“Que eu saiba, não houve uma ordem israelense para Gaza assim nos tempos modernos”, diz o veterano editor internacional da BBC, Jeremy Bowen, falando a partir de Jerusalém.
Bowen se refere à ordem de Israel para que 1,1 milhão de pessoas saiam do norte da Faixa de Gaza e se desloquem para o sul nas próximas 24 horas.
“Será muito difícil”, diz Bowen.
Israel está concentrando centenas de milhares de soldados, tanques e armas na fronteira com o densamente povoado enclave palestino — o que parece ser uma preparação para uma invasão por terra da Faixa de Gaza, em retaliação aos ataques mortais do grupo Hamas no sábado passado (07/10).
Naquele fim de semana, militantes do Hamas infiltraram-se inesperadamente no território israense, matando pelo menos 1.300 pessoas e sequestrando cerca de 150 soldados e civis (incluindo idosos e crianças) que são mantidos como reféns em Gaza.
O objetivo do governo de emergência de Israel, liderado pelo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e pelo seu até pouco tempo opositor Benny Gantz, é atacar os militantes do Hamas no norte de Gaza e o complexo de túneis que eles supostamente utilizam para as suas operações.
De acordo com Gantz, o governo israelense está determinado a “varrer da face da Terra esta coisa chamada Hamas”.
A Força Aérea Israelense afirmou esta sexta-feira (13) que, nas últimas 24 horas, o exército israelense realizou “ataques locais” na Faixa de Gaza para “limpar a área de terroristas e armas” e buscar reféns.
'Consequências devastadoras'
O deslocamento, nesse curto prazo, de mais de um milhão de pessoas — incluindo idosos, grávidas, crianças, feridos e pessoas com deficiência — num território onde grande parte da infraestrutura está destruída, é considerado inviável por diversas organizações internacionais.
A Organização das Nações Unidas (ONU) alertou que a ordem teria “consequências humanitárias devastadoras”.
O secretário-geral da ONU, António Guterres, disse que “a situação em Gaza atingiu um novo nível muito perigoso”.
"Todo o território enfrenta uma crise hídrica. Não há eletricidade. A equipe da ONU e os nossos parceiros estão trabalhando incansavelmente para apoiar a população de Gaza", disse Guterres.
Ele também abordou a situação dos civis no meio do conflito.
“Todos os reféns devem ser libertados e o direito internacional e o direito humanitário devem ser respeitados. Os civis devem ser protegidos e nunca usados ??como escudos”.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) disse que seria inviável evacuar dos hospitais pacientes vulneráveis ??que dependem de suporte vital, como ventilação mecânica.
“Transferir essas pessoas é uma sentença de morte. Pedir aos profissionais de saúde que o façam é mais do que crueldade”, disse o porta-voz da OMS, Tarik Jasarevic.
Um porta-voz das Forças de Defesa de Israel (FDI) reconheceu numa entrevista à BBC que a evacuação “demanda tempo”.
“Esta é uma zona de guerra, tentamos dar-lhes tempo e estamos fazendo muito esforço”, disse Daniel Hagari, porta-voz das FDI. “Nós entendemos o problema. É uma triste realidade? Essa é a responsabilidade do Hamas.”
Para onde podem ir?
A ordem de Israel para todos os palestinos que vivem no norte da Faixa de Gaza é que se mudem para sul para a sua própria “segurança e proteção”. A parte norte cobre mais ou menos um terço do território.
A ordem de evacuação inclui toda a Cidade de Gaza e dois grandes campos de refugiados: Jabalya e Al-Shati, também conhecido como acampamento de Playa. As cidades de Beit Hanoun e Beit Lahia, adjacentes à principal travessia de Erez, no norte da faixa, também estão incluídas.
Esses locais compoem a parte mais populosa de Gaza, com 1,1 milhão de moradores obrigados a deslocar-se para sul — em direção a Wadi Gaza, que é um vale fluvial.
Um dos principais objetivos das forças israenses é a destruição dos túneis subterrâneos que teriam sido construídos pelo Hamas, o que envolveria a demolição de áreas residenciais na superfície.
A correspondente da BBC Lyce Doucet, que está no sul de Israel, afirma que não é possível deslocar toda a população do norte em um dia.
“Estradas estão destruídas, bombas caem e idosos e doentes precisam de assistência”, relata.
O que se viu até agora?
A única rota de saída é a rodovia norte-sul. As ruas da Cidade de Gaza estão repletas de escombros. Há escassez de combustível e não há sinal de uma pausa nos bombardeamentos israelenses que permita uma evacuação segura.
O que se viu até agora são grupos de pessoas arrumando seus pertences e saindo de casa. Muitos dos que procuram refúgio são menores — quase metade da população de Gaza tem menos de 18 anos.
Da estrada Salah Ad Deen, que leva a Wadi Gaza, o correspondente da BBC Rushdi Abualuf relata ter visto muitas famílias caminhando a pé por vários quilômetros. Alguns viajam “com vacas, camelos, ovelhas e burros”.
Ele também descreve ter visto centenas de carros, motos e caminhões carregados de pertences e com colchões amarrados em cima.
Deslocamento temporário ou permanente?
A operação terrestre que Israel parece estar preparando deixaria um dos locais mais densamente povoados do mundo completamente inabitável, diz Doucet. Na verdade, ele “já é”, acrescenta a correspondente.
Os líderes ??do Hamas descreveram a ordem de evacuação como “propaganda falsa” e instaram os seus cidadãos a ignorá-la.
Os residentes de Gaza são um povo com uma longa história de perda de casas e sabem que qualquer deslocamento temporário pode ser permanente.
Durante o conflito que terminou com a criação de Israel em 1948, mais de 750 mil palestinos fugiram ou foram expulsos das suas terras à medida que as tropas israelenses avançavam.
A então recém-criada nação de Israel negou então aos palestinos a possibilidade de regressarem às suas casas e confiscou as propriedades que eles tinham deixado para trás.
Isto é o que os palestinos chamam de Nakba, ou catástrofe, e é o que deve ressoar nas mentes daqueles que são agora forçados a abandonar o norte de Gaza.