Eleições

Milei: veja propostas e desafios do novo presidente argentino

Ultradireitista libertário é eleito presidente em votação histórica, com vantagem de quase 12 pontos sobre peronista Sergio Massa

Apontado como possível vencedor já no primeiro turno, largou quatro pontos atrás do adversário, o atual ministro da Economia, Sergio Massa, no pleito de 22 de outubro -  (crédito: Luis Robayo/AFP)
Apontado como possível vencedor já no primeiro turno, largou quatro pontos atrás do adversário, o atual ministro da Economia, Sergio Massa, no pleito de 22 de outubro - (crédito: Luis Robayo/AFP)
postado em 20/11/2023 07:10 / atualizado em 20/11/2023 07:10

Mergulhada na pior conjuntura econômica em quatro décadas de redemocratização, a Argentina deu as costas à tradição do peronismo e elegeu ontem o neófito Javier Milei, 53 anos, presidente da República. Com a campanha alicerçada no discurso antissistema, aparições polêmicas, incluindo empunhar uma motosserra, e a promessa de reerguer o país, o ultradireitista triunfou depois de um processo eleitoral com altos e baixos.

Apontado como possível vencedor já no primeiro turno, largou quatro pontos atrás do adversário, o atual ministro da Economia, Sergio Massa, no pleito de 22 de outubro. Os 30% dos votos mudaram o tom da campanha, inicialmente muito marcada pelo confronto. Milei buscou acordos, e para isso, tentou rever suas declarações. Conseguiu, assim, o apoio da conservadora Patricia Bullrich e a aprovação do ex-presidente liberal Mauricio Macri. Chegou à vitória com quase 12 pontos de vantagem: 55,71% contra 44,28%, com 99,3% dos votos apurados.

No discurso da vitória, pouco antes das 22h (hora local e de Brasília), o presidente eleito agradeceu Bullrich e Macri, garantindo que "hoje (ontem), começa o fim da decadência argentina". "Hoje, voltamos a abraçar o modelo da liberdade, para voltar a ser uma potência mundial", disse no Hotel Libertador, centro de Buenos Aires. Ressaltando a dramática situação do país, Milei prometeu ser rápido na recuperação da economia e, com um tom conciliatório, disse que todos serão bem-vindos no que chamou de reconstrução do país, "não importa de onde venham".

Liberdade

"Hoje é uma noite histórica porque terminou uma forma de fazer política e começa outra." Hoje começa a reconstrução da Argentina", afirmou Milei, bastante aplaudido pelos apoiadores. Novato na administração pública, o presidente eleito disse que "não vai inventar nada". "Vamos fazer as coisas que a história mostrou que funciona, que é abraçar a ideia de liberdade", destacou. "A Argentina tem futuro, mas esse futuro só existe se a Argentina for liberal." Ele prometeu começar a agir tão logo receba a faixa presidencial, em 10 de dezembro, data em que se celebram 40 anos de retorno da democracia. O atual presidente, Alberto Fernández, afirmou que a transição começará "em breve".

Depois do discurso oficial, Milei voltou a falar com os eleitores. "Apesar da honra de ser o primeiro presidente libertário da história da humanidade, tenho de admitir que não é fácil a tarefa que vem adiante: estão nos deixando uma economia destruída", afirmou. "Não é uma tarefa para fracos."

A vitória de Milei foi admitida por Sergio Massa duas horas e 13 minutos após o fechamento dos centros de votação. "A partir de amanhã (hoje), o dever de dar certezas e garantias sobre o funcionamento político e econômico da Argentina é responsabilidade do presidente eleito. Esperamos que assim seja", disse, destacando a importância da democracia. "Temos um sistema democrático forte."

Com uma inflação anual de 143% e a pobreza que afeta 40% da população, Milei assumirá uma Argentina sob a pior conjuntura econômica nas últimas duas décadas. O país tem um acordo de crédito desde 2018 com o Fundo Monetário Internacional (FMI) de US$ 44 bilhões (quase R$ 215 bilhões na cotação atual), negociado pelo então presidente Macri, e desde 2019 um sistema de controle cambial.

Além disso, enfrentará uma dívida interna de US$ 18,5 milhões. Citado pelo jornal Clarín, o professor de finanças públicas da Universidade de Buenos Aires Oscar Cetrángolo avalia que esta "é a pior herança econômica desde o regresso da democracia", há quatro décadas.

Para recuperar a terceira maior economia da América Latina, o presidente eleito propõe medidas drásticas, como a eliminação do Banco Central e a dolarização da economia. Milei propõe cortar os gastos públicos em 15%, uma promessa desafiadora. "Cortar o gasto social é complicado, porque tem impacto sobre a pobreza", alerta a economista María Laura Alzua, da Universidade de La Plata. A especialista calcula que os subsídios para os serviços de energia elétrica, gás e transportes representam 2% do Produto Interno Bruto (PIB).

Descrença

A vitória de Milei, que cresceu mais de 25 pontos percentuais entre os dois turnos, é avaliada como o reflexo da descrença do eleitorado argentino com a política, evidenciado pelo baixo comparecimento às urnas: 76%, segundo o Diretório Nacional Eleitoral. "As propostas de Milei de levantar a Argentina nos dão a esperança de ficar porque os jovens, se isso continuar assim, têm a ideia de ir embora do país", disse à agência de notícias France Presse Carolina Carbajal, de 20 anos.

No setor agroindustrial, responsável por 25% do PIB argentino, o presidente eleito é "uma luz no fim do túnel", na opinião do historiador Roy Hora, da Universidade de Quilmes. "Historicamente, o peronismo prejudicou o campo com políticas mais favoráveis a outros setores. Muitos produtores veem Milei como uma espécie de utopia", acredita.

Nos próximos quatro anos, Milei governará em uma situação inédita na democracia argentina: sem nenhum representante nas províncias. As eleições legislativas deixaram o Congresso fragmentado, com o peronismo como primeira minoria nas duas casas, a direita como segunda força e a extrema direita em terceiro.

Na avaliação do colunista Luciano Román, do La Nación, o resultado das urnas aponta para a "derrota de uma cultura política e a emergência do desconhecido". "O triunfo de Milei expressa o cansaço da maioria da sociedade com o sistema partidário que administrou as alavancas do poder; representa uma mudança disruptiva cujos contornos são difíceis de decifrar", escreveu em um editorial.

 

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