REPERCUSSÃO

As consequências práticas da crise do Congresso dos EUA no mundo

Com a Câmara em crise, as probabilidades de se aprovar mais verbas de ajuda à Ucrânia ou de se evitar uma paralisação do governo diminuíram.

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O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, em evento em Washington no mês de setembro . Ucrânia precisa de apoio financeiro dos EUA

A Câmara dos Representantes dos Estados Unidos destituiu na terça-feira (3/10) o seu presidente, o republicano Kevin McCarthy, deixando a câmara baixa do Congresso sem líder e sem rumo.

Os parlamentares entraram em recesso pelo menos até a próxima semana, enquanto alguns republicanos disputam aberta ou reservadamente o cargo.

As consequências da crise no Congresso estão se tornando mais claras e podem se estender para além das fronteiras dos Estados Unidos, como na Guerra na Ucrânia e na economia global. Entenda abaixo.

Bilhões em compasso de espera

O governo de Joe Biden tem alertado há semanas que os fundos destinados pelo Congresso para a ajuda dos EUA ao esforço de guerra ucraniano estão quase esgotados.

O Conselheiro de Segurança Nacional, Jake Sullivan, previu uma “escalada de problemas” a partir do início de outubro se o Congresso não autorizasse a liberação de bilhões de dólares para o resto do ano.

Sob pressão de deputados de direita — os mesmos conservadores que destituíram McCarthy — fundos adicionais não foram aprovados.

Agora, com a saída de McCarthy, parece muito pequena a probabilidade de mais verbas imediatas serem liberadas para o esforço na guerra.

A Câmara não poderá fazer nada de substancial até que eleja um novo presidente da Casa. E o mais cedo que isso pode acontecer é em meados da próxima semana.

Além disso, qualquer pessoa que aceite o cargo estará sob a mesma pressão — e enfrentará os mesmos dilemas — que McCarthy.

Republicanos como Matt Gaetz, que liderou a campanha para destituir McCarthy, e Marjorie Taylor Greene opõem-se veementemente a mais auxílio financeiro à Ucrânia. Qualquer presidente da Câmara que coloque para votação essa ajuda enfrentará quase com certeza uma revolta na ala mais à direita do partido Republicano.

O novo presidente da Casa poderia compensar a ajuda à Ucrânia com as prioridades dos conservadores, como mais verbas para a proteção às fronteiras — o que tornaria tudo mais palatável para os republicanos rebeldes.

No entanto, isso colocaria em risco o apoio democrata na Câmara, e o grupo de Greene e Gaetz já rejeitou esse tipo de esforço no passado recente.

O governo Biden está lutando para encontrar alternativas para ajudar a Ucrânia, como a transferência de armas confiscadas do Irã. Biden anunciou na quarta-feira (4/10) que faria um "grande discurso" sobre a necessidade de financiamento da Ucrânia.

Ele deu a entender que há outras opções a se estudar.

"Há outros meios pelos quais poderemos encontrar financiamento para isso [a guerra na Ucrânia], mas não vou entrar nisso [nesse assunto] agora", disse o presidente.

Biden pode estar se referindo a um procedimento parlamentar raramente usado para contornar a liderança republicana da Câmara e levar ao plenário uma votação sobre a Ucrânia.

Mesmo com alguma resistência republicana, Biden destacou que existe uma maioria na Câmara, tal como no Senado, que apoia a continuidade do apoio à Ucrânia.

O caminho para colocar um projeto de lei na mesa do presidente, no entanto, está ficando mais complicado a cada dia que passa.

Paralisação iminente

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Foto de 2018 mostra placa com aviso de que prédio público estava fechado por conta de paralisação das contas do governo

A causa mais imediata da destituição de McCarthy foi a sua decisão de levar à frente um projeto de lei no sábado (30/09), que, com o apoio dos democratas, adiou a paralisação das contas do governo até 17 de novembro.

Dado o que aconteceu com McCarthy, o próximo presidente da Câmara poderá ter de fazer mais concessões à ala mais à direita do partido Republicano, virando-se contra a minoria democrata na Câmara, a maioria democrata no Senado e Biden na Casa Branca.

Será difícil para o futuro presidente da Câmara chegar a um acordo sobre os gastos federais com os republicanos da Casa. Gaetz e seus aliados estão pressionando por grande cortes nas despesas. Já os republicanos mais centristas os parlamentares dedicados ao tema da defesa estão buscando financiar as suas prioridades legislativas.

O Senado controlado pelos democratas acabará por ter de aprovar o seu próprio pacote de despesas governamentais e é pouco provável que engula um projeto de lei apoiado pela Câmara, controlada pelos republicanos.

Sendo improvável um acordo, as probabilidades de paralisação — talvez prolongada até ao final do ano — aumentam consideravelmente.

Os EUA sobreviveram a várias paralisações governamentais iminentes nas últimas décadas, e os efeitos já são conhecidos: os funcionários públicos e os empreiteiros serão os que mais sofrerão, uma vez que os seus contracheques serão atrasados ou, em alguns casos, seus contratos serão cancelados.

Alguns programas governamentais para a pobreza podem sofrer, enquanto órgãos e serviços podem ser fechados.

Tudo isto terá repercussões econômicas que poderão empurrar os EUA para a recessão — e isso, claro, teria consequências para a economia global.

A atual crise no Congresso também poderá continuar a minar a confiança da população nos governos, o que as pesquisas já mostram estar perto de patamares mínimos históricos.

Embora os democratas tenham assistido ao drama da destituição de McCarthy na terça-feira com uma mistura de espanto e diversão, é difícil prever o resultado final desta crise.

Faltando apenas um ano para as eleições para a Casa Branca e para o Congresso, um eleitorado irritado e frustrado pode ser uma má notícia para os políticos de todos os espectros.

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