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Guerra na Ucrânia: os milhares de homens que fogem para não serem convocados

Após a invasão da Rússia, maioria dos homens ucranianos foi proibida de sair do país sem autorização, mas muitos optaram por fugir.

Erik, músico de 26 anos, diz que nadou em um rio para escapar para a Moldávia -  (crédito: BBC)
Erik, músico de 26 anos, diz que nadou em um rio para escapar para a Moldávia - (crédito: BBC)
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Kelvin Brown - BBC and Oana Marocico - BBC
postado em 17/11/2023 11:44 / atualizado em 17/11/2023 11:46

Quase 20 mil homens fugiram da Ucrânia desde o início da guerra para evitar serem convocados, segundo uma reportagem exclusiva da BBC.

Alguns nadaram em rios perigosos para deixar o país. Outros simplesmente partiram escondidos.

Outros 21.113 homens tentaram fugir, mas foram capturados pelas autoridades ucranianas, segundo o governo.

Após a invasão da Rússia, a maioria dos homens com idades entre 18 e 60 anos foi proibida de viajar para fora da Ucrânia sem autorização.

Mas os dados obtidos pela BBC revelam que dezenas de pessoas saíram do país diariamente.

A reportagem entrevistou vários homens que fugiram para se reunir com suas famílias no exterior, estudar ou simplesmente ganhar a vida.

"O que devo fazer [na Ucrânia]?", questionou Yevgeny. "Nem todo mundo é um guerreiro... não é preciso manter o país inteiro trancado. Tampouco agrupar todos como fizeram na União Soviética (URSS)."

A BBC constatou — ao solicitar dados de travessias ilegais de fronteira para Romênia, Moldávia, Polônia, Hungria e Eslováquia, todos países vizinhos à Ucrânia — que 19.740 homens cruzaram ilegalmente para estes países entre fevereiro de 2022 e 31 de agosto de 2023.

Embora não seja possível saber como eles escaparam, os métodos utilizados pelos 21.113 que tentaram, mas acabaram pegos, são conhecidos.

A maioria — 14.313 — tentou atravessar a fronteira a pé ou a nado, e os restantes 6.800 usaram documentação oficial obtida de forma fraudulenta, declarando isenções falsas, como doenças que nunca tiveram, segundo as autoridades ucranianas.

Estão excluídos do recrutamento militar compulsório homens com problemas médicos, aqueles que necessitam de cuidados especiais e pais de três ou mais filhos.

Em agosto deste ano, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, chamou atenção para as "decisões corruptas" tomadas pelas comissões médicas militares do país, que, segundo ele, resultaram em um aumento de dez vezes no número de isenções concedidas desde fevereiro de 2022.

Ele anunciou que todos os funcionários regionais encarregados do recrutamento militar foram removidos de seus postos, e mais de 30 pessoas processadas criminalmente.

O representante parlamentar de Zelensky, Fedir Venislavskyi, admitiu à BBC que o problema é grave.

"O governo percebe que este fenômeno não é isolado; ele é generalizado. A corrupção é, infelizmente, muito resiliente", enfatizou ele, acrescentando que a Ucrânia está fazendo "todo o possível para manter o número de casos de corrupção ao mínimo".

Segundo Venislavskyi, o número de homens que partiu ou tentou sair do país não teve impacto no esforço de guerra.

"Estou convencido de que a resiliência e a prontidão dos ucranianos para defender nossa independência, soberania e liberdade é de 95-99%", disse Venislavskyi à BBC.

"Aqueles que tentam evitar a mobilização são cerca de 1-5%. Definitivamente, não são críticos para a defesa da Ucrânia."

Venislavskyi afirmou não haver, por ora, planos para aumentar substancialmente o número de pessoas elegíveis para mobilização.

Os mais de 40 mil homens que fugiram ou tentaram fugir podem representar uma proporção significativa daqueles que a Ucrânia necessita para recompor seu Exército.

Em agosto, as autoridades americanas estimaram que o número de militares ucranianos mortos fosse de até 70 mil — embora tal número não seja revelado pelo governo de Zelensky.

A Ucrânia também não divulga números oficiais sobre o tamanho do seu Exército.

Mas o novo ministro da Defesa, Rustem Umerov, disse no Fórum de Estratégia Europeia de Yalta, em setembro, que há mais de 800 mil servindo nas Forças Armadas ucranianas.

Algumas das fugas foram dramáticas.

Um vídeo mostra um homem nadando através do rio Dniester em direção à Moldávia, com os guardas de fronteira moldavos encorajando-o a atravessar para um local seguro.

Outro mostra as consequências fatais das travessias ilegais — corpos de homens sem vida espalhados pelas margens, que se afogaram ao tentar cruzar o rio Tisa, entre a Ucrânia e a Romênia.

Mas Yevgeny, um trabalhador da construção civil de Kiev com quem a BBC conversou em um centro de imigração da Moldávia, disse que atravessou a fronteira daquele país — a rota de saída mais popular, indicam os nossos números.

Uma vez na Moldávia, é relativamente simples para os fugitivos da guerra pedir asilo.

Yevgeny disse que se sentia "preso" na Ucrânia; segundo ele, homens mais jovens e aqueles com experiência militar foram convocados primeiro.

Entretanto, após o início da guerra, foi difícil para ele encontrar um emprego bem remunerado, "porque tudo está orientado para a guerra" e, por outro lado, "eletricidade, combustível — tudo ficou mais caro".

Ao chegar na Moldávia, Yevgeny foi detido pela polícia e optou por solicitar asilo — algo que deve ser feito no prazo de 24 horas após a entrada no país para evitar ser fichado pela polícia.

Foi no mesmo centro de asilo e imigração que a BBC conversou com Erik, um músico de 26 anos de Kharkiv, que disse ter atravessado para a Moldávia caminhando pelas planícies da região separatista da Transnístria (leste do país) e depois atravessando um rio a nado.

Embora seja possível conseguir isenções falsas, a experiência de Erik sugere que a documentação verdadeira pode ser mais difícil de obter.

Após uma complexa cirurgia abdominal para peritonite quando era mais jovem, Erik disse que precisa seguir uma dieta especial que o impede de servir no Exército.

Mas ele alegou que quando a guerra eclodiu foi impossível obter um certificado de isenção médica.

"Eles passam a responsabilidade de um departamento para outro: 'Vai aqui, vai ali.' Passei seis meses tentando conseguir um certificado [para provar] que estava inapto, apesar de ter todos os testes em mãos. Eventualmente, minha paciência acabou", contou.

Erik finalmente conseguiu chegar aos Estados Unidos, onde se reencontrou com sua esposa e sua filha de quatro anos.

Outro homem, que não quis ter o nome revelado, conseguiu obter uma isenção válida — mas disse que, apesar da documentação, não foi autorizado a cruzar a fronteira pelas autoridades ucranianas.

Ele afirmou que estava entusiasmado por ter sido aceito em um curso universitário estrangeiro e ter recebido permissão de estudante para deixar a Ucrânia, mas logo percebeu que isso não seria suficiente.

"Achei que não fui bem-sucedido porque peguei um posto de controle complicado. Fui para outro, e mais outro. Eles riram de mim e me mandaram para casa. Percebi que esse pedaço de papel — essa 'permissão' — é inútil para um oficial de fronteira, eles não se importam nem um pouco."

Em vez disso, deixou o país nadando através do rio Tisa até a Romênia.

Ele chegou ao lado ucraniano da fronteira com a ajuda de um amigo, mas outro homem com quem a BBC também conversou alegou ter utilizado os serviços de uma pessoa via Telegram que estava organizando uma travessia do Tisa.

O aplicativo de mensagens é uma plataforma popular para os traficantes de pessoas anunciarem seus serviços, constatou a BBC.

Um repórter disfarçado passou um mês se correspondendo com os criminosos, fazendo-se passar por um ucraniano que queria deixar o país.

Ele descobriu pelo menos seis grupos do Telegram — com membros variando de 100 a vários milhares de pessoas.

Segundo o jornalista, havia uma gama de serviços à venda, desde adicionar filhos falsos à sua família, até à opção mais cara — o certificado de isenção médica, conhecido como "bilhete branco", que lhe permitiria sair e regressar à Ucrânia sempre que quisesse.

Os traficantes afirmaram que levaria até uma semana para a documentação ser feita, e ela custaria cerca de US$ 4.300 (R$ 21 mil) — o preço incluía um suborno para o funcionário que autorizaria a travessia.

Venislavskyi, representante parlamentar de Zelensky, disse à BBC que a ameaça representada pela documentação falsa — e as dificuldades em alguns casos de obtenção de documentação verdadeira, segundo ele, "levada a sério" pelos guardas de fronteira — deveria ser erradicada dentro de um ou dois anos por meio de um novo sistema digitalizado.

Todos aqueles com quem a BBC conversou tiveram sucesso nas tentativas de deixar o país, mas aqueles apanhados pelas autoridades ucranianas enfrentam uma multa de US$ 92 a US$ 230 (R$ 450 a R$ 1.120) e uma pena de prisão até oito anos.

Não está claro se os que fogem e optam por regressar à Ucrânia no futuro também poderão enfrentar punições retroativas, mas Venislavskyi disse não acreditar que isso seria do interesse nacional.

Um dos homens entrevistados pela BBC e que não quis ser identificado argumentou que os ucranianos deveriam poder tomar as suas próprias decisões.

"Minha opinião é que cada pessoa escolhe o seu propósito de vida. Para alguns o sentido está na defesa dos seus territórios, para outros é proteger a si e às suas famílias", afirmou.

"Acredito que não importa o que aconteça, meu papel não é no campo de batalha", acrescentou.

Ele disse esperar que as autoridades ucranianas encorajem aqueles que partiram a regressar quando a guerra terminar, em vez de puni-los.

"Sem pessoas — além disso, sem pessoas inteligentes que ganham um bom dinheiro e pagam um bom dinheiro ao governo — é difícil para o Estado existir."

Sem um fim à vista para a guerra com a Rússia, não está claro quando isso acontecerá.

No entanto, à medida que o conflito se prolonga, a Ucrânia precisa de todos os soldados que puder conseguir.

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