Em uma reviravolta, o candidato peronista Sergio Massa, do União pela Pátria, abriu mais de seis pontos de vantagem e, com 36,37% dos votos, terminou o primeiro turno das eleições argentinas à frente do então considerado favorito, o antissistema Javier Milei, do Liberdade Avançada. Algumas pesquisas chegaram a sugerir que o representante da extrema direita seria confirmado, ainda ontem, o novo chefe da Casa Rosada. Porém, repetindo o desempenho das primárias, ele obteve 30,15% da preferência dos eleitores, com mais de 90% de apuração. O pleito será decidido em 19 de novembro.
Outra surpresa do primeiro turno foi a disputa mais acirrada de três candidatos, e não dois, como tradicionalmente são as eleições presidenciais argentinas. Patricia Bullrich, do Juntos pela Mudança, chegou em terceiro, com 23% da preferência do eleitorado. Agora, Massa e Milei vão disputar os votos da ex-ministra do governo de Mauricio Macri, que já adiantou que não apoiará o ministro da Economia do atual governo. Com 7% e 2,6%, respectivamente, Juan Schiaretti e Myriam Bregman ocuparam os últimos lugares, conforme o esperado.
Nos arredores da sede da campanha da União pela Pátria, ouviam-se trombetas e tambores na noite de ontem. Cerca de dois mil simpatizantes reunidos do lado de fora gritavam: "Massa presidente!". "Massa fez uma campanha muito boa, especialmente no final. Ele se conectou com as pessoas e o peronista percebeu que, do outro lado, está o inimigo do povo", disse à Agência France Presse o pedreiro Jonatan Pagano, 36 anos. Dora Castro, médica, 69, afirmou que "votar em democracia é sempre maravilhoso, e queremos continuar assim". Massa, a principal figura do governo de centro-esquerda argentino, optou por permanecer no cargo de ministro com a ideia de que "a campanha é a gestão".
Abstenção
A participação popular foi a mais baixa em quatro décadas de redemocratização: 74% dos argentinos aptos a votar — 35 milhões — foram às urnas, embora o voto seja obrigatório. Na avaliação de especialistas, o desinteresse está associado à descrença na política. Porém, com uma inflação de 140% em 12 meses e o nível de pobreza que já atinge 40% dos habitantes do país, o desempenho econômico não impediu que o ministro de Alberto Fernández desafiasse as pesquisas eleitorais. Parte do desempenho de Massa deve-se à ampla vantagem que abriu na província de Buenos Aires, onde teve mais de 42% dos votos.
Vestindo sua tradicional jaqueta de couro, Milei compareceu ao seu local de votação em Buenos Aires pouco depois das 12h, de onde saiu com enorme dificuldade, em meio a uma multidão fervorosa, que cantava "A casta tem medo", discurso que se tornou um símbolo de sua campanha. "Estamos preparados para fazer o melhor governo da história", disse o candidato, que completou 53 anos ontem.
Sergio Massa votou pouco antes, acompanhado da mulher, Malena Galmarini, na cidade de Tigre, reduto do atual ministro da Economia, no norte de Buenos Aires. "Hoje (ontem) é um dia que nos obriga a trabalhar pensando na consolidação de 40 anos de democracia", afirmou após votar.
Com presença na política apenas desde 2021, quando foi eleito deputado, Milei surpreendeu como o mais votado nas primárias de agosto. O candidato da extrema-direita atraiu em especial o voto de homens jovens de classes média e baixa, segundo pesquisas de opinião, ainda que sua figura tenha influência em todos os setores da sociedade. Esteban Montenegro, um vendedor de 24 anos, é um dos eleitores de Milei. "Não é que eu tenha total confiança nele, nem que eu pense que ele será bom em tudo, mas é o único que apresenta propostas."
Milei pretende dolarizar a economia, acabar com o Banco Central, reduzir drasticamente os gastos públicos, eliminar o Ministério da Mulher e revogar a lei de aborto, entre outras propostas. Juan Negri, cientista político da Universidade Torcuato di Tella, destacou que nem todos os eleitores de Milei são de extrema direita. "Nem são todos favoráveis a dolarizar a economia ou a eliminar os subsídios. A adesão é mais uma declaração de princípios, com a qual afirmam que estão fartos da classe política", acredita. Para ele, a sociedade argentina "vive um momento de muita frustração e atravessa um período de antipolítica".
Vivendo na terceira maior economia da América Latina, historicamente os argentinos têm orgulho de sua ampla classe média. Porém, a economia não cresce há mais de uma década. Em 2018, o país assinou um compromisso com o Fundo Monetário Internacional para um programa de crédito de US$ 44 bilhões (R$ 160,8 bilhões, na cotação da época), que exige redução significativa do déficit fiscal.
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