O Brasil chega à cúpula do clima da ONU (COP 28) determinado a mostrar que o país mudou radicalmente sua política ambiental no último ano. O principal "troféu" que o governo brasileiro pretende apresentar é a redução no desmatamento da Amazônia segundo dados do começo deste mês — depois de forte crescimento ao longo dos quatro anos da gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro.
No entanto, o mesmo país que tenta cobrar do mundo um compromisso maior contra as mudanças climáticas também tem alguns "esqueletos" no seu armário, quando o assunto é meio ambiente.
Ambientalistas elogiam a atuação do primeiro ano do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva — principalmente quando comparado com a gestão anterior — mas ressaltam que pautas importantes no Congresso correm o risco de minar o discurso ambiental que o governo tenta apresentar na COP28.
Entidades ambientalistas alertam para mudanças no Congresso brasileiro que podem dificultar a demarcação de terras indígenas, beneficiar grileiros de terras, favorecer o uso de agrotóxicos e facilitar os processos de licenciamento ambiental — todas pautas que pesam contra o discurso do atual governo brasileiro de que o país está avançando na proteção do meio ambiente.
Segundo Stella Herschmann, especialista ambiental do Observatório do Clima, todas essas pautas têm chances reais de serem aprovadas, principalmente por causa da composição política do Congresso, que não compartilha da agenda ambiental do governo federal.
"O Brasil quer ser o líder climático do mundo. Isso é claro em todos os discursos do Lula desde que ele ganhou a eleição, mas dentro de casa, nós não fazemos o nosso dever de casa. E pior, nós podemos atrapalhar e muito esse papel de líder que o Brasil quer ter", disse Herschmann à BBC News Brasil.
Outro "esqueleto ambiental" no armário brasileiro é o Cerrado, que está batendo recordes de desmatamento neste ano. Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), entre janeiro e maio deste ano foram desmatados mais de 3.320 km² do bioma, um aumento de 27% em relação ao mesmo período do ano passado.
Além de sofrer com incêndios, o Cerrado possui leis mais permissivas do que a Amazônia, o que torna mais difícil o combate ao desmatamento.
Desmatamento zero na Amazônia
Mas na COP28, o governo vai tentar focar nos recentes dados positivos.
Desde que assumiu o governo, Lula tem reiterado em todos os compromissos internacionais duas metas claras para a Amazônia: atingir o desmatamento zero até 2030 e promover o desenvolvimento sustentável da região — em vez de transformar a Amazônia em um santuário intocável.
O governo vem buscando alianças com países amazônicos ou com outras grandes florestas tropicais. Em agosto, o Brasil sediou em Belém uma cúpula amazônica.
Agora na COP 28, Lula pretende mostrar resultados concretos do que seu governo fez no combate ao desmatamento.
Após quatro anos de altas taxas de desmatamento da Amazônia, o número ficou abaixo de 10 mil quilômetros quadrados pela primeira vez, segundo dados oficiais divulgados no começo do mês. De agosto de 2022 a julho de 2023, foram perdidos 9.001 quilômetros quadrados de floresta, uma redução de 22,3% na comparação com o período anterior.
Ambientalistas ressaltam que os primeiros cinco meses analisados ainda ocorreram durante o governo Bolsonaro — e que nesse período o desmatamento da Amazônia continuou crescendo. Mas nos primeiros seis meses do governo Lula, o desmatamento caiu tudo que havia crescido no governo Bolsonaro — e seguiu caindo, a ponto de ficar 22% abaixo dos dez meses anteriores.
Segundo Herschmann, a queda do desmatamento pode ser creditada às políticas públicas, como maior fiscalização e multas pelo Ibama,
Objetivos do Brasil
Mas afinal qual é a pauta do Brasil na COP28? O que o país espera alcançar na reunião ambiental?
A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, diz que um dos principais desafios do Brasil é ajudar a "encerrar a pauta" atual de discussões — já que o Brasil sediará a cúpula do clima da ONU em 2025, em Belém.
"Sabemos que os resultados da COP 30 que iremos sediar em 2025 dependerão do sucesso na COP 28 e na COP 29 com os desafios que estão postos", diz a ministra.
No encontro em Dubai, há quatro pontos centrais em discussão: compromisso global com a meta de não deixar o planeta se aquecer mais do que 1,5 graus, um fundo de perdas e danos - uma promessa de países ricos feita há mais de dez anos - e a diminuição do uso do petróleo no mundo.
Espera-se que a COP28 ajude a manter vivo o objetivo de limitar o aumento da temperatura global a 1,5ºC. Isto foi acordado por quase 200 países em Paris em 2015.
A meta de 1,5ºC é crucial para evitar os impactos mais prejudiciais das alterações climáticas, segundo o Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas (IPCC, o órgão da ONU sobre o assunto).
Atualmente o planeta está cerca de 1,1ºC ou 1,2ºC mais quente do que a era pré-industrial, quando a começou a queimar combustíveis fósseis em grande escala.
Mas as estimativas mais recentes sugerem que, se nada for feito, o planeta vai se aquecer 2,4°C a 2,7°C até 2100, embora seja difícil precisar os números exatos.
A janela para se atingir a meta de 1,5ºC está diminuindo "drasticamente", segundo a ONU. O Brasil está entre os países que defende essa meta — e pretende trabalhar para reiterar isso em Dubai.
O fundo de perdas e danos foi um mecanismo criado na COP do ano passado — um montante de dinheiro destinado a países que emitem poucos gases nocivos ao ambiente mas que sofrem muito com fenômenos climáticos extremos, como o Paquistão, por exemplo.
Os detalhes práticos do fundo — como quem deve contribuir e quem tem direito de sacar — nunca foram acertados e ele não saiu do papel. Espera-se que em Dubai possa haver algum avanço nesse mecanismo.
Um tema parecido com o fundo de perdas e danos é o do financiamento — uma promessa feita em 2009 por países ricos de destinar por ano US$ 100 bilhões aos países mais pobres para combate aos efeitos do aquecimento global.
O Brasil e outros países insistem que essa promessa seja cumprida, mas o tema não avançou nas reuniões passadas.
Por fim existe a questão dos poços de petróleo. Cientistas dizem que é preciso acelerar o processo de transição de combustíveis fósseis para energia renovável. A COP28 está sendo sediada justamente na região que mais produz petróleo no planeta — e nenhum dos países têm sinalizado que pretende diminuir sua produção no futuro.
Esta semana a BBC revelou que os Emirados Árabes Unidos planejaram usar o papel como anfitrião da COP como uma oportunidade para fechar acordos de petróleo e gás, apurou a BBC. Documentos vazados revelam planos para discutir acordos relacionados aos combustíveis fósseis com 15 nações — inclusive o Brasil.
"Esta é uma COP que precisa ser a do abandono dos combustíveis fósseis. Nada menos do que isso", diz Natalie Unterstell, do Instituto Tanaloa.
"É difícil e delicado e muitos países não alcançaram sequer o seu pico de produção [de combustíveis fósseis] — como o Brasil, que almeja ser o quarto maior produtor de petróleo até o final dessa década e está no rumo para isso."
A ministra do Meio Ambiente diz que a COP28 será um sucesso se conseguir reconfirmar o compromisso do planeta com a meta de 1,5ºC e, além disso, definir um plano mais claro de como se chegar à essa meta.
"Quem está nos cobrando é a ciência, é o bom senso", disse Marina Silva.
Lula na COP28
Lula retorna pela primeira vez à uma conferência do clima da ONU como presidente após 13 anos. No ano passado, ele participou da COP27 no Egito sem ter assumido o cargo ainda, mas já tendo sido eleito.
Lula terá compromissos apenas na sexta-feira e sábado (1/12 e 2/12), como também a maioria dos líderes mundiais. Depois disso ele segue para a Alemanha, última parada de um giro internacional que incluiu também Arábia Saudita e Catar.
O encontro de líderes de alto nível da COP28 ocorrerá no começo da cúpula. Depois disso, a maioria dos líderes vai embora. Ficam em Dubai os negociadores diplomáticos e ministros. A conferência chega ao fim daqui a duas semanas, no dia 12 — quando se espera algum tipo de acordo final com as resoluções tomadas na COP.
Na sexta-feira, Lula fará discurso na sessão de líderes de alto nível e participará de um evento sobre financiamento climático, da entrega de um prêmio de sustentabilidade e do lançamento de um plano de transformação ecológica. Ao final do dia, o Brasil oferecerá um jantar ao presidente dos Emirados Árabes, xeique Mohamed bin Zayed Al Nahyan, chamado de "A Amazônia: uma experiência imersiva".
No sábado, o presidente participará de eventos de diálogo da sociedade civil, de proteção às florestas, de transição energética e de uma reunião do G-77+China (grupo conhecido anteriormente como de países não-alinhados) sobre mudanças climáticas.
Além da pauta ambiental, Lula terá vários compromissos não relacionados necessariamente com o tema.
Ao longo dos dois dias, estão na agenda do presidente encontros bilaterais com o premiê britânico Rishi Sunak, o presidente de Israel, Isaac Herzog, o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, a presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, o presidente da Espanha, Pedro Sanchez, o presidente da Guiana, Mohamed Irfaan Ali, o presidente de Cuba, Miguel Diaz-Canel, o presidente da França, Emmanuel Macron, o presidente da União Africana, Moussa Faki e o premiê da Etiópia, Abiy Ahmed Ali.
Alguns pontos importantes da política externa do governo são o acordo Mercosul-União Europeia e o conflito entre Israel e Hamas.
Líderes sul-americanos e europeus têm pressa para concluir em dezembro o acordo que vem sendo negociado há anos — antes que o novo presidente argentino Javier Milei assuma o cargo, já que ele vem se mostrando contra a participação do seu país no Mercosul. Sobre a crise no Oriente Médio, Lula disse que está disposto a conversar com o presidente de Israel para ajudar qualquer brasileiro que ainda queira sair da região.
A COP28 é o último grande evento do ano na diplomacia internacional — e nos próximos anos o Brasil se prepara para assumir grandes compromissos internacionais.
A partir de sexta-feira (1/12), o Brasil assume — com mandato de um ano — a presidência temporária do G20, o grupo que reúne as 19 principais economias do mundo, a União Europeia e, agora, também a União Africana.
É a primeira vez que o Brasil assume essa função no formato atual do grupo — e o país terá de organizar uma cúpula do G20 no Rio de Janeiro em novembro de 2024.
E em 2025 o Brasil sediará a COP30 em Belém. A sede da COP do ano que vem ainda não foi definida.
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