Favorito dos republicanos nas eleições presidenciais do ano que vem, Donald Trump passa a ter que conciliar as atividades de campanha com uma maratona judicial. Começou ontem o julgamento civil do magnata de 77 anos e de dois dos seus filhos pela acusação de terem inflacionado, durante anos, seus ativos imobiliários. Embora não possa ser condenado à prisão por essa acusação, o julgamento é um prelúdio de uma série de processos judiciais que poderá, no mínimo, colocar em risco seu império econômico. Especialistas não descartam que esse cenário também prejudique os esforços de Trump pela indicação republicana, apesar do bom desempenho nas pesquisas.
O ex-presidente e seus advogados afirmaram que Trump participaria ao menos do início do julgamento. Ele chegou à audiência no tribunal de Nova York em meio a um grande dispositivo de segurança. Saiu do carro sozinho e caminhou, de cabeça baixa, seguido, de longe, por membros de sua equipe de assessores. Antes de entrar no prédio, criticou o processo. "Estamos diante de uma procuradora-geral racista que montou um espetáculo de horror (...) É uma farsa", disse.
A procuradora-geral Letitia James — equivalente à secretária estadual de Justiça — advertiu, também do lado de fora do tribunal, que "a Justiça prevalecerá" e acusou o bilionário nova-iorquino de "reiteradas fraudes". "Não importa quão poderoso alguém seja, não importa quão rico alguém seja, ninguém está acima da lei", frisou.
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O julgamento assumiu uma importância considerável na semana passada, quando o juiz Arthur Engoron, que o preside, decidiu que a "fraude contínua" foi comprovada e que o gabinete da Procuradoria-Geral do Estado de Nova York já tinha provado que Trump e os diretores do seu grupo haviam, de 2014 a 2021, "supervalorizado" os seus ativos entre US$ 812 milhões e US$ 2,2 bilhões.
Engoron ordenou a revogação das licenças comerciais no estado de Nova York de Donald Trump e dos filhos Eric Trump e Donald Trump Jr, vice-presidentes executivos da Trump Organization, além do confisco das empresas que são alvo do processo, que serão confiadas aos liquidatários. Caso sejam implementadas, as sanções representariam "um golpe duro na capacidade de Donald Trump de fazer negócios no estado de Nova York", afirmou Will Thomas, professor de direito comercial na Universidade de Michigan.
Isso porque o republicano perderia o controle de vários edifícios emblemáticos do seu grupo, como a Trump Tower, na 5ª Avenida de Manhattan. Essas propriedades estão no centro das acusações da procuradora Letitia James, assim como a luxuosa residência da Trump Organization em Mar-a-Lago, na Flórida, e vários campos de golfe. A procuradora pede, ainda, o reconhecimento de outras violações da legislação financeira e uma multa de US$ 250 milhões (R$ 1,2 bilhão, na cotação atual).
O ex-presidente sempre rejeitou as acusações e intensificou os ataques à procuradora, uma democrata negra que chamou de "racista", e contra o juiz Engoron, a quem descreveu como "perturbado". Na sua plataforma Truth Social, Trump defendeu que os bancos credores foram reembolsados "na íntegra, com juros, sem dívidas e sem vítimas".
Testemunhas
A expectativa é de que o julgamento termine no fim deste ano e tenha dezenas de testemunhas. Entre elas, Ivanka, filha de Trump, que, inicialmente, foi alvo da denúncia, mas acabou não sendo indiciada. Outro a depor será Allen Weisselberg, o ex-diretor financeiro da Trump Organization que cumpriu pena de prisão depois de se declarar culpado por fraude fiscal em outro caso contra o grupo. As testemunhas incluem também Michael Cohen, ex-advogado de Trump e um dos seus inimigos declarados, funcionários dos bancos credores e da empresa de contabilidade Mazars, que parou de trabalhar para o magnata em 2021.
O bilionário é acusado criminalmente em quatro casos diferentes. Ele deve comparecer ao tribunal federal de Washington em 4 de março para responder às acusações de tentativa de reverter o resultado das eleições presidenciais de 2020, vencidas por Joe Biden. Em seguida, irá novamente ao tribunal em Nova York por fraude contábil e, depois, ao da Flórida, pela gestão negligente de documentos confidenciais após deixar a Presidência.
Suprema Corte
O início do primeiro julgamento de Trump conciliou com o começo do novo mandato da Suprema Corte dos EUA, dominada pelos conservadores. O máximo tribunal voltou de recesso, ontem, com uma agenda lotada de temas sobre a mesa, como direitos civis, porte de armas e liberdade de expressão, e os juízes podem se ver arrastados para outra batalha política de alto calibre envolvendo o ex-presidente.
Há ações judiciais em vários estados para manter Trump fora das eleições presidenciais do próximo ano, sob a alegação de que ele violou seu juramento ao participar de uma insurreição, em 6 de janeiro de 2021, com o ataque de seus apoiadores ao Capitólio. Conforme o andar dos processos, existe a possibilidade de que a Suprema Corte precise intervir.