trabalha pela liberação dessas famílias. A previsão é de que haverá, ao longo dos próximos dias, outras listas de pessoas que poderão deixar a região.
'Papai, vão jogar bomba'
As filhas e a esposa de Hasan estão assustadas com toda a situação. Ele diz que chegou a tentar esconder das crianças o que estava acontecendo, mas com o passar dos dias elas logo entenderam que estavam em uma guerra.
"Elas estão há mais de duas semanas sem sair de casa. Então elas são crianças, querem ir ao shopping ou passear. E não podem", comenta.
"A minha filha que tem 3 anos, quando passa um avião militar israelense, ela corre, fecha a janela e fala: 'papai, vão jogar bomba'", completa.
Nos últimos dias, diz Hasan, as garotas ficaram doentes e tiveram febre.
"Consegui remédio pra elas, mas a febre (de uma das filhas) não baixa. E a outra está bem assustada, ela caiu ontem à noite por causa do escuro, ela ouviu a bomba e caiu, machucou toda a boca e a cabeça", diz.
Segundo ele, praticamente não há chances de atendimento médico na região. Além disso, sair de casa pode aumentar os riscos de ser alvo de um ataque. "Tenho saído de casa só para coisas básicas", afirma.
Para se locomover ao mercado para comprar alimentação básica, ele chegou a usar uma carroça, puxada por um burro, porque não há combustíveis para automóveis.
"A maioria do povo faz a mesma coisa", diz ele sobre como estão se locomovendo em Gaza. Alguns carros movidos a diesel, comenta, estão tentando usar óleo de cozinha como combustível.
A família dele, assim como os demais palestinos, estão sem energia elétrica desde os primeiros dias de conflito. Hasan conta ainda que há dificuldades para tomar água potável – eles chegaram a consumir água salgada – e faltam alimentos.
"Temos comida para mais dois ou três dias. Para economizar o que temos, estamos fazendo uma refeição por dia. O governo brasileiro diz que vai nos mandar dinheiro, mas o que vamos fazer com isso se falta comida nos mercados de Gaza?", conta Hasan à BBC News Brasil.
O abastecimento de água foi cortado recentemente. Segundo as Nações Unidas, o consumo de água pela população local de Gaza está 92% menor do que o período anterior ao conflito, em razão da falta de abastecimento.
Para carregar o celular, Hasan diz que precisa ir até um local em que um homem tem equipamento de energia solar e permite que outros palestinos carreguem seus aparelhos. No local, há inúmeros telefones conectados.
"Nunca vi na vida essas coisas. Já vi ataques de Israel contra a Palestina, mas nunca como agora", lamenta.
A viagem à Faixa de Gaza
Hasan nasceu e cresceu na Faixa de Gaza. Ele quis deixar a região uma década atrás, por medo da violência e insegurança diante dos conflitos territoriais com Israel.
Ele recomeçou a vida em São Paulo, onde conheceu a esposa, Dyana Abo Salem, que é brasileira. O casal tem duas filhas nascidas no Brasil, uma de três e outra de seis anos.
Hoje, Hasan tem cidadania brasileira. Mesmo distante da família, ele sempre manteve contato frequente com os parentes em Gaza e sonhava em retornar à sua terra para passear.
Ele acreditava que o segundo semestre de 2023 seria um bom período para essa viagem. Ele, a esposa e as duas filhas foram à cidade de Khan Younis, no sul da Faixa de Gaza, para visitar a mãe dele, Heyam Rabee, e as irmãs, Rawan e Yassmin Rabee.
Ele sequer cogitava que poderia passar por problemas tão graves como os que enfrenta atualmente. Segundo Hasan, a situação começou a ficar tensa logo após o ataque do Hamas a Israel em 7 de outubro.
A partir de então, ele não conseguiu mais sair de Gaza. O que parecia para ele um conflito breve ou algo que logo permitiria que saísse do local escalou cada vez mais.
Ao longo de quase um mês, Hasan diz que chegou a se mudar para outras casas de familiares.
"No começo, estava na casa da minha mãe, mas caía muita bomba por perto e não era seguro. Então fomos para a casa da minha irmã, mas também caíram bombas por perto. Fui para a casa do meu primo e continuaram caindo bombas por perto. Então, percebemos que não havia lugar seguro aqui, por isso não queríamos ficar mudando de lugar porque nada mudava e voltamos para a casa da minha mãe", diz.
Ele conta que presenciou situações dramáticas desde o início dos ataques. O brasileiro diz ter visto diversos bombardeios, casas destruídas, carros atacados e pessoas mortas.
"Teve um bombardeio ao lado da casa da minha mãe, vi bastante gente ferida", conta.
"Tenho visto muitas crianças, que não têm nada a ver com isso, cortadas por causa de bombas que caem nas casas delas. Eu fico bem mal com tudo isso. O que estou vendo não é uma guerra contra o Hamas, é contra os palestinos todos. Infelizmente estou vendo um massacre mesmo", declara.
Na semana passada, conta Hasan, ele perdeu familiares que foram atingidos por um bombardeio. "Morreu o meu primo, a esposa dele, os filhos e os netos dele. O prédio em que ele morava foi todo destruído, mais de 60 pessoas morreram", comenta.
O governo israelense tem repetido que os alvos de suas operações são combatentes do Hamas e que palestinos foram orientados a deixar as áreas que seriam bombardeadas.
Saída incerta
Enquanto outros estrangeiros conseguem deixar a região, Hasan vive a incerteza sobre o seu futuro. Cada dia a mais em Gaza é um risco maior que ele e sua família correm.
"Há bombas em todos os lados. Infelizmente é um terror", diz Hasan, que pede que o Governo Federal consiga retirá-los da região com urgência.
Ao todo, 34 pessoas estão sob os cuidados da diplomacia brasileira em Gaza. Segundo o governo federal, são 24 brasileiros, 7 palestinos em processo de imigração e 3 palestinos familiares próximos que darão início à imigração.
A BBC News Brasil procurou o Itamaraty para saber se há prazo para que os cidadãos brasileiros deixem Gaza, mas não houve respostas até a conclusão deste texto.
Em entrevista à CNN Brasil nesta quarta, o embaixador do Brasil no Egito, Paulino Carvalho, afirmou que não sabe os motivos para que os brasileiros não estejam na lista de estrangeiros autorizados a deixar Gaza.
Porém, ele afirmou que há sinalizações de que os cidadãos brasileiros que estão na região podem sair na quinta (2) ou sexta-feira (3) pela fronteira do Egito.
A expectativa, diz Hasan, é de que os estrangeiros que estão em Gaza sejam liberados em listas que serão divulgadas aos poucos ao longo dos próximos dias.
"Todo mundo está saindo e a gente está sem informações. O governo diz para aguardar a próxima lista, mas a gente nem sabe se vai estar na próxima lista ou não. E o bombardeio não para, então você continua vivendo um terror", diz.
"E cada dia a mais aqui é mais risco de bombardeio e de (faltar) comida", acrescenta Hasan.