Israel está concentrando milhares de soldados perto da fronteira de Gaza e parece se preparar para um ataque terrestre. Se as tropas entrarem, soldados israelenses enfrentarão combatentes do Hamas numa área urbana densamente povoada.
O país diz que, desde domingo (22/10), suas forças têm atravessado a fronteira com a faixa de Gaza em "incursões limitadas".
Feras Kilani, jornalista do serviço árabe da BBC, cobriu várias guerras no Oriente Médio e, em muitas ocasiões, fez reportagens a partir de Gaza. Agora ele analisa o que uma incursão de grande escala pode significar.
Durante uma visita ao campo de refugiados de Al-Shati, no norte de Gaza, há cinco anos, eu notei um som de batidas enquanto dirigia. Era como se estivéssemos passando por uma ponte, em vez de terra firme.
O cinegrafista que estava comigo explicou que isso acontecia porque, bem abaixo do asfalto, o solo havia sido escavado, abrindo uma enorme rede de túneis. Construídos pelo Hamas, os túneis se estendem por centenas de quilômetros e permitem ao grupo militante se movimentar sem ser detectado debaixo das ruas estreitas e densamente povoadas de Gaza.
O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, prometeu “esmagar e destruir” o Hamas depois que o grupo atacou Israel em 7 de outubro, matando mais de 1.400 pessoas.
Forças israelenses têm lançado ataques aéreos contra Gaza, matando mais de 5 mil pessoas segundo fontes palestinas, e o próximo passo pode ser um ataque terrestre.
Se isso acontecer, os túneis serão parte vital da estratégia de combate do Hamas.
O Hamas teve tempo de antecipar um ataque terrestre e armazenar alimentos, água e armas.
Acredita-se que alguns de seus túneis se estendam até Israel. Eles potencialmente permitiriam que combatentes do grupo se movimentem sem impedimentos para criar emboscadas contra as tropas israelenses à medida que elas avancem pelo norte de Gaza.
Israel acredita que o Hamas tenha acesso a até 30 mil soldados treinados para usar fuzis automáticos, granadas de propulsão e mísseis antitanque.
O efetivo do próprio Hamas é reforçado por outros grupos, como a Jihad Islâmica Palestina e facções islâmicas menores.
A história recente mostra como combates em área urbana podem ser perigosos.
Eu mesmo vi o que pode acontecer quando uma força militar, mesmo bem treinada, tenta cercar e esmagar um inimigo determinado neste tipo de ambiente.
Guerra rua por rua
Em 2016, eu estava com as forças especiais iraquianas que se preparavam para atacar a cidade de Mossul.
Autoridades haviam decidido cercar os militantes islâmicos e garantir que eles não tivessem qualquer rota de fuga. Essa estratégia colocou a cidade no eixo de um confronto brutal e mortal.
No dia em que entramos no primeiro distrito de Mossul, a resistência dos militantes foi intensa. Eles vieram com toda força contra o nosso comboio, com um arsenal que incluia balas, granadas e mísseis lançados desde os ombros.
Havia armadilhas em tudo que se pudesse imaginar, incluindo geladeiras e televisões nas casas das pessoas.
Encostar ou pisar na coisa errada podia significar morte.
Estes mesmos perigos também poderão aguardar as tropas israelenses caso elas entrem na cidade de Gaza.
Durante as fases finais da batalha por Mossul, eu vi o foco de muitas tropas iraquianas mudar.
Os combates eram tão intensos e perigosos que eles só conseguiam pensar na sua própria sobrevivência — e isso significava não correr riscos para tentar proteger os civis.
Outro risco eram os atiradores de elite, escondidos entre prédios e escombros por toda a cidade. As forças iraquianas recorreram frequentemente ao uso do poder aéreo para bombardear áreas inteiras e detê-los.
As forças israelenses podem ter que enfrentar a escolha entre correr riscos para combater franco-atiradores bem treinados do Hamas, ou arrasar edifícios inteiros a partir de cima.
O comboio de tropas com o qual viajávamos em Mossul foi atingido por vários carros-bomba. Cinco dos soldados com quem estávamos morreram na enorme explosão que se seguiu.
O choque que abalou os sobreviventes — que viram seus companheiros dilacerados pela explosão — era evidente.
O Hamas não é conhecido por usar carros-bomba, mas já usou homens-bomba no passado. O efeito que esse tipo de ataque pode ter nas forças de segurança pode ser dramático.
Não está claro quanto tempo poderá durar um ataque terrestre a Gaza, mas durante a feroz resistência apresentada pelo grupo Estado Islâmico em Mossul, foram necessários nove meses para que as forças iraquianas finalmente recuperassem o controle da cidade.
Segurança
O resultado foi muito diferente na cidade síria de Raqqa, em 2017, onde um grande grupo de militantes radicais foi cercado dentro de uma área densamente povoada.
Naquela oportunidade, a coligação liderada pelos EUA e forças curdas decidiu dar aos combatentes a opção de se retirar.
Eu fiz reportagens sobre a luta curda contra o Estado Islâmico durante muitos anos e, certa vez, um dos seus líderes me levou a uma reunião secreta com um comandante norte-americano na Síria.
Ele concordou com um pedido dos líderes árabes locais para permitir que os combatentes do EI e suas famílias deixassem Raqqa.
Este acordo evitou que a cidade fosse totalmente destruída pelos combates e resultou em um número de vítimas entre militares e civis muito inferior ao de Mossul.
No dia seguinte à partida dos militantes, os civis que permaneceram na cidade saíram de suas casas aliviados por terem sobrevivido. Eles tinham medo de morrer num ataque de grande escala à cidade.
Mas a geografia de Gaza torna difícil prever como este tipo de acordo poderia ser uma opção para Israel e o Hamas.
Raqqa é uma cidade relativamente remota na Síria e os combatentes que foram autorizados a sair tiveram que se dirigir para campos no entorno.
A Faixa de Gaza é pequena em comparação com Raqqa e não há nenhum lugar semelhante para onde os combatentes do Hamas possam ir.
Exílio
Houve no passado acordos para enviar pessoas para ainda mais longe.
Em 1982, a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) concordou em deixar Beirute, no Líbano, onde esteve cercada pelas forças israelenses durante três meses, e se mudar para diferentes países.
Os líderes da OLP foram para a Tunísia e outros membros encontraram refúgio no norte de África e no Oriente Médio.
Embora tal acordo possa oferecer uma forma de minimizar os combates e as mortes de civis em Gaza, é difícil enxergar como isso poderia ser possível politicamente.
O governo de Israel prometeu destruir o Hamas após o ataque de 7 de outubro. Permitir que a liderança do Hamas fugisse para um país estrangeiro provocaria uma reação pública intensa.
Mas, a menos que seja encontrada outra opção, o norte de Gaza poderá se tornar um campo de batalha para combates sangrentos de rua em rua entre o Hamas e as forças israelenses. E dezenas de milhares de civis poderão se encontrar no meio do fogo cruzado.