Trocar cerca de 5 mil prisioneiros palestinos por 242 reféns israelenses — entre mulheres, crianças e idosos.
Não é a primeira vez que um governo israelense enfrenta um dilema semelhante, embora nunca com tamanha magnitude.
O Hamas colocou a oferta sobre a mesa e o governo de Benjamin Netanyahu está sob pressão crescente — especialmente por parte das famílias dos sequestrados — para aceitá-la.
Mas, se no passado, sucessivos governos israelenses se dispuseram a libertar milhares de prisioneiros em troca de um único refém (ou mesmo em troca do cadáver de um soldado), hoje o desfecho não parece tão claro.
Netanyahu prometeu às famílias que Israel "esgotará todas as possibilidades para trazê-los de volta para casa".
Contudo, não se comprometeu, pelo menos publicamente, a aceitar qualquer oferta do Hamas.
Quantos reféns existem
O Hamas sequestrou mais de 200 pessoas em 7 de outubro, quando os seus combatentes invadiram Israel e mataram cerca de 1,4 mil pessoas, segundo as autoridades israelenses.
A grande maioria dos mortos eram civis, assim como os reféns.
O número de pessoas sequestradas vem crescendo com o passar das semanas e foi atualizado à medida que os serviços de inteligência israelenses coletavam informações e eram contados os estrangeiros que também foram capturados pelo Hamas.
Segundo o último balanço das Forças de Defesa de Israel, 242 pessoas são mantidas reféns pelo Hamas, sendo mais de 30 crianças. Cerca de 145 são estrangeiros ou têm dupla nacionalidade, 15 dos quais argentinos.
Até agora, o Hamas libertou quatro deles, todos mulheres, e o Exército israelense resgatou uma soldada raptada.
O sentimento entre muitos familiares é que a ação militar lançada por Israel contra Gaza — inicialmente a partir de pesados bombardeios aéreos e agora com uma ofensiva terrestre — torna mais difícil que seus entes queridos sejam resgatados com vida.
Esses ataques de retaliação já mataram mais de 9 mil pessoas, das quais mais de 3,5 mil crianças, segundo o Ministério de Saúde de Gaza, administrado pelo Hamas.
Além disso, segundo o grupo palestino, também mataram cerca de 50 reféns, embora não tenha fornecido provas disso.
Nos últimos dias, o Hamas compartilhou um vídeo no qual três das mulheres sequestradas clamam por sua libertação.
Netanyahu chamou a gravação de "propaganda cruel".
Quantos prisioneiros palestinos existem em Israel?
"Estamos prontos para realizar uma troca imediata de prisioneiros que inclua todos os prisioneiros palestinos nas prisões israelenses em troca dos prisioneiros mantidos reféns pela resistência palestina", disse o líder do Hamas na Faixa de Gaza, Yahia Sinwar, em um comunicado.
Mas quantos são estes prisioneiros e por quais crimes foram condenados?
Lideranças do Hamas estimaram em mais de 6 mil o número de prisioneiros que desejam trocar pelos reféns capturados em Israel.
A ONU estima esse número em cerca de 5 mil, incluindo 160 crianças, segundo o relatório que a advogada italiana Francesca Albanese, relatora especial sobre a situação dos direitos humanos no território palestino ocupado desde 1967, apresentou em junho deste ano.
Desses 5 mil, cerca de 1,1 mil estão detidos sem acusação ou sem terem sido julgados.
Segundo o Centro de Informação Israelense para os Direitos Humanos nos Territórios Ocupados, B'Tselem, no fim de junho deste ano, o Serviço Prisional Israelense mantinha encarcerados 4.499 palestinos por razões de “segurança” e outros 850 por se encontrarem ilegalmente em Israel.
Esse número praticamente duplicou desde o ataque do Hamas em 7 de outubro, segundo autoridades palestinas, que estimaram em mais de 10 mil o total de detidos.
Nas últimas semanas, segundo Qadura Fares, presidente da Comissão para as Questões dos Prisioneiros Palestinos, as forças de segurança israelenses prenderam cerca de 4 mil trabalhadores de Gaza que estavam em Israel quando a guerra começou, e aqueles que mantêm em bases militares, e detiveram mais de mil pessoas em ataques na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental.
Quem defende a troca
O Hamas fez a proposta e, neste momento, a principal pressão para aceitar o acordo vem de um grande número de famílias de reféns, que instaram o governo de Netanyahu a concordar em libertar os prisioneiros em troca dos seus entes queridos.
Os familiares procuram manter a questão dos reféns muito presente nas decisões do Exército, e chegaram a montar um acampamento de protesto em frente à sede do Ministério da Defesa, em Tel Aviv, de onde procuram pressionar o governo israelense.
Um grupo de pressão para a libertação dos reféns, o Fórum de Famílias de Reféns e Pessoas Desaparecidas, foi formado apenas 24 horas após o ataque.
"No que diz respeito às famílias, um acordo pelo qual nossos familiares sejam devolvidos imediatamente no quadro de um ‘todos por todos’ é viável e teria amplo apoio nacional", disse Melrav Gonen, um dos representantes das famílias à agência de notícias AP. Sua filha, Roni, foi raptada pelo Hamas.
Ele não é o único. Ifat Kalderon, que tem um primo mantido refém pelo Hamas, também apoiou a troca: "leve-os (palestinos detidos), não precisamos deles. Quero que a minha família e todos os reféns voltem para casa, são cidadãos, não soldados", disse ele à agência de notícias AFP.
Essa não é, porém, uma opinião unânime entre todas as famílias, que estão divididas sobre o que deve ser feito.
Mas esses parentes não estão sozinhos. A opção de troca também tem sido defendida pelo jornal progressista Haaretz, um dos principais e mais influentes jornais de Israel.
"A tarefa mais urgente de Israel é trazer de volta os israelenses detidos pelo Hamas e pela Jihad Islâmica na Faixa de Gaza. Isso significa apenas uma coisa: avançar imediatamente numa troca de prisioneiros, incluindo a vontade de libertar os palestinos presos em Israel", escreveu o jornal num editorial contundente em 11 de outubro.
O governo e o primeiro-ministro Netanyahu "não deveriam tentar salvar a maltratada honra nacional de Israel e a dos militares à custa de bebês, crianças, adolescentes, idosos e pais, ou à custa das suas famílias em Israel, que estão enlouquecendo com preocupação e dor", acrescentou o Haaretz.
Giora Eiland, general reformado e ex-presidente do Conselho de Segurança Nacional de Israel, também foi publicamente a favor da troca, escrevendo no jornal conservador Yedioth Ahronoth que "Israel faria bem em fazer duas concessões para garantir a libertação de todos os reféns: libertar todos os 5 mil prisioneiros palestinos presos em Israel e adiar temporariamente uma operação mais agressiva em Gaza."
Essa operação, porém, já começou e, segundo diversas fontes, teria paralisado as negociações para a libertação dos reféns.
Quem se opõe à troca
Um acordo para libertar os reféns estava perto de ser finalizado quando ocorreu a invasão terrestre de Gaza, disseram fontes do Catar ao editor de assuntos internacionais da BBC, Jeremy Bowen.
"A posição de Israel é que, apesar de haver reféns, ele não quer dar ao Hamas qualquer tipo de impunidade ou recompensa pelo que fez", explicou Bowen, que garantiu que os porta-vozes israelenses insistem que "a força é o único caminho para fazer com que o Hamas liberte os reféns."
Até agora, o governo israelense disse que irá "esgotar todas as possibilidades" para trazer os reféns para casa, e Netanyahu disse que encontrá-los é uma "parte essencial" da operação militar que está sendo realizada em Gaza.
"Quanto mais pressão militar, mais poder de fogo e mais atacarmos o Hamas, maiores serão as chances de empurrá-los para um lugar onde aceitem uma solução que permita o regresso dos nossos entes queridos", disse o ministro da Defesa, Yoav Gallant.
Para aqueles que se opõem à troca, a libertação de prisioneiros, incluindo militantes do Hamas e outros grupos que lutam contra Israel, representa um perigo para a segurança do país.
A prova, argumentam, tem relação com o próprio dia 7 de outubro: Yahia Sinwar, o atual líder do Hamas em Gaza, quem Israel acusa de organizar o ataque, foi um dos libertados em 2011 numa outra troca de prisioneiros pelo soldado israelense Gilad Shalit.
"O acordo Shalit expôs uma vulnerabilidade na política de segurança de Israel, que libertou 1.000 terroristas em troca de um soldado israelense. Esta experiência destacou o que foi percebido como uma falta de proporcionalidade neste tipo de intercâmbio", disse uma fonte do governo israelense ao jornal britânico The Times.
Aceitar uma troca, dizem os opositores da ideia, alimenta a premissa de que fazer reféns é uma estratégia eficaz para pressionar Israel.
Outras trocas do passado
O caso mais recente e significativo é o do soldado Gilad Shalit, 19 anos, que foi sequestrado em 2006 num ataque do Hamas. Shalit foi levado para Gaza, onde foi mantido escondido e praticamente incomunicável durante cinco anos.
Após anos de negociações mediadas pelo Egito, Shalit foi entregue a Israel em troca da libertação de 1.027 prisioneiros palestinos.
A campanha de sensibilização realizada pelos pais de Shalit, que não queriam que o seu filho fosse esquecido, teve grande peso na opinião pública israelense.
O caso de Shalit, porém, não é o único.
Em 1983, Israel trocou seis prisioneiros israelenses detidos pela Organização para a Libertação da Palestina (OLP) por 4.700 palestinos e libaneses capturados na Guerra do Líbano de 1982, embora apenas 100 deles fossem considerados "prisioneiros de segurança".
Dois anos depois, em 1985, no que ficou conhecido como Acordo de Jibril, o governo israelense libertou 1.150 prisioneiros, incluindo o xeque Ahmed Yasin, guia espiritual do Hamas e vários condenados por cometerem massacres em troca de três soldados israelenses que haviam sido presos na guerra do Líbano.
Em 2004, em troca de um prisioneiro civil e dos corpos de três soldados, Israel aceitou liberar 400 prisioneiros palestinos e outros 30 libaneses.
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