Kfar Aza, Be'eri, Nahal Oz, Magen eram nomes pouco conhecidos antes do ataque surpresa do grupo militante palestino Hamas contra Israel.
São todos kibutzim, plural de kibutz em hebraico, comunas agrícolas israelenses que se provaram uma experiência socialista e democrática radical significativamente bem-sucedida.
A história dos kibutzim começou quatro décadas antes da fundação de Israel, período durante o qual cumpriram muitas das funções de um Estado.
Eles desempenharam um papel fundamental não só no desenvolvimento agrícola e intelectual do país, mas também na sua defesa e liderança política.
Também se tornaram o berço da elite do bloco social-democrata progressista que durante décadas dominou a política, a sociedade e a cultura do país, sendo um viveiro de líderes políticos e militares, bem como de intelectuais e artistas.
Além disso, foram criados por idealistas como comunidades rurais coletivas que combinavam o sonho de estabelecer um lar para os judeus com a visão de construir um mundo melhor.
Por fim, lançaram as bases da comunidade secular em Israel por representarem uma nova forma de ser judeu, mais apegada à terra do que à religião.
Os membros dos kibutzim, os kibutzniks, incorporaram o ideal do sionismo, o movimento político surgido no fim do século 19 que defendia a ideia de formação de Estado Nacional que abrigasse os judeus na Palestina: cidadãos fortes, agricultores qualificados e soldados corajosos, livres do medo e da agitação da diáspora.
Embora os kibutzniks nunca tenham representado mais do que uma pequena percentagem da população israelense, foram indispensáveis na formação do tecido social do país.
Sua influência foi enorme e seu legado fundamental.
A utopia
Os kibutzim nasceram baseados em um princípio: cada um de acordo com suas capacidades, cada um de acordo com suas necessidades.
O primeiro kibutz foi fundado em 1909, em terras adquiridas pelo Fundo Nacional Judaico ao sul do Lago Kineret, então sob o controle do Império Otomano.
A Degania foi fundada por um grupo de 12 jovens imigrantes judeus da Europa de Leste que sonhavam em trabalhar a terra e forjar um estilo de vida alternativo que trouxesse igualdade real e conferisse à vida quotidiana um significado especial.
Este kibutz era diferente dos assentamentos agrícolas judaicos anteriores por usar o voto majoritário para tomar todas as decisões. Na sequência, outros kibutzim foram criados seguindo seu exemplo.
Neles todos os membros eram iguais, todos faziam tudo e tudo pertencia a todos, até presentes pessoais, que eram dados para usufruto da comunidade.
O trabalho era um valor em si, e o conceito de dignidade do trabalho elevava qualquer trabalho.
As tarefas eram rotativas: quem era administrador de todo o kibutz num dia, lavava a louça no refeitório comunitário no dia seguinte.
Segundo o ideal de igualdade econômica completa, os membros do kibutz comiam em uma cozinha comunitária, usavam as mesmas roupas e partilhavam a responsabilidade pela criação dos filhos, programas culturais e outros serviços sociais.
O centro da atividade era a agricultura.
Embora o ambiente fosse hostil, as terras muitas vezes desoladas e a água escassa, os kibutz tornou-se um empreendimento poderoso e tecnologicamente avançado no campo da agricultura.
Além disso, a partir das décadas de 1920 e 1930, alguns kibutzim passaram a se industrializar, fabricando uma ampla gama de produtos, desde roupas até sistemas de irrigação, mas especialmente alimentos processados, plásticos e metais.
Desde então, os kibutzim respondem por 33% da produção agrícola e 6,3% da produção industrial de Israel. Ambos os percentuais excedem em muito a sua participação na população, que é de 2,5%.
E politicamente?
Os kibutzim lançaram as bases ideológicas e estruturais de Israel, bem como do movimento trabalhista.
É por isso que o kibutz é considerado um dos principais pilares do Estado de Israel.
Crise existencial
Mas o mundo mudou e os moradores dos kibutzim não tiveram outra escolha senão aceitar a nova realidade.
Isso significou comprometer em muitos aspectos sua ideologia.
Apesar de essas comunidades nunca estarem isoladas do restante da sociedade israelense, as novas gerações não partilhavam das aspirações socialistas; não aceitavam abdicar dos interesses individuais em prol dos comunitários.
Havia também quem considerasse o kibutz um bastião do secularismo contra a tradição, que se opunha à família tradicional e uma ideologia contra a propriedade privada.
Além disso, alguns imigrantes de certas regiões consideraram degradante a ideia de fazer trabalho manual.
Como pano de fundo, o governo trabalhista caiu em 1977, e Israel viveu hiperinflação e crises econômicas nas duas décadas seguintes.
Resultado: para muitos kibutzniks, não havia outra escolha senão mudar ou desaparecer completamente.
O que aconteceu então foi uma revolução social.
No início do século 21, 179 dos 270 kibutzim de Israel foram privatizados.
Embora seus princípios tenham sido esvaziados, eles não descartaram completamente a sua ideologia original.
Em vez disso, diferenciaram entre economia e gestão, de um lado, e comunidade, de outro.
A nova geração de líderes do movimento continuou interessada na responsabilidade social, mas não tanto no princípio da igualdade.
O pagamento diferenciado foi introduzido, a empresa comercial começou a operar de acordo com parâmetros orientados pelo mercado, a gestão tornou-se profissionalizada e as estruturas comunitárias e empresariais foram separadas.
Mas, em vez de eliminarem totalmente a propriedade pessoal, os membros dos kibutzim privatizados pagam ao kibutz uma taxa progressiva do seu rendimento, de modo que a desigualdade social é menor do que no restantes da sociedade israelense.
A renda comunitária é usada para cuidar dos idosos, dos doentes e daqueles que não conseguem ganhar salários elevados, e também fornecem cuidados médicos, educação e cultura aos seus membros.
Essas mudanças deram sobrevida financeira aos kibutzim, tirando a maioria deles de um estado de crise e atraindo novos membros.
Enquanto isso, jovens israelenses inspirados pela ideia de comunidade do passado criaram novos modelos, como os kibutzim urbanos chamados irbutzim ('ir' significa cidade), nos quais os membros vivem em comunidade em uma área em desenvolvimento e trabalham para fortalecer a população.
E ainda há alguns que permanecem decididamente socialistas.
Um kibutz que manteve a abordagem coletivista tradicional que remonta ao início do século 20 é Be'eri, onde o Hamas, no dia 7 de outubro, matou mais de 120 dos seus 1.100 moradores e sequestrou vários outros.
Como uma reportagem da BBC News Brasil mostrou, um dos moradores assassinados é Celeste Fishbein-Zaarur, de 18 anos, filha e neta de brasileiros.
O filósofo Martin Buber afirmou que o kibutz foi a tentativa mais impressionante de vida comunitária: "uma experiência que não falhou."
Mas, com todas as dificuldades do final do século passado e as mudanças do início deste século, essa premissa é agora posta em dúvida.