Direitos humanos

Nobel da Paz: Prêmio à guerreira pelas mulheres do Irã

Comitê Norueguês concede a honraria à jornalista e ativista iraniana Narges Mohammadi, pelo combate à opressão por parte do regime teocrático islâmico. Marido fala ao Correio e aposta que medalha deve colocar mais pressão internacional sobre Teerã

Presa 13 vezes, condenada em cinco ocasiões e sentenciada a 31 anos de detenção, além de 154 chibatadas, Narges Mohammadi esteve trancada em uma cela da Prisão de Evin, em Teerã, enquanto os gêmeos Ali e Kiana cresciam. Há oito anos, não vê os filhos e o marido, Taghi Rahmani. Nesta sexta-feira (6/10), a jornalista e ativista de 51 anos tornou-se a 19ª mulher e a segunda iraniana a receber o prêmio Nobel da Paz.

"Mulher, vida, liberdade. O Comitê Nobel Norueguês decidiu conceder o Nobel da Paz 2023 a Narges Mohammadi por sua luta contra a opressão às mulheres no Irã e pela promoção da liberdade e dos direitos humanos para todos", disse Berit Reiss-Andersen, diretora do Comitê, ao anunciar a escolha. "Sua luta corajosa veio com um tremendo custo pessoal. (...) A senhora Mohammadi ainda se encontra na prisão, enquanto falo."

Berit lembrou que, em setembro de 2022, a jovem curda iraniana Masha Jina Amini foi morta sob custódia da Polícia da Moralidade. "Seu assassinato iniciou os maiores protestos políticos contra o regime teocrático islâmico, desde sua ascensão ao poder, em 1979. Sob o slogan 'Mulher, vida, liberdade', centenas de milhares de iranianos tomaram parte em protestos pacíficos. (...) Cerca de 22 mil foram detidos e mantidos sob custódia. Esse lema expressa, adequadamente, a dedicação e o trabalho de Narges Mohammadi", acrescentou a diretora do Comitê Nobel Norueguês.

Por telefone, Taghi Rahmani contou ao Correio que, até a noite desta sexta-feira (6/10), a esposa não tinha ideia da premiação. "As prisioneiras no Irã não têm acesso ao telefone no fim de semana iraniano, que ocorre quinta e sexta-feira. Amanhã (sábado, 7) pela manhã, ela irá telefonar para familiares no Irã e saberá."

Ativismo e cárcere

O ativismo de Mohammadi surgiu na década de 1990, quando ela era estudante de física. Depois de concluir os estudos e de trabalhar como colunista de jornais reformistas do Irã, ela se envolveu, em 2003, com o Centro dos Defensores dos Direitos Humanos, em Teerã, fundado pela advogada Shirin Ebadi, laureada com o Nobel da Paz no mesmo ano. Hoje, Mohammadi é vice-presidente da ONG.

Narges foi presa pela primeira vez em 2011 por ajudar prisioneiros políticos e familiares. Dois anos depois, levantou a voz contra a pena de morte e tornou a ser detida em 2015. No ano passado, ao tomar conhecimento da revolta popular contra o uso do hijab (véu islâmico), que passou a ser um grito de liberdade, assumiu o movimento de dentro da Prisão de Evin, em Teerã.

O governo do Irã denunciou a decisão do Comitê Nobel Norueguês como "tendenciosa e política". Segundo a chancelaria, a jornalista "foi considerada culpada de reiteradas violações da lei e cometeu atos criminosos". Por meio de um comunicado, o presidente dos EUA, Joe Biden, pediu a Teerã que liberte a Nobel da Paz "imediatamente". "Este prêmio é um reconhecimento de que, embora atualmente esteja detida injustamente na Prisão de Evin, o mundo ainda escuta a voz de Narges Mohammadi pedindo liberdade e igualdade", afirmou.

"No momento em que tantos protestam pela liberdade, mulheres são mortas, feridas, cegadas, forçadas ao exílio e aprisionadas, e tantos ativistas dos direitos humanos intimados a ficarem em silêncio, o Nobel é uma mensagem incrível de solidariedade. Também é um reconhecimento ao fato de que não devemos deixar de qualificar o que acontece no Irã como um 'apartheid de gênero'", disse ao Correio a iraniana Roya Bouroumand, cofundadora do Centro Abdorrahman Boroumand pelos Direitos Humanos no Irã.

Para ela, o movimento "Mulher, vida, liberdade" é uma boa descrição do ativismo de Mohammadi. "Narges tem sido o pilar de uma das organizações de defesa dos direitos humanos mais antigas do Irã, o Centro dos Defensores dos Direitos Humanos. Ela também trabalha contra a discriminação de gênero. Narges não é elitista e nota cada pessoa ao seu redor que esteja sofrendo", acrescentou.

Bouroumand teve a chance de entrar em contato direto com Mohammadi. "Ela é uma mulher muito corajosa, bastante articulada e emocionalmente forte. Experimentou tremendo sofrimento físico e mental, e foi separada dos filhos, hoje com 17 anos. O que gosto nela é o coração bom e sincero."

O iraniano-austríaco Kamran Ghaderi, 59 anos, esteve mais de sete anos detido também na Prisão Evin, em Teerã, onde foi torturado. Ele vê o Nobel como um símbolo importante para os iranianos. "É um sinal de que a comunidade internacional reconhece a oposição no Irã e o papel das mulheres como líderes do movimento em prol dos direitos humanos", afimou à reportagem.

 

EU ACHO...

Arquivo pessoal - Masih Alinejad, ativista iraniana

"Esse prêmio é um tapa no rosto do regime de Ali Khamenei, que declarou guerra ao seu povo. Espero que o Nobel encoraje os líderes ocidentais a pararem de legitmimar o regime de apartheid de gênero no Irã. Mas o prêmio real virá quando derrubarmos a República Islâmica."

Masih Alinejad, ativista de direitos humanos iraniana exilada em Nova York

 

Peter Berntsen/AFP - Mahmood Amiry-Moghaddam, director of Oslo-based NGO Iran Human Rights (IHR), poses for a photo outside his office in Oslo, Norway on September 21, 2022. - Protests in Iran following the death of a young woman arrested by morality police could signal "a big change", according to Mahmood Amiry-Moghaddam, director of Oslo-based NGO Iran Human Rights (IHR). Public anger has flared in the Islamic republic since authorities announced the death last week of 22-year-old Mahsa Amini, who had been held for allegedly wearing a hijab headscarf in an "improper" way. (Photo by Petter BERNTSEN / AFP)

"O Nobel da Paz é o reconhecimento da luta diária do povo iraniano pelos seus direitos humanos fundamentais. Este prêmio inspirará todos os defensores dos direitos humanos e o povo iraniano a continuarem a sua luta. Nossa voz foi ouvida pelo mundo."

Mahmood Amiry-Moghaddam, porta-voz da ONG Iran Human Rights

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