Após três dias de cerco e tiroteios entre o exército israelense e integrantes do Hamas no perímetro hospitalar de Al Shifa, ontem, o centro médico foi invadido por soldados. Em contato por telefone com o Correio, o cirurgião plástico Ghassan Abu-Sittah informou que a invasão aconteceu na manhã deste domingo. O médico está operando em outro hospital, Al Ahli, o primeiro atingido no início da guerra.
"Eles desligaram a energia elétrica, a internet e invadiram o hospital Al Shifa. Perdemos o contato com nossos colegas, não sabemos mais quem está lá e quem não está. O hospital fechou completamente para atendimento. Estava cercado há três dias, mas agora os soldados estão lá dentro", contou Abu-Sittah.
Horas antes da invasão, a médica Sara Wael AlSaqqa também falou com exclusividade ao Correio, e reportou seguidos bombardeios de Israel contra o hospital, que atingiram UTI, ambulatório, clínica obstétrica e centros cirúrgicos do Al Shifa.
"A situação é desastrosa. Estamos sem comida, sem água, sem eletricidade, sem oxigênio. Os bombardeios são ininterruptos e qualquer pessoa que tente sair do hospital está sendo morta", disse a cirurgiã.
Na noite de sábado, o diretor geral do hospital, Muhammad Abu Salmiya, disse ao Correio que centenas de corpos estão empilhados nos corredores do hospital: "Não podemos mantê-los por causa da queda de energia. Também não podemos levá-los para fora, por causa do bombardeio, então vamos enterrar eles numa vala coletiva que cavamos no hospital."
O porta-voz do exército israelense, Daniel Hagari, havia prometido que durante o domingo o Estado enviaria ajuda para remover bebês em risco de vida para um hospital mais seguro.
Em entrevista à emissora americana CNN, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, disse que "estamos dizendo que saiam, e de fato estamos os ajudando, ao estabelecer corredores seguros para áreas menos afetadas pelas operações, no sul de Gaza." Segundo Netanyahu, cerca de 100 pacientes já foram removidos do Al Shifa.
A cirurgiã do hospital, Sara Wael AlSaqqa, afirma, porém, que isso não aconteceu: "nenhum paciente foi transferido, essa ajuda nunca chegou." O Correio perdeu contato com a médica após a entrevista.
O Crescente Vermelho Palestino informou que a falta de combustível deixou fora de serviço outro hospital na Cidade de Gaza, o de Al Quds: "O hospital teve que se valer por si só sob os bombardeios contínuos de Israel, o que representa grandes riscos para médicos, pacientes e civis deslocados."
Ontem, o vice-ministro de Saúde do governo do Hamas, Yusef Abu Rich, declarou que há crianças sem atendimento médico nas ruas do território palestino devido às evacuações forçadas de dois hospitais pediátricos.
O exército israelense negou que os hospitais estejam entre seus alvos e acusa o Hamas de utilizá-los como centros de comando ou esconderijos, o que o grupo nega.
Negociações
Neste domingo, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, disse em entrevista à outra emissora de TV americana, a NBC, que está avaliando um possível acordo para a libertação dos reféns detidos pelo Hamas na Faixa de Gaza.
"Existe a possibilidade de um acordo?", perguntou a jornalista da NBC a Netanyahu sobre a possibilidade de um pacto com o Hamas para a libertação de mulheres, crianças e idosos feitos reféns em 7 de outubro. "Pode ser", respondeu ele, "mas quanto menos eu me manifesto sobre o assunto, mais aumento as chances de isso se concretizar", declarou.
De acordo com Netanyahu, a situação avança, graças à pressão militar israelense na Faixa de Gaza, controlada pelo Hamas. "Não estávamos nem perto de um acordo até que começamos as operações terrestres", disse Netanyahu. "Pressionar os dirigentes do Hamas é o que pode produzir um acordo e, se houver um acordo, falaremos sobre ele quando houver. Vamos anunciá-lo, se for alcançado", acrescentou.
Para a Reuters, o Hamas afirmou, porém, que está suspendendo as negociações de reféns em função da ofensiva israelense contra o Hospital Al Shifa.
O exército israelense calcula que cerca de 240 pessoas foram feitas reféns e levadas para a Faixa de Gaza durante o ataque inicial do Hamas, em 7 de outubro. Entre os sequestrados há pelo menos 30 menores, inclusive bebês.
O porta-voz do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca, John Kirby, declarou à emissora MSNBC que houve "negociações e conversas ativas com nossos homólogos da região" sobre um possível acordo sobre os reféns.
Mas, assim como Netanyahu, não revelou os detalhes. "Quanto menos se falar publicamente sobre estas delicadas negociações e conversações, provavelmente melhor", afirmou Kirby.
Deslocados
A ajuda humanitária quase não chegou aos palestinos desde o início da guerra. A Faixa de Gaza compreende um território de 362km², onde vivem 2,4 milhões de pessoas. Israel afirma que manterá o bloqueio até que os reféns sejam libertados.
O Hamas anunciou ontem que o número de mortos do conflito chegou a 11.180 pessoas, entre elas 4.609 crianças e 3.100 mulheres. Os bombardeios também deixaram 28.200 feridos, detalharam as autoridades. Além disso, Israel mantém o território sob cerco total, o que impede o abastecimento de água, comida e combustível.
Cerca de 1,6 milhão de palestinos foram forçados a abandonar suas residências desde o início da guerra, segundo a ONU. Os novos deslocados que fogem dos combates no norte da Faixa já não encontram lugares onde se refugiar e alguns se veem obrigados a dormir nas ruas.
Ontem, uma dúzia de casas foi destruída em outro ataque em Bani Suheila, distrito ao sul do enclave, deixando pelo menos quatro mortos e 30 feridos.
- O caos vivido em Al-Shifa, o maior hospital de Gaza, paralisado em plena guerra entre o Hamas e Israel
- Netanyahu avalia possível acordo para libertar reféns
- UE pede pausa humanitária e condena 'uso de hospitais como escudo' pelo Hamas
União Européia
A União Europeia (UE) condenou, neste domingo, o movimento islamista palestino Hamas por usar "hospitais e civis como escudos humanos" na Faixa de Gaza e urgiu Israel a usar "máxima contenção" para proteger os civis na guerra em curso.
O alto representante de política externa da UE, Josep Borrell, disse em comunicado que a UE está "profundamente preocupada com o agravamento da crise humanitária em Gaza (...) Essas hostilidades estão afetando gravemente os hospitais e cobram um preço terrível entre a população civil e o pessoal médico", afirma o comunicado da UE.
"A UE ressaltou que o direito humanitário internacional estipula que os hospitais devem ser protegidos, bem como o material médico e os civis que se encontram em seu interior", continua a nota.
"Os hospitais também devem ser abastecidos imediatamente com os mantimentos médicos mais urgentes e os pacientes que requerem atendimento médico de emergência devem ser removidos de forma segura. Neste contexto, instamos Israel a exercer máxima contenção para garantir a proteção dos civis", insistiu Borrell no documento.
A declaração reiterou a postura de Bruxelas de que Israel tem "direito a se defender de acordo com o direito internacional e o direito internacional humanitário" e pediu uma "pausa imediata das hostilidades e o estabelecimento de corredores humanitários."
O chefe de governo alemão, Olaf Scholz, disse também ontem que se opõe a um cessar-fogo "imediato" na Faixa de Gaza, em meio a apelos nesse sentido, em todo o mundo, devido aos bombardeios do exército israelense.
"Admito, sem problemas, que não acredito que os apelos a um cessar-fogo imediato, ou a uma pausa prolongada, que equivaleriam quase à mesma coisa, sejam justos, porque, em última análise, significaria que Israel deixaria o Hamas com a possibilidade de se recuperar e adquirir novos mísseis", disse ele, durante um debate organizado pelo jornal regional alemão Heilbronner Stimme.
*Com informações da AFP
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