Os 330 habitantes da aldeia de Groza, no nordeste da Ucrânia, estavam em luto. Em uma mercearia, velavam um dos moradores, segundo os costumes locais. Às 13h15 (7h15 em Brasília), um míssil balístico Iskander atingiu o local, matando 51 pessoas, incluindo um garoto de seis anos. Em questão de segundos, a população de Groza perdeu quase um sexto de seus cidadãos. Igor Klymenko, ministro do Interior da Ucrânia, afirmou que 60 pessoas participavam do evento e não descartou um aumento no número de vítimas.
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Em meio aos escombros, Volodymyr Mukhovaty, 70 anos, buscava a mulher e a nora, enquanto chorava a morte do filho. "Eles o encontraram sem cabeça, sem braços, sem pernas, sem nada. Foi identificado por seus documentos", contou à agência de notícias France-Presse. "Vivi 48 anos com minha esposa. Não vou durar muito tempo sozinho."
O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, denunciou um "ataque terrorista totalmente deliberado, demonstrativo e brutal" e prestou condolências aos familiares dos mortos. "O terror russo deve parar. Todos aqueles que ajudam a Rússia a contornar as sanções são criminosos. Aqueles que continuam a apoiar a Rússia estão apoiando o mal", acrescentou. "A Rússia precisa deste e de outros ataques terroristas similares por uma única razão: tornar sua agressão genocida o novo normal no mundo inteiro."
Zelensky também declarou que está focado em debater com líderes europeus sobre como fortalecer a defesa aérea ucraniana, reforçar suas tropas e proteger o território. "Terroristas enfrentarão retaliação. Uma que seja justa e poderosa", avisou.
Imprecisão
Taras Tarasiuk, estrategista militar da Fundação de Iniciativa Democrática (em Kiev), classificou o bombardeio a Groza de "crime de guerra". "A razão para este e outros crimes russos é o uso de mísseis imprecisos e de artilharia em áreas onde existem muitos civis. Temos dezenas de exemplos de utilização de sistemas de mísseis, por parte da Rússia, apesar dos riscos de assassinato de inocentes", explicou ao Correio. "A maioria desses ataques alveja pessoas em regiões do leste da Ucrânia, basicamente russófona. As pessoas atingidas são aquelas que o Kremlin afirma querer proteger de Kiev", ironizou.
Para Tarasiuk, as forças russas também usam esses armamentos para aterrorizar a população. "Elas acreditam que quanto mais ucranianos morrerem, melhor será a sua estratégia nessa guerra." O especialista vê evidências suficientes para levar o presidente russo, Vladimir Putin, e os principais comandantes militares da Rússia ao banco dos réus no Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia. "Eles entendiam as consequências desses ataques, mas, ainda assim, os permitiram."
Por sua vez, Anton Suslov — especialista da Escola de Análise Política (em Kiev) — lembrou que o ataque em Groza foi o mais letal do ano. "Cada família da aldeia tem alguém que foi assassinado pelos russos, hoje. Ainda que Groza não seja distante do front, não há bases militares na região. A maioria das vítimas se reuniam em uma mercearia local para o velório de um soldado ucraniano morto em batalha. Ao levarmos em consideração a precisão e o momento do bombardeio, é provável que algum morador tenha informado os russos sobre o evento", disse à reportagem. "A mercearia foi um alvo civil absolutamente injustificável. O ataque é mais um caso de violação do direito humanitário internacional por parte da Rússia."
O bombardeio causou a repulsa da comunidade internacional. Porta-voz da Casa Branca, Karine Jean-Pierre condenou o ataque "terrivelmente pavoroso para o povo da Ucrânia". "As atrocidades russas atingiram um nível ainda mais nefasto", declarou Josep Borrell, chefe da diplomacia da União Europeia (UE). Ele advertiu que "ataques intencionais contra civis são crimes de guerra". As Nações Unidas, por meio do porta-voz Stéphane Dujarric, alertaram que ofensivas contra os civis e as infraestruturas civis são proibidas pelo direito internacional humanitário e devem parar imediatamente".
Prigozhin
Sem comentar as ações militares na Ucrânia, o presidente russo, Vladimir Putin, revelou que fragmentos de dispositivos explosivos foram encontrados nos corpos das pessoas que morreram em um desastre aéreo em agosto, junto com o líder dos mercenários do Grupo Wagner, Yevgueni Prigozhin. "O chefe da comissão de investigação me informou há alguns dias. Foram encontrados fragmentos de granadas de mão nos corpos das vítimas do desastre. Não há sinais de impacto externo no avião", declarou o russo. Prigozhin e nove outras lideranças do Grupo Wagner morreram na queda de um avião Legacy 600,
fabricado pela brasileira Embraer, que fazia o trajeto Moscou a São Petersburgo, em 23 de agosto. Dois meses, Prigozhin tinha liderado um motim contra o comando militar russo e ensaiado uma marcha até Moscou.
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