Uma camisa em troca de um pacote de arroz, ou de uma dúzia de ovos: a poucos dias da eleição presidencial de domingo (19), muitos recorrem à permuta e à solidariedade popular para sobreviver em meio a uma Argentina abalada por uma grave crise econômica.
Nos subúrbios da Grande Buenos Aires, na esquina de uma rua do bairro Villa Fiorito, alguns moradores oferecem roupas, sapatos e outros objetos em cobertores espalhados pelo chão. No melhor dos casos, é possível trocar por um pacote de macarrão, açúcar, biscoitos, ou então, por alguns poucos pesos.
"A comida está muito cara", lamenta Luz López, atrás de seu estande montado em uma pequena praça deste bairro operário, no município de Lomas de Zamora, onde Diego Maradona cresceu.
Ao seu lado, María Fernanda Díaz conta que dorme debaixo de uma passarela que atravessa uma avenida. Em uma das colunas da estrutura, decorada com murais da lenda do futebol, está um cartaz de Sergio Massa, ministro da Economia peronista e que no dia 19 de novembro disputará o segundo turno presidencial contra o ultraliberal Javier Milei.
"Que os políticos venham aqui ver como vivemos!", diz a mulher de 28 anos, que vive de doações de outras pessoas.
Enquanto isso, Emilce Bravo vai ao local várias vezes por semana para oferecer itens que recolhe em troca de comida.
"Cada dia tem um preço novo, as fraldas estão muito caras. Antes, por exemplo, o pacote custava 2.600 pesos (R$ 36 na cotação atual), agora custa 4.500 (quase R$ 63)", diz ela, que trabalha em um restaurante popular e também administra um dos muitos grupos do Facebook da capital e de sua periferia dedicados à troca de mercadorias.
Centenas de mensagens são trocadas diariamente nesses grupos, do qual participam milhares de membros. Fechado o negócio, a troca acontece em uma esquina, ou em pequenas feiras de bairro.
"Queremos que o tema da troca seja mantido, para que esse companheirismo não se perca. No pior momento da economia argentina, isso nos ajudou muito", afirma Bravo.
No país do futebol, mas também da soja e da carne bovina, os preços continuam subindo, devido à inflação descontrolada (143% em um ano) e à queda no valor da moeda local. Quatro em cada dez argentinos vivem na pobreza.
Um método conhecido
Este modelo de permutas surgiu na Argentina na década de 1990 e se estabeleceu como uma troca comercial durante a profunda crise de 2001, quando o país sofreu o maior endividamento de sua história (US$ 100 bilhões, ou R$ 235 bilhões na cotação da época), seguido por um confisco de depósitos bancários e um grave caos social.
"A pobreza na Argentina é muito dramática, e uma parte gigantesca do que impede que esta situação seja verdadeiramente insustentável é a grande rede de organização popular que existe", explica à AFP Mariana Luzzi, socióloga do instituto nacional de pesquisa Conicet.
"A permuta volta nesse sentido muito precário: pessoas que vão oferecer muito poucas coisas, o pouco que têm, e que trocam por outras de que precisam muito", acrescenta a especialista.
Já a economista da consultoria Abeceb Elisabet Bacigalupo analisa que "o argentino tem uma capacidade de resiliência muito forte, porque já passou por crises muitas vezes", disse, estimando que a inflação interanual chegará a 190% no final de 2023.
Nesse contexto, o próximo presidente terá a difícil missão de reequilibrar a economia. Mas, para Bacigalupo, isso provavelmente implicará "meses de recessão e de aumento da pobreza", sobretudo, se Milei sair vitorioso, levando-se em consideração seu discurso de que cortará os gastos do Estado com uma motosserra.
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