O abraço do presidente dos EUA, Joe Biden, no primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, ainda na pista do Aeroporto Internacional Ben-Gurion, foi um sinal de que a aliança entre os países segue inabalável. A visita de sete horas e meia a Tel Aviv, nesta quarta-feira (18/10), ocorreu no dia seguinte a um bombardeio ao Hospital Batista Al-Ahli Arab, na Cidade de Gaza, em que 471 pessoas morreram, segundo o Ministério da Saúde palestino. Biden isentou os israelenses de responsabilidade pelo massacre, garantiu que "não estão sozinhos", prometeu ficar ao lado deles na defesa da liberdade e da justiça, e fez uma advertência ao premiê: "Enquanto vocês sentirem essa raiva, não se deixem consumir por ela".
"Depois do 11 de Setembro, ficamos furiosos nos Estados Unidos. E embora buscássemos justiça, e a obtivemos, também cometemos erros", reconheceu. O norte-americano pediu a Netanyahu a aceitação da entrega de ajuda humanitária à Faixa de Gaza. No fim da noite (hora local), o Egito autorizou a entrada de 20 caminhões com suprimentos no enclave por meio da passagem de Rafah, que permanecia fechada, e anunciou a implementação de um "corredor sustentável" de ajuda.
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"O presidente egípcio, Abdel Fatah al Sissi, e o presidente americano, Joe Biden, fecharam um acordo para fornecer ajuda à Faixa de Gaza por meio do terminal de Rafah de forma sustentável", disse, por meio de nota, o porta-voz da Presidência egípcia, Ahmed Fahmy, sem informar datas.
Mais cedo, o gabinete de Netanyahu tinha alertado que não autorizaria assistência humanitária a Gaza, a partir de seu território, enquanto os 199 reféns do grupo terrorista palestino não forem libertados.
"À luz do pedido do presidente Biden, Israel não impedirá assistência humanitária do Egito, desde que seja apenas comida, água e medicamentos para a população civil localizada no sul da Faixa de Gaza ou que esteja se deslocando para lá, e desde que esses suprimentos não alcancem o Hamas", afirmou, por meio de um comunicado à imprensa.
Ao comentar o bombardeio ao hospital de Gaza, Biden assegurou: "Com base na informação de que dispomos, parece ser o resultado de um foguete errante disparado por um grupo terrorista em Gaza". Sobre o atentado de 7 de outubro, quando extremistas do Hamas assassinaram 1,4 mil pessoas e feriram 4,5 mil no sul de Israel, o norte-americano disse que o feriado judaico tornou-se "o dia mais mortífero para o povo judeu desde o Holocausto". Ele frisou, no entanto, que "a vasta maioria dos palestinos não são o Hamas". "O Hamas não representa o povo palestino", alertou. Em 12 dias de ataques aéreos a Gaza, 3.478 palestinos morreram, 12.500 ficaram feridos e meio milhão estão desabrigados. Na madrugada desta quinta-feira (19/10, pelo horário local), o Exército israelense voltou a atacar posições da milícia xiita Hezbollah, no sul do Líbano.
Irmã de Tamar Gutman, uma israelense de 27 anos desaparecida desde 7 de outubro após o Hamas atacar o festival de música eletrônica no kibbutz de Re'im, Adva Gutman Tirosh disse ao Correio não acreditar que a entrada de suprimentos em Gaza ajudará a resgatar os 250 reféns em poder do Hamas e de outros grupos terroristas. "Israel quer fazer isso porque se importa com os civis palestinos, mas acho que, se esse carregamento for entregue, o Hamas precisa dar acesso à Cruz Vermelha, a fim de que ela encontre os sequestrados, monitore a condição de saúde deles e lhes forneça medicamentos. Temos que solicitar isso", comentou. "A ajuda humanitária seria incrível para a população, mas não estou certa se o Hamas deixará o povo receber as doações, se eles não tomarão o carregamento para seus terroristas. Precisamos pedir o acesso da Cruz Vermelha", acrescentou Adva, 38.
Por telefone, Bill Van Esveld — vice-diretor da Human Rights Watch (HRW) para os Direitos das Crianças — afirmou à reportagem que o bloqueio total imposto por Israel à Faixa de Gaza, em 12 de outubro, deixou a população infantil de Gaza vulnerável. "As crianças carecem de assistência médica e sofrem com a falta de água e de eletricidade. Gaza estava em péssima condição antes mesmo da guerra, pois um embargo vigora na região desde 2007. Agora, o bloqueio é absoluto. Os hospitais estão com suprimentos no fim, e médicos têm que escolher quais crianças devem sobreviver", lamentou. "Algumas crianças também não recebem analgésicos, ainda que sofram de fraturas extremamente dolorosas, causadas pelos bombardeios."
Professor de relações internacionais da Universidade de Nova York e especialista em Oriente Médio, Alon Ben-Meir admitiu que o arranjo para a entrega de ajuda humanitária, sem que o Hamas seja beneficiado, será "extremamente difícil", mas pode ser feito "em grande parte". Segundo ele, o governo de Netanyahu está determinado a "eliminar" ou "decapitar" a liderança do Hamas. "É uma tarefa muito difícil, em particular porque muitos de seus líderes não estão em Gaza, mas na Turquia e no Catar; outros simplesmente se esconderão em um complexo de túneis, o que tornará impossível às Forças de Defesa de Israel (IDF) encontrá-los. Além disso, Israel poderá assassinar muitos dos líderes do Hamas, mas não eliminar a ideologia do grupo", comentou, por e-mail. No entanto, Ben-Meir acredita que a facção possa sofrer danos irreparáveis, o que demandará anos para que ela se reconstitua. "Tudo dependerá do resultado de uma invasão à Faixa de Gaza, caso ocorra, e do que Israel fará depois disso para abordar o conflito israelo-palestino."
PONTOS DE VISTA
Por Richard Falk
"Condição fantasiosa"
"Parece-me uma condição bastante fantasiosa impor que a ajuda não chegue ao Hamas, a menos que o suprimento seja naveriguado — em busca de armas e munições — na fronteira do Egito e tenha a distribuição monitorada em Gaza. Seria difícil identificar destinatários que façam parte do quadro de pessoal do Hamas. É uma condição irrealista e impraticável. Trata-se de uma propaganda de Israel para mostrar que se engaja em guerra total apenas contra o Hamas, não contra a população de Gaza."
Professor de relações internacionais da Universidade de Princeton e ex-relator especial da ONU para a Palestina Ocupada (2008-2014)
Por Bishara Bahbah
"Exigência absurda"
"Israel não pode nem deveria impor uma única condição à permissão de ajuda a milhões de palestinos que necessitam desesperadamente de assistência. Israel dá a si mesmo uma margem de manobra para deixar de permitir a entrega de ajuda, caso determine que o material esteja chegando ao Hamas. É uma exigência absurda. Os israelenses têm impedido a ajuda."
Vice-presidente do Conselho Estados Unidos-Palestina e ex-conselheiro do líder palestino Yasser Arafat
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