A Austrália abriu recentemente a votação antecipada no referendo histórico sobre a promulgação da Voz Indígena no Parlamento, projeto conhecido como Voice.
Se aprovada, a reforma reconheceria os aborígenes e os habitantes das ilhas do Estreito de Torres na Constituição do país e estabeleceria um órgão permanente dessa população para aconselhar o governo.
O país não tem um referendo cujo resultado seja a aprovação da proposta há quase 50 anos.
As pesquisas de opinião demonstram apoio à proposta, mas à medida que a votação se aproxima, o lado "não" aparece na liderança.
Embora a maioria dos australianos deva votar no dia 14 de outubro, centros de votação em algumas partes do país já foram abertos na segunda-feira (02/10).
A Voz ao Parlamento foi recomendada por um documento considerado "histórico" de 2017 chamado Declaração do Coração de Uluru.
Elaborada por mais de 250 líderes indígenas, a declaração é considerada o "melhor chamado à ação para reformas em questões que afetam os australianos das Primeiras Nações".
Ele também estabelece um processo mais longo de elaboração de tratados e de divulgação da verdade.
O primeiro-ministro, Anthony Albanese, argumenta que seria uma mudança "simples" para melhorar a vida dos indígenas australianos.
Mas a proposta do Voice se tornou objeto de debate acirrado na Austrália e alvo de campanhas de desinformação e xingamentos racistas.
Os apoiadores da proposta afirmam que ela levará a melhores condições de vida para os aborígenes e os habitantes das ilhas do Estreito de Torres, que tem expectativa de vida mais baixa e resultados de saúde e educação desproporcionalmente piores do que outros australianos.
A proposta afirma que o Voice "fará representações" aos deputados e às autoridades políticas "sobre questões relacionadas com os povos aborígenes e das ilhas do Estreito de Torres".
Ao anunciar, em março, o plano de realizar um referendo, Albanese disse que o Voice iria consagrar o "reconhecimento" de que os australianos "partilham este grande continente insular com a cultura contínua mais antiga do mundo".
Entre outras coisas, quem se opõe ao projeto argumenta que ele é um gesto amplamente simbólico que não conseguirá promover mudanças, e que poderá minar as estruturas governamentais existentes na Austrália.
Para que a proposta seja aprovada, a maioria dos australianos precisa votar "sim", mas também é necessário que haja apoio majoritário em pelo menos quatro dos seis estados da Austrália.
A composição, funções e competências do órgão, cujo parecer não seria vinculativo, seriam então desenhadas e debatidas pelo Parlamento.
Sondagens recentes mostraram um declínio constante – no apoio público ao Voice, mas uma pesquisa realizada na terça-feira mostrou que o apoio ao "sim" avançava pela primeira vez em meses.
A Austrália realizou um referendo pela última vez em 1999, quando rejeitou a proposta de se tornar uma república.
Apenas oito dos 44 referendos da Austrália resultaram em aprovação – o mais recente em 1977 – e nenhum foi aprovado sem apoio bipartidário.
O que dizem os oponentes?
Alguns opositores ao projeto argumentam que os povos indígenas já estão representados de forma justa no Parlamento.
Atualmente, a casa tem 11 legisladores indígenas, representando 4,8% do parlamento, uma percentagem ligeiramente superior à da população indígena australiana em todo o país.
Mas os apoiantes do Voice contestam que os deputados representam círculos eleitorais específicos, não necessariamente interesses indígenas.
Outros críticos dizem que poderia funcionar como uma terceira câmara do parlamento e potencialmente vetar legilações, mas o governo descartou esta possibilidade.
O apoio também não é unânime entre os povos indígenas. Alguns dizem que um tratado com os povos indígenas – um acordo negociado e juridicamente vinculativo – deveria ser a prioridade.
Como será o Voice na prática?
Isso ainda não é certo. Se a Austrália votar "sim", a legislação que concebe a Voice será então desenvolvida e debatida.
Uma proposta sugere que o órgão consultivo poderia ter 24 membros – compostos por representantes de cada Estado e território, das Ilhas do Estreito de Torres e de comunidades aborígenes remotas.
Albanese vê o Voice como "uma fonte inabalável de aconselhamento e responsabilização".
Existem outros exemplos?
Os defensores do Voice comparam a proposta aos parlamentos das Primeiras Nações na Noruega, Suécia e Finlândia para o povo Sami.
Não são parlamentos no sentido tradicional - são, na sua maioria, órgãos consultivos que não têm uma função legislativa formal.
Na Finlândia, por exemplo, o governo negocia com o Parlamento Sami sobre questões específicas, como a gestão das terras e alterações legislativas ou administrativas que afetam a cultura Sami.
No entanto, as leis finlandesas não impedem as autoridades governamentais de avançar sem negociações.
Por que é necessário um plebiscito?
Os defensores dizem que a Voice precisa ser consagrada na Constituição e não apenas por uma lei. Tal mudança não pode acontecer sem um referendo.
Eles argumentam que isso daria permanência à Voice, isolando da política partidária.
As sondagens indicaram anteriormente que cerca de três quartos dos australianos apoiam uma Voice constitucional, embora esse percentual esteja caindo nas últimas pesquisas.
Nesta votação, a principal coligação de oposição da Austrália faz campanha contra a mudança.
O partido Verde apoia o Voice. Mas a sua anterior porta-voz para os assuntos indígenas, Lidia Thorpe, abandonou recentemente o partido devido à sua posição - ela defende primeiro um tratado sobre o tema.
O que acontece depois?
Embora parte da votação já tenha sido antecipada, os australianos irão às urnas no dia 14 de outubro, onde serão solicitados a escrever "sim" ou "não" nas cédulas do referendo.
Se o resultado for a aprovação, o Parlamento passará a discutir como construir o órgão e o governo analisará os próximos passos descritos na Declaração de Uluru.
Também exige uma comissão Makarrata – um órgão para supervisionar um processo de elaboração de tratados e de divulgação da verdade sobre a história dos indígenas australianos.
A implementação do Voice também é vista como suscetível de criar um ímpeto adicional para uma república australiana.
Albanese já indicou que é provável que haja um plebiscito sobre a questão se ele ganhar um segundo mandato em 2025.
O seu governo se recusou a saber o que vai acontecer se a proposta falhar, por exemplo, se tentar criar um órgão sem o consagrar na Constituição.