Foi um abraço com o aperto da saudade ainda entranhado no peito. Depois de 51 dias de horror, sem notícias das filhas, sequestradas pelo grupo extremista islâmico Hamas na Faixa de Gaza, Maayan Zin pôde aconchegar Dafna Elyakim, 15 anos, e Ela, 8. As duas irmãs fazem parte do grupo de 14 reféns israelenses — nove crianças, três adultos e duas idosas — soltos neste domingo (26/11), no terceiro dia de um acordo entre Israel e Hamas, mediado pelo Egito e pelo Catar. Seis das crianças que deixaram o cativeiro estão órfãs: o pai, a mãe ou ambos foram assassinados durante o massacre de 7 de outubro. Ao todo, 177 reféns permanecem em Gaza, incluindo 18 crianças.
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Avigail Idan, 4, de dupla nacionalidade israelo-americana, teve pai e mãe executados. Os dois irmãos mais velhos sobreviveram ao se esconderem no guarda-roupa. A menina conseguiu fugir de casa e foi encontrada pelo vizinho Avihai Brodutch, mas acabou sequestrada com os outros integrantes da família dele — Hagar, 39; e os filhos Ofri, 10; Yuval, 8; e Uriah, 4. Os cinco foram libertados neste domingo.
Chen Goldstein-Almog, 48, voltou para casa com os filhos Aga, 17; Gal, 11; e Tal, 8. Mas não poderão receber o carinho do marido e pai, Nadav, e de Yam, a outra filha do casal, assassinados pelo Hamas. Dafna e Ela, as duas crianças que abraçam a mãe na foto, foram levadas do kibbutz de Nir Oz.
Enquanto a troca de reféns por prisioneiros se desenrolava, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, visitava pela primeira vez o front, na Faixa de Gaza. Em discurso para os soldados, ele garantiu que a guerra prosseguirá "até o final, até a vitória". "Temos três objetivos: eliminar o Hamas, trazer de volta todos os nossos sequestrados e garantir que Gaza não se torne novamente uma ameaça para Israel", declarou, segundo um vídeo publicado por seu gabinete. O premiê também entrou em um túnel construído pelo Hamas.
Após a nova rodada de solturas, 58 reféns recuperaram a liberdade. Uma das israelenses libertadas, Elma Avraham, 84, precisou ser transferida de helicóptero para o Hospital Soroka, em Beer Sheva. Até a noite deste domingo, seu estado de saúde era crítico e ela corria risco de morte. Como parte do acordo, Israel libertou mais 39 prisioneiros palestinos — 117 desde sexta-feira.
Alegria com tristeza
Porta-voz do kibbutz de Kfar Aza, onde residiam quatro famílias libertadas ontem, Hagar Yechiely, 53, disse ao Correio que os sobreviventes do atentado experimentam sentimentos contraditórios em meio ao retorno dos amigos. "Estamos felizes e tristes ao mesmo tempo. Estamos contentes com a libertação, mas essa felicidade não estará completa até que todos os sequestrados voltem para Israel", contou. Dos 14 israelenses soltos pelo Hamas, neste domingo, 10 são de Kfar Aza; nove moradores seguem em poder dos extremistas. Antes dos atentados de 7 de outubro, o kibbutz tinha uma população de cerca de 900 pessoas; 62 foram assasssinadas durante a invasão.
Cerca de 250 membros do kibbutz acompanharam por um telão a libertação dos amigos, no Hotel Shefayim, perto de Tel Aviv e a 2 horas e 15 minutos de Kfar Aza. "As duas mães das crianças voltaram em segurança e estão bem. Isso é o importante agora. Muito terá que ser feito depois que elas descansarem; começarão a reconstruir suas vidas", afirmou Hagar.
Mahmoud Mardawi, membro da Liderança Política do Hamas, negou que Netanyahu tenha entrado no enclave palestino. "Ele visitou o exército da ocupação na borda de Gaza, não dentro de Gaza. Ele abordou os componentes belicosos de sua entidade, sabendo que estamos preparados para as piores possibilidades e que avançaremos até alcançarmos nossos objetivos", afirmou ao Correio.
De acordo com Mardawi, desde o início, o Hamas assegurou que "os reféns não são tanto um alvo, mas sim um meio de extrair os prisioneiros" palestinos. "A escassez de materiais básicos e terapêuticos para operar hospitais, padarias, dispensários, lares de idosos e incubadoras exige uma trégua. Entregar e receber prisioneiros e detidos exige condições que não podem ser realizadas sob o bombardeio de tanques, artilharia e aeronaves. A troca exige condições de estabilidade", acrescentou.
O líder do Hamas sublinhou que a posição do grupo era clara: ou o acordo seria completado em etapas ou de uma só vez. "Em todos os casos, durante a implementação, são necessárias condições adequadas", observou. "O acordo para a troca de prisioneiros é claro, os textos são rígidos, mas o inimigo sempre tenta enganar e manobrar para conseguir o que fracassou em ter por meio de negociações ou dos canhões. A trégua não é frágil, mas o inimigo não demonstra compromiso", concluiu Mardawi.
Presos palestinos
Uma multidão tomou as ruas de Ramallah, na Cisjordânia, para acompanhar a chegada dos ônibus do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) com os 39 prisioneiros palestinos. Bandeiras do Hamas e do Fatah, as duas principais facções palestinas, eram agitadas com entusiasmo por jovens — alguns deles chegaram a ficar em pé sobre os veículos.
Em Silwan, bairro de Jerusalém Oriental, os irmãos Qassam e Nasrallah Al-war foram recebidos com festa por IIyad Al-Awar, depois de anos presos em Israel. No sábado, a libertação da palestina Israa Jabis, 39, foi cercada de restrições, como a proibição de comemorações pela soltura. Ela estava presa desde 11 de outubro de 2015, quando um botijão de gás explodiu, deixando 60% de seu corpo queimado. Israel a acusou de ataque terrorista, algo negado por ela.
DUAS PERGUNTAS PARA / Mahmoud Mardawi, membro da Liderança Política do Hamas
Como vê a tensão e a crise no acordo, depois que a libertação dos reféns foi adiada por algumas horas, no sábado?
O Hamas anunciou a libertação de prisioneiros de dupla nacionalidade, desde o primeiro momento da guerra, mesmo antes do início da bárbara guerra terrestre lançada pela ocupação israelense. Nós exigimos que existam condições adequadas para implementar isso. A ocupação israelense absolutamente as rejeitou, embora tenha aceitado concretizar o acordo duas semanas mais tarde, devido ao fracasso das operações terrestres. Eles voltaram atrás e concordaram em negociar por meio de mediadores para as libertações, segundo os termos da resistência palestina, o Hamas. Isso veio anular a lógica apresentada pelo inimigo de que o acordo foi concluído sob fogo cerrado.
De que modo Israel teria violado o acordo, segundo o Hamas?
Esse acordo tem termos claros e textos fortes. Não permite múltiplas leituras. No entanto, a ocupação israelense tentou, de forma deliberada, violar o acordo, ao paralisar a entrada de ajuda humanitária e médica aos civis da Faixa de Gaza. Também manteve a atividade aérea. Eles fazem isso para agradar aos extremistas, que querem mais matança, destruição e a continuação da guerra, e não se importam com a vida de civis. Além disso, estão indignados com as cenas humanitárias que aparecem nas relações do Hamas com os seus detidos, em comparação com a imagem miserável da ocupação que abusa de prisioneiros palestinos, incluindo crianças e mulheres. Não aceitaremos isso. Nós informamos os mediadores sobre nossa posição. Conseqüentemente, suspendemos a implementação do acordo até que o inimigo aderisse a ele na letra e no espírito. (RC)
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