A angústia pelos mais de 200 sequestrados em poder do Hamas após seu ataque a Israel está no centro das atenções — mas o grupo palestino mantém detidos pelo menos dois israelense há anos.
Muito pouco se ouviu falar sobre a etíope-israelense Avera Mengistu e o beduíno árabe-israelense Hisham al-Sayed, raptados em 2014 e 2015, respectivamente.
Familiares de dois soldados israelenses mortos também têm que lidar com a agonia de o Hamas manter os seus restos mortais em Gaza desde 2014.
Hadar Goldin e Oron Shaul foram mortos durante um confronto entre Israel e o Hamas naquele ano.
O Hamas — apoiado pelo Irã e considerado pelos Estados Unidos e pela União Europeia como um grupo terrorista — já exigiu anteriormente um preço elevado pela libertação de israelenses, que são normalmente usados como moeda de troca.
Aviram Shaul, irmão de Oron, diz à BBC que há quase 10 anos sua família não recebe notícias sobre onde está guardando o corpo dele, tampouco sinal de que ele será devolvido.
Em 2014, o Exército encontrou o capacete e o colete à prova de balas de Oron num túnel do Hamas em Gaza. Mas, desde então, conta Aviram à BBC, "tenho a sensação de que os israelenses se esqueceram deles [os dois soldados mortos]".
"Agora é uma boa oportunidade para trazer o meu irmão de volta, porque estamos falando de mais de 200 famílias com parentes mantidos reféns em Gaza. O governo não trabalhou o suficiente para trazer o meu irmão de volta, mas agora eles (autoridades) têm que fazer um grande esforço."
Aviram diz agora que "Israel precisa fazer um acordo humanitário para libertar os reféns".
Após negociações secretas em 2011, Israel recuperou o soldado sequestrado Gilad Shalit — mas em troca de 1.027 prisioneiros palestinos detidos nas suas prisões.
Israel está agora determinado a exterminar o Hamas e vem bombardeando Gaza com ataques aéreos.
Portanto, qualquer nova troca de prisioneiros seria "difícil e polêmica", dizem especialistas.
À medida que aumenta o número de mortos em Gaza, a fúria dos palestinos contra Israel se intensifica.
Hagai Hadas, ex-comandante militar israelense e oficial de inteligência do Mossad, desempenhou um papel fundamental na negociação da libertação de Shalit.
Ele disse à BBC que tais acordos de prisioneiros com o Hamas eram "uma questão política" e no atual conflito, com tanta raiva israelense dirigida ao grupo palestino, "isso não vai acontecer, é impossível".
Hadas enfatiza que a polêmica troca de Shalit era politicamente possível para o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu na época — ele se sentia suficientemente seguro — e o acordo havia sido finalizado dois anos antes da libertação do soldado israelense.
"Agora acredito que o preço não serão os prisioneiros do Hamas — ele será pago através de ferramentas diferentes", diz Hadas.
Ele argumenta que Israel tinha agora várias opções: resgates militares diretos se a inteligência sobre a localização dos reféns fosse precisa; uso de "ativos econômicos" — ou seja, pagamento em dinheiro; opções humanitárias; ou "deixar os líderes do Hamas escaparem de Gaza, digamos, para o Catar".
Sobre esta última opção, diz ele, "é preciso colocá-los sob pressão, dar-lhes a ideia de que para salvar suas vidas eles podem fazer tal acordo".
"Acredito que a maioria [dos reféns] está nas mãos do Hamas, mas vários não estão. Tenho quase certeza de que Israel está fazendo todos os esforços para localizá-los e tentar retirá-los por meios militares."
Hagas acrescenta que "mesmo em uma guerra em grande escala em Gaza, Israel pressionará por um acordo para libertar os reféns, tentará até o último segundo encontrar uma solução".
"Valorizamos a vida e estamos dispostos a pagar por ela."
'Ainda estamos em choque'
O Hamas alega que Avera Mengistu e Hisham al-Sayed são soldados, mas documentos oficiais israelenses vistos pela ONG Human Rights Watch mostram que ambos são civis isentos do serviço militar.
Tila Fenta liderou uma campanha para libertar Avera e sente-se desiludida pelo Estado israelense — embora diga que a atenção internacional sobre os reféns de Gaza poderá agora ajudar a sua causa.
"Quero acreditar que as chances de Avera melhoraram, mas digo isso com todo pesar", diz ela à BBC.
Ela enfatiza que "ainda estamos em choque — todos os israelenses estão" desde o ataque do Hamas que matou mais de 1.400 israelenses.
Fenta acrescenta que os ativistas se sentem "arrasados" pelo fracasso de Israel durante todos esses anos em viabilizar o retorno de Avera e Hisham.
"Eles não são soldados, ambos estão doentes — eles têm problemas mentais — e o Hamas os capturou de modo desumano", diz ela.
Para Fenta, a falta de progresso em relação a Avera e Hisham se deve à origem desfavorecida de ambos, bem como à discriminação na sociedade israelense em relação aos judeus etíopes e aos árabes beduínos.
"Acho que Avera é um homem de quem a sociedade não gosta tanto, por causa da sua cor, doença mental e por ter crescido numa zona pobre de Ashkelon."
"Acho que tudo isso fez com que ele não fosse desejado pela sociedade. Se ele fosse um pouco mais inteligente, ou de uma boa área, o tratamento seria diferente. Sei que não é hora de dizer algo ruim sobre o meu país, mas a verdade deve ser ser contada."
Na opinião de Fenta, as grandes organizações de direitos humanos também deveriam ter feito mais. "O mesmo vale para os beduínos", acrescenta.
Acredita-se que um terceiro jovem cidadão israelense, Jumaa Abu Ghanima, tenha atravessado para Gaza em 2016 e ainda esteja desaparecido.
Um árabe beduíno, como Hisham, pode estar nas mãos do Hamas, mas não há confirmação.
Antes de entrarem ilegalmente na Faixa de Gaza, tanto Avera como Hisham desapareceram repetidamente e receberam tratamento psiquiátrico, mostra a investigação da Human Rights Watch .
Em janeiro, o Hamas divulgou um pequeno vídeo sem data de um homem que murmurou em hebraico: "Eu sou o prisioneiro Avera Mengistu. Por quanto tempo mais permanecerei em cativeiro com meus amigos?"
A família de Mengistu confirmou sua identidade, disse a campanha Free Avera à BBC.
O primeiro-ministro Netanyahu disse à mãe de Avera, Agurnesh, que o governo tinha "confirmação" de que seu filho ainda estava vivo. Segundo ele, Israel "não interrompeu seus esforços para libertar Avera Mengistu e o restante de nossos reféns e pessoas desaparecidas".
Em junho de 2022, o Hamas divulgou um vídeo mostrando Hisham al-Sayed em cativeiro. O pai de Hisham, Shaaban al-Sayed, confirmou sua identidade.
O Hamas disse apenas que a saúde de Hisham piorou — não foram fornecidos mais detalhes.
Ele podia ser visto deitado ao lado de um ventilador no qual parecia estar presa sua carteira de identidade emitida por Israel.
Libertar qualquer um dos reféns do Hamas parece ser um assunto confuso e controverso.
"É um dilema em todos os lugares fazer acordos com terroristas", disse Hagai Hadas à BBC.
"Você tem escolhas que podem ser boas ou ruins."