Tropas de Israel continuam cercando o entorno da Faixa de Gaza mantendo a população local sob total controle. Ninguém sai ou entra do território que teve o fornecimento de água e luz interrompido.
O ministro israelense da Energia, Israel Katz, disse que o fornecimento só será restabelecido quando o grupo radical Hamas liberar os reféns que foram levados para Gaza durante o ataque de sábado que provocou a morte de cerca de 1,2 mil israelenses.
"Nenhuma tomada será ligada, nenhuma torneira terá água, nenhum caminhão tanque vai entrar em Gaza," disse Katz.
Estima-se que pelo menos 150 pessoas tenham sido levadas pelo Hamas e mantidas como reféns pelo grupo.
Números não oficiais dão conta de mais de 1,2 mil mortes também na Faixa de Gaza desde que a área começou a ser intensamente bombardeada pelas forças israelenses em retaliação aos ataques do Hamas. Mais de 300 mil pessoas foram forçadas a deixar suas casas.
Na quarta-feira (11/10), a única usina de geração de energia existente em Gaza interrompeu definitivamente o funcionamento por falta de combustível. Desde então, todo o território depende de geradores individuais, incluindo o funcionamento de hospitais.
Autoridades militares israelenses dizem que um dos objetivos dos bombardeios é a destruição da enorme rede de túneis mantida pelo Hamas por onde o grupo consegue escoar produtos e armamentos de modo clandestino.
Há especulação de que o Hamas tem mantido alguns reféns no interior destes túneis para prevenir ataques de Israel.
Logo depois da primeira reunião de um governo de emergência criado para lidar com o conflito com o grupo extremista palestino Hamas, o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu afirmou na noite de quarta-feira (11/10) que "todo combatente do Hamas é um homem morto", prometendo uma retaliação fatal aos ataques do no sábado (07).
Netanyahu e o líder da oposição Benny Gantz concordaram em formar um governo de emergência para lidar com o conflito — deixando de lado a sua rivalidade política.
Com essa medida, nenhum projeto de lei ou decisão governamental que não diga respeito ao assunto será discutido enquanto durarem os confrontos.
Gantz afirmou que é "momento para uma guerra" e que o governo de emergência está pronto para "tirar essa coisa chamada Hamas da face da Terra".
Enquanto isso, a população da Faixa de Gaza também continua sendo fatalmente afetada pela retaliação: na noite de quarta-feira, um novo bombardeio realizado por Israel deixou pelo menos 51 mortos, segundo o Ministério da Saúde local.
Militares israelenses afirmaram que centenas de milhares de soldados estão perto de Gaza "prontos para executar a missão que nos foi dada".
Isso deixa claro que Israel deve invadir em breve a Faixa de Gaza por terra, diz Paul Adams, correspondente diplomático da BBC.
Além do grande número de tropas reunidas no sul de Israel, há também muitos tanques e outros veículos blindados.
"Menos claro é quando a ordem será dada ou quais são os objetivos finais do governo israelense", afirma Adams.
"Com as autoridades israelenses falando em criar uma nova realidade no Oriente Médio – essencialmente uma Faixa de Gaza sem o Hamas –, há todos os indícios de que esta operação irá exceder todas as anteriores em escala e alcance."
A avaliação de observadores é que os ataques aéreos já são diferentes de tudo o que já viram antes.
Em cinco dias de ataques, Israel já matou quase metade dos palestinos que morreram durante as seis semanas da guerra em Gaza em 2014.
"É provável que Israel continue a atacar Gaza pelo ar durante vários dias, enfraquecendo tanto o Hamas que, quando a incursão terrestre ocorrer, a capacidade do grupo para continuar lutando terá sido severamente reduzida", avalia Adams.
Também na manhã desta quarta-feira, houve mais violência na fronteira de Israel com o Líbano. A milícia libanesa Hezbollah afirmou ter disparado dois mísseis contra um posto do Exército israelense em resposta à perda de três de seus combatentes em conflitos com Israel nesta semana. Israel bombardeia uma área no sul do Líbano em resposta.
Na terça-feira (10/10), o conflito contou com um novo componente bélico: militares israelenses anunciaram que foguetes também foram lançados a partir do território da Síria.
As Forças de Defesa israelenses afirmaram que repeliram "com artilharia contra a origem de lançamentos na Síria".
Entre os mortos em Israel, estão dois brasileiros, o gaúcho Ranani Nidejelski Glazer, de 23 anos, e a carioca Bruna Valeanu, de 24. Eles foram vítimas de um massacre em evento que era a versão israelense do festival de música brasileiro Universo Paralello.
Apelos por assistência em Gaza
O secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, fez um apelo para que suprimentos essenciais possam chegar aos civis na Faixa de Gaza em meio aos bombardeios de Israel.
"Suprimentos cruciais para salvar vidas, incluindo combustível, alimentos e água, devem ser autorizados a entrar em Gaza. Precisamos de acesso humanitário rápido e desimpedido agora", disse Guterres.
Os Estados Unidos estão trabalhando com Israel e Egito para estabelecer uma rota de passagem segura para civis para fora de Gaza, disse a Casa Branca.
O governo egípcio também mantém discussões com os envolvidos no conflito para que haja uma trégua para fornecer ajuda humanitária na Faixa de Gaza.
"Quero agradecer o Egito pelo seu empenho em facilitar o acesso humanitário através da passagem de Rafah e em disponibilizar o aeroporto de El Arish para assistência crítica”, disse Guterres.
A Faixa de Gaza abriga cerca de 2,3 milhões de pessoas e tem uma das maiores densidades populacionais do mundo.
Israel cortou o fornecimento de electricidade, combustível, alimentos, bens e água ao território.
Em Gaza, bairros inteiros foram destruídos devido a ataques aéreos de Israel. A população em Gaza procura abrigo em escolas e hospitais.
Mais de 338 mil pessoas foram obrigadas a deixar suas casas em Gaza enquanto os militares israelenses continuam a bombardear o enclave palestino, disse a ONU.
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Isso representa o "maior número de pessoas deslocadas desde a escalada de hostilidades de 50 dias em 2014", disse a ONU. A expectativa é que o número aumente ainda mais.
Atender às necessidades básicas tornou-se "cada vez mais desafiador", acrescentou a organização.
O médico Justin Dalby, que trabalha em Gaza há seis meses com a ONG Médicos Sem Fronteiras, disse à BBC que há "violência constante" e que "a destruição continua em todos os lugares... dia ou noite".
Os hospitais estão sobrecarregados, afirmou.
"Um número significativamente maior de pacientes está chegando... o número de feridos é absolutamente imenso. Há um grande número de pacientes — crianças, mulheres, homens — em todos os lugares."
As equipes médicas trabalham sob o som de bombardeios "que muitas vezes são extremamente próximos", afirmou ele.
Dalby diz que suprimentos essenciais são um "grande problema", porque os hospitais já tinham "uma falta crônica de recursos" e que o acesso a estes recursos é urgentemente necessário.
Mas Dalby disse que o que faz mais falta neste momento é combustível. A única central elétrica de Gaza parou de operar porque acabou o combustível.
Muitos dos hospitais de Gaza dependem de combustível para alimentar seus geradores e muitos têm reservas para "apenas mais alguns dias", disse Dalby.
"Se você corta o fornecimento de energia elétrica de um hospital, significa que as luzes se apagam, equipamentos de monitoramento, fornecimento de oxigênio, ventiladores mecânicos, salas de operação e equipamentos cirúrgicos que necessitam de eletricidade não poderão mais funcionar", acrescentou.
Uma reunião de emergência do Conselho de Segurança das Nações Unidas foi convocada pelo Brasil, que preside o órgão atualmente, para sexta-feira (13/10). O objetivo é discutir as tensões entre Israel e Hamas.
Essa será a segunda reunião do grupo desde que os ataques começaram. A primeira ocorreu no domingo (8/10) e não resultou em uma declaração final.
O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, viajará para Nova York, nos Estados Unidos, para participar do encontro.
Traumas nos kibutz
Os israelenses também continuam contabilizando os estragos causados pelos ataques do Hamas desde o sábado.
Em um vilarejo em Israel, a ação do grupo teria sido um "massacre" que incluiu bebês e crianças entre os mortos, afirmaram autoridades israelenses na terça-feira.
Segundo o general israelense Itai Veruv, foram encontrados corpos de famílias inteiras no kibutz Kfar Aza, próximo à divisa com a Faixa de Gaza.
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"Vimos bebês, as mães e os pais em suas camas, e vimos como os terroristas os mataram", afirmou o militar à agência Reuters. "Não é uma guerra, não é um campo de batalha. É um massacre."
De acordo com relatos de militares ao editor internacional da BBC, Jeremy Bowen, o Hamas invadiu o vilarejo, incendiando casas e matando seus moradores.
Um oficial israelense disse que alguns dos mortos foram decapitados.
Em outro kibutz, um homem disse que dezenas de seus amigos e vizinhos foram mortos quando o local, onde ele mora com seus filhos e netos, foi atacado no sábado.
"O kibutz Nir Oz não existe mais. Ele foi destruído em um ataque bárbaro e desumano no qual dezenas de meus amigos e vizinhos foram mortos", disse Jonathan Dekel-Chen.
"Sabe-se que dezenas de outras pessoas são reféns ou estão desaparecidas."
Fontes dizem que Israel teria sido avisado
Israel teria sido alertado pelo Egito sobre um potencial episódio de violência três dias antes do ataque do Hamas, disse o presidente de um comitê do Congresso dos EUA.
"Sabemos que o Egito avisou os israelenses três dias antes de que um evento como este poderia acontecer", disse o líder do Comitê de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados, Michael McCaul, após uma reunião de inteligência a portas fechadas nesta quarta-feira (11).
Já o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, afirmou que a informação é "absolutamente falsa".
Os serviços de inteligência israelenses estão sob escrutínio por não terem conseguido evitar o ataque mais mortal de militantes palestinos contra Israel nos 75 anos de história do país.
Um funcionário da inteligência egípcia também afirmou à agência de notícias Associated Press que Cairo alertou repetidamente os israelenses de que "algo grande" estava sendo planejado em Gaza.
"Mas eles subestimaram tais avisos", disse o egípcio, que falou sob condição de anonimato.
O Egito — que controla quem atravessa a sua fronteira com Gaza — serve frequentemente como mediador entre Israel e o Hamas.
Reféns
Cerca de 150 pessoas foram sequestradas por combatentes do Hamas em Israel e são mantidas reféns em cativeiro.
Por sua vez, o Hamas anunciou que executará um refém israelense a cada novo bombardeio de Israel contra edifícios civis na Faixa de Gaza sem aviso prévio.
O vice-chefe do gabinete político do Hamas, Saleh al-Arouri, afirmou que "oficiais de alta patente" do Exército de Israel estão entre os reféns.
Ele disse ao canal Al Jazeera que “o que está em nossas mãos libertará todos os prisioneiros” em Israel — uma aparente referência aos palestinos detidos em prisões israelenses.
“Há muitos palestinos mortos e muitos israelenses mortos, bem como prisioneiros, e a batalha ainda está no auge”, disse al-Arouri.
O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, afirmou no início da semana, em um pronunciamento na TV, que os "bombardeios em Gaza são só o começo".
Há relatos não confirmados oficialmente de que o Catar — país que abriga algumas das lideranças do Hamas e que há anos fornece suporte financeiro à Faixa de Gaza — estaria iniciando negociações entre ambos os lados para garantir a libertação de alguns reféns.
Tanto o Hamas quanto Israel negaram que estariam avaliando a possibilidade de trocar prisioneiros detidos anteriormente em Israel por reféns capturados nos últimos dias pelo Hamas.
Editor da BBC para assuntos relacionados ao mundo árabe, Sebastian Usher afirma que a detenção de reféns pelo Hamas é "compreensivelmente uma questão altamente emotiva em Israel".
"Para os israelenses traumatizados pelos acontecimentos dos últimos três dias, pode não haver estômago para qualquer tipo de negociação com o Hamas, mesmo que o país tenha aderido há muito tempo ao princípio de que nenhum prisioneiro, vivo ou morto, deve ser deixado para trás", diz Usher.
Assim, o governo do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, tem diante da mesa a urgência de decidir sobre como lidará com a questão dos reféns.
"Como Israel poderá garantir a libertação [dos reféns] é uma grande questão — seja através de operações de forças especiais, de uma invasão em grande escala a Gaza, de negociações ou de uma mistura dos métodos."
O início do conflito
Nas primeiras horas do sábado, final do feriado judaico de Sucot, dezenas de homens armados do grupo palestino Hamas se infiltraram no sul de Israel a partir da Faixa de Gaza.
As invasões ocorreram por terra, por mar e por ar, com o auxílio de parapentes.
Também foram registrados disparos de milhares de foguetes vindos de Gaza, governada pelo Hamas.
Logo após os ataques, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, postou um vídeo nas redes sociais dizendo que o país estava "em guerra".
O ministro da Defesa de Israel disse que o Hamas "cometeu um grave erro e lançou uma guerra" contra eles mesmos.
"As tropas [israelenses] estão lutando contra o inimigo em todos os locais", acrescentou Yoav Gallant. “O Estado de Israel vencerá esta guerra."
Pouco depois, o presidente palestino, Mahmoud Abbas, disse que o seu povo tem o direito de se defender contra o “terror dos colonos e das tropas de ocupação”.
Militares israelenses disseram que o ataque surpresa lançado pelo Hamas pode ser comparado aos atos terroristas de 2001 contra os Estados Unidos.
“Este é o nosso 11 de setembro. Eles nos pegaram”, admitiu um porta-voz das forças armadas do país, enquanto outro militar comparou os eventos recentes ao ataque de Pearl Harbor, realizado em 1941.
Em entrevista ao programa Today, da BBC, o ex-chefe de um dos serviços de inteligência de Israel avaliou que as táticas do país "colapsaram totalmente" no sábado.
Danny Yatom, ex-chefe da agência de espionagem Mossad e político do Partido Trabalhista, de oposição, diz que "tudo deu errado" e "ninguém tinha a menor ideia" de que Hamas atacaria Israel a partir de Gaza.
Ele disse que a segunda camada de defesa de Israel foi insuficiente para impedir os ataques, lembrando como o país foi pego de surpresa quase 50 anos depois da Guerra do Yom Kippur.
"A quantidade de forças era muito pequena — e isso se deve principalmente ao fracasso da inteligência, que disse que 'embora tenhamos testemunhado muitos exercícios do Hamas, eles não têm qualquer intenção de [atacar Israel]'."
Frank Gardner, correspondente para assuntos de segurança da BBC News, avalia que "os eventos revelam uma enorme falha de inteligência de Israel".
"O país possui uma das redes de inteligência mais extensas e sofisticadas do Oriente Médio. Israel mantém informantes em grupos militantes não apenas nos territórios palestinos, mas também no Líbano, na Síria e em outros locais."
"O Hamas conseguiu planejar e lançar este ataque cuidadosamente coordenado contra Israel, aparentemente em total sigilo", escreve Gardner.
Para Jeremy Bowen, editor de Internacional da BBC News, os últimos acontecimentos em Israel não têm precedentes nos mais de 15 anos desde que o Hamas ganhou controle sob a Faixa de Gaza.
"O ataque ocorre depois de meses de violência e tensão crescente entre israelenses e palestinos, embora a maior parte dos conflitos esteja concentrada na Cisjordânia, que é o território ocupado por Israel desde 1967, que se estende entre Jerusalém e a fronteira com a Jordânia", escreve ele.
"A situação atual vai evoluir rapidamente e é provável que se agrave. Uma grande questão é o que acontece agora — não apenas nos arredores de Gaza — mas também em Jerusalém e na Cisjordânia, onde há meses se verifica uma violência cada vez mais profunda."
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