Milhares de pessoas invadiram depósitos de ajuda humanitária em Gaza, em um “sinal preocupante de que a ordem civil está começando a ruir”, segundo a agência de ajuda da ONU para refugiados palestinos (UNRWA).
Pessoas levaram farinha e outros suprimentos básicos depois de invadirem vários armazéns e centros de distribuição no centro e sul do território no sábado, segundo a UNRWA.
“As pessoas estão assustadas, frustradas e desesperadas”, disse a agência das Nações Unidas em nota à imprensa.
Após mais de 24h de corte quase total das telecomunicações, linhas telefônicas e conexões à Internet estão voltando lentamente na região.
A conectividade foi cortada quando Israel intensificou o bombardeio contra Gaza e deu início a uma grande operação por terra envolvendo tanques e tropas.
As Forças de Defesa de Israel (IDF) afirmam que aviões de guerra atacaram “mais de 450 alvos militares pertencentes à organização terrorista Hamas na Faixa de Gaza” nas últimas 24 horas.
Israel tem bombardeado Gaza desde os ataques do Hamas, em 7 de outubro, que quando 1.400 pessoas morreram e outras 229 foram sequestradas e desde então são mantidas como reféns.
O Ministério da Saúde administrado pelo Hamas em Gaza afirma que mais de 8.000 pessoas morreram desde o início dos bombardeios de Israel.
'Desdobramento preocupante'
À BBC, um porta-voz da UNRWA disse estimar que “milhares” de pessoas invadiram o segundo maior centro em Deir al-Balah, onde suprimentos de ajuda humanitária são armazenados e distribuídos pela ONU.
Os incidentes ocorreram durante o dia, confirmou a agência.
Os itens levados incluem farinha de trigo e produtos de higiene. A agência fez questão de reiterar que “nenhum combustível foi levado”.
A UNWRA não esclareceu se a segurança será reforçada nos outros armazéns em Gaza.
Até o momento, pouco mais de 80 caminhões que transportam ajuda humanitária foram autorizados a entrar em Gaza.
Israel se recusou a permitir o fornecimento de combustível para Gaza porque afirma que poderia ser utilizado para fins militares pelo Hamas.
Segundo o correspondente da BBC Jeremy Bowen, que está a cerca de 10 quilômetros de Gaza, no sul de Israel, os bombardeios da artilharia israelense contra Gaza são ininterruptos.
Ele define a invasão aos armazéns como "um desenvolvimento realmente preocupante da guerra".
Bowen afirma que é muito difícil acompanhar exatamente o que se passa no terreno, em Gaza, porque os israelenses têm falado pouco sobre as suas operações.
Embora alguma conectividade e telecomunicações tenham sido restauradas, a maior parte de Gaza ficou isolada do resto do mundo por mais de um dia.
'Guerra longa e difícil'
O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, confirmou a presença de soldados e comandantes israelenses na Faixa de Gaza, “destacados por toda parte”, em coletiva de imprensa neste sábado (28/10).
Ele afirmou que a operação terrestre em curso em Gaza é a segunda fase da guerra com o Hamas e disse que espera uma “guerra longa e difícil”. Netanyahu descreveu a guerra como a “segunda guerra de independência” de Israel.
"Lutaremos e não nos renderemos. Não nos retiraremos. Na superfície e no subsolo", continuou Netanyahu, se referindo ao túneis subterrâneos usados pelo Hamas.
O primeiro-ministro se reuniu com famílias dos reféns levados pelo Hamas, que demonstraram preocupação sobre a intensificação dos ataques.
Crise diplomática com a Turquia
A comunidade internacional segue dividida.
Na Assembleia Geral da ONU, na sexta-feira (27/10), 120 países votaram a favor de um cessar-fogo humanitário, incluindo Brasil, França e Bélgica. No total, 14 países votaram contra e houve 45 abstenções.
A resolução, apesar de aprovada em massa, não têm cumprimento obrigatório.
Já a Casa Branca diz que Israel tem "o direito de levar a luta ao Hamas".
Neste sábado (28/10), para uma multidão eufórica em Istambul, o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, chamou os ataques de Israel em Gaza de “massacre” e disse que os aliados ocidentais do país eram “os principais culpados” por trás do que classificou como crimes de guerra cometidos por Israel.
"Iremos declarar Israel como criminoso de guerra para o mundo. Estamos nos preparando para isso e apresentaremos Israel ao mundo como um criminoso de guerra."
Erdogan também manteve sua posição de não considerar o Hamas uma “organização terrorista”. O grupo é descrito como tal em países como EUA e Reino Unido.
O ministro das Relações Exteriores de Israel, Eli Cohen, reagiu ordenando que diplomatas israelenses deixassem a Turquia depois do que chamou de “declarações duras” de Istambul.
O presidente discursou em um grande palco para o que ele disse ser uma multidão de 1,5 milhão de pessoas, que agitavam bandeiras turcas e palestinas.
O evento, denominado Grande Comício da Palestina, foi realizado no abandonado Aeroporto Ataturk, onde Erdogan já realizou comícios.
No sábado, ele reiterou as suas críticas à recusa de alguns países em pedir um cessar-fogo em Gaza, e apelou à unidade no mundo muçulmano.
Novos ataques
Neste sábado, o porta-voz das Forças de Defesa de Israel, Daniel Hagari, emitiu um "apelo urgente" aos cidadãos do norte de Gaza e da cidade de Gaza para que se deslocassem para o sul "imediatamente".
Em uma postagem no X (antigo Twitter), Hagari afirmou que eles poderão retornar para suas casas quando as "intensas hostilidades terminarem".
Ele acrescentou que o Hamas coloca a vida dos palestinos em perigo ao armazenar armas em áreas civis e que Israel não esquecerá os ataques brutais do grupo em 7 de outubro.
"Sua janela para agir está se fechando", alertou Hagari. "Vá para o sul para sua própria segurança."
As Forças de Defesa de Israel disseram à BBC que foram utilizados vários métodos para transmitir esse último alerta à população de Gaza, incluindo o lançamento de panfletos pelo ar, rádio, Internet e o que é descrito como "métodos adicionais sobre os quais não podemos entrar em detalhes".
Neste sábado, milhares de manifestantes pró-Palestina protestam em Londres pedindo o fim dos ataques de Israel em Gaza.
No fim de semana passado, 100 mil pessoas saíram às ruas da capital exigindo o fim dos bombardeios em Gaza.
Protestos também aconteceram em outras cidades do Reino Unido, incluindo Manchester (Inglaterra) e Glasgow (Escócia).
'Invasão limitada'
Cerca de 100 aviões de combate foram usados na operação de sexta para sábado, descrita por Israel como "invasão limitada".
Mais cedo, o porta-voz Hagari havia afirmado que os militares israelenses estavam "combatendo um inimigo mais fraco".
Ele confirmou que as tropas entraram no norte de Gaza durante a noite, acrescentando que as forças "ainda estavam no campo" neste sábado.
Segundo Hagari, vários comandantes do Hamas foram mortos durante a noite como parte da "ofensiva ampliada".
Ele acrescentou que caminhões de ajuda humanitária entrarão hoje em Gaza carregando alimentos e água.
Também informou que houve 311 mortes de militares israelenses desde o ataque do Hamas em 7 de outubro e que baixas foram sofridas durante as operações noturnas.
Hagari confirmou ainda que 229 pessoas são mantidas como reféns em Gaza.
Segundo ele, "estamos trabalhando para atingir os objetivos que estabelecemos para nós mesmos e que foram definidos para nós. A dissolução do Hamas, a segurança das fronteiras e um esforço nacional para trazer de volta os sequestrados."
Sobre o destino dos reféns, Hagari disse que "trazer de volta os sequestrados para casa é um esforço nacional supremo. E todas as nossas atividades, operacionais e de inteligência, visam atingir o objetivo".
Num comunicado divulgado na manhã deste sábado, as famílias dos reféns fizeram um apelo ao ministro da defesa israelense e aos membros do gabinete de guerra para se reunirem com eles imediatamente.
"Esta noite foi a mais terrível de todas as noites. Foi uma noite longa e sem dormir, tendo como pano de fundo a grande operação das Forças de Defesa de Israel na faixa, e a absoluta incerteza quanto ao destino dos reféns ali detidos, que também foram sujeitos aos pesados bombardeios".
O comunicado acrescenta que a operação terrestre põe em perigo o bem-estar dos 229 reféns em Gaza.
"As famílias estão preocupadas com o destino de seus entes queridos e aguardam uma explicação. Cada minuto parece uma eternidade. Exigimos que o ministro da Defesa, Yoav Gallant, e os membros do gabinete de guerra se reúnam conosco esta manhã!", diz a nota.
Gallant concordou em se encontrar com representantes do grupo neste domingo (29/10).
Na noite de sexta-feira, questionado se os ataques significavam a concretização do plano de invadir Gaza por terra, anunciado em 15 de outubro, o porta-voz do governo de Israel Eylon Levy tergiversou.
"Israel expandiu a operação terrestre na Faixa de Gaza, mas, além disso, não vou comentar questões operacionais", disse Levy.
Por volta de 2h da manhã deste sábado no horário de Brasília, as forças israelenses afirmaram ter matado o líder das operações aéreas do Hamas, Asem Abu Rakaba. Ele teria liderado o uso de drones e parapentes no ataque a Israel em 7 de outubro.
Enquanto isso, antecipando uma possível expansão do conflito para outros países, o Departamento de Estado dos EUA orientou na sexta-feira os seus cidadãos a deixarem o Líbano enquanto há voos comerciais disponíveis, "devido à situação de segurança imprevisível".
Disparos entre as forças israelenses e o poderoso grupo xiita libanês Hezbollah têm se intensificado dia após dia. Israel colocou soldados e equipamentos militares na região de sua fronteira com o Líbano e evacuou dezenas de milhares de civis que ali viviam.
Na rede social X (antigo Twitter), o Departamento de Estado afirmou: "Não há garantia de que o governo dos EUA irá evacuar cidadãos americanos e seus familiares em uma situação de crise."
'Forças estão ampliando atividades terrestres'
Na sexta-feira, Israel disse que expandiria as atividades em terra.
"Nas últimas horas, aumentamos os ataques em Gaza. A Força Aérea ataca amplamente alvos subterrâneos e infraestruturas terroristas, de forma muito significativa", disse o porta-voz Hagari, das Forças de Defesa de Israel.
"Na continuação da atividade ofensiva que realizamos nos últimos dias, as forças terrestres estão expandindo a atividade esta noite", acrescentou.
Na ocasião, Hagari pediu mais uma vez que a população da Cidade de Gaza deixasse a região em direção ao sul do território.
Segundo ele, os moradores da Cidade de Gaza deveriam buscar "condições mais seguras", já que as IDF "persistiriam" com ataques à cidade e seus arredores.
Ele fez referência específica ao hospital Al Shifa, que disse estar sendo usado para "atividades terroristas".
Anteriormente, em outro pronunciamento, Hagari alegou que o Hamas estava utilizando o hospital como escudo para túneis subterrâneos e centros de comando. O Hamas negou esta acusação.
Al Shifa é o maior hospital da Faixa de Gaza.
Milhares de pessoas desalojadas estão abrigadas em hospitais de Gaza, incluindo no Al Shifa.
Segundo Jeremy Bowen, da BBC, as negociações conduzidas pelo Catar entre Israel e o Hamas estavam progredindo, "chegando perto de um acordo para a libertação de reféns e talvez para algum tipo de cessar-fogo ou trégua humanitária".
Entretanto, a "expansão" das operações de Israel na sexta-feira interrompeu o processo.
"Com tanques e soldados israelenses prontos para entrar em Gaza, não parece haver muita esperança na retomada [das negociações] enquanto essa ofensiva está acontecendo", afirmou Bowen.
Resolução da ONU
Na tarde de sexta-feira, a Assembleia Geral da ONU aprovou uma resolução pedindo por uma trégua humanitária imediata em Gaza.
A resolução — apresentada pela Jordânia em nome do grupo de países árabes — também condenou todos os atos de violência contra civis palestinos e israelenses, incluindo todos os "ataques terroristas e indiscriminados".
O texto também pediu a imediata libertação dos reféns mantidos pelo Hamas em Gaza, mas não faz menção específica aos ataques de 7 de outubro contra Israel
Foram 120 votos a favor, incluindo o do Brasil, 14 contra e 45 abstenções.
Israel reagiu fortemente à resolução.
"Hoje é um dia que será considerado infame. Todos nós testemunhamos que a ONU já não detém nem um pingo de legitimidade ou relevância", disse o embaixador de Israel na ONU, Gilad Erdan, acrescentando que seu país vai usar "todos os meios" para combater o Hamas.
As resoluções da Assembleia Geral não têm cumprimento obrigatório, mas têm peso moral devido à universalidade dos seus membros.
O secretário-geral da ONU, António Gueterres, também fez um apelo por um cessar-fogo no X, dizendo que "este é o momento da verdade".
"Repito meu apelo por um cessar-fogo humanitário no Oriente Médio, pela libertação incondicional de todos os reféns e pela entrega de suprimentos vitais na escala necessária. Todos devem assumir suas responsabilidades. Este é o momento da verdade. A história julgará todos nós", escreveu.
Durante café da manhã com jornalistas, no Palácio do Planalto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que é "insanidade" do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, querer acabar com a Faixa de Gaza.
"O ato do Hamas foi terrorista, que não é possível fazer um ataque, matar inocentes, sequestrar gente da forma que eles fizeram, sem medir as consequências do que acontece depois. Porque, agora, o que nós temos é a insanidade do primeiro-ministro de Israel querendo acabar com a Faixa de Gaza, se esquecendo que lá não tem só soldado do Hamas, que lá tem mulheres e crianças, que são as grandes vítimas dessa guerra", disse Lula.
O presidente explicou que o Brasil não reconhece o Hamas como organização terrorista porque o país segue as avaliações do Conselho de Segurança da ONU.
"A posição nossa é clara. Toda guerra não tem apenas um culpado, ou um mais culpado."
Sem contato
Durante o apagão nas comunicações na Faixa de Gaza, Deborah Brown, pesquisadora da ONG Human Rights Watch, disse que a questão "traz o risco de acobertar atrocidades em massa e de contribuir para a impunidade de violações de direitos humanos".
Os Médicos Sem Fronteiras e o Crescente Vermelho Palestino divulgaram que perderam o contato com alguns membros de suas equipes em Gaza.
"Estamos profundamente preocupados com a capacidade das nossas equipes em continuar a prestar os seus serviços médicos de emergência, especialmente porque este conflito afeta o número central de emergência ‘101’ e dificulta a chegada de veículos e ambulâncias aos feridos", disse o Crescente Vermelho Palestino em um comunicado.
A organização afirmou estar também preocupada com a segurança das suas equipes que trabalham na Faixa de Gaza e faz um apelo ao mundo para “exercer pressão sobre as autoridades israelenses para fornecerem proteção imediata a civis inocentes, instalações médicas e às nossas equipes”.
Outra organização humanitária, a ActionAid, também disse perdeu contato com os seus funcionários em Gaza.
"O apagão isola a população, tornando quase impossível que procurem ajuda, partilhem as suas histórias ou mantenham contato com os seus entes queridos."
"Este isolamento aprofunda o sofrimento daqueles que já enfrentam uma grave crise humanitária no meio de um aumento no bombardeamento aéreo de civis", afirmou a ONG em um comunicado.
Baseada em Jerusalém, a repórter da BBC Alice Cuddy afirmou que na sexta-feira conseguiu falar com contatos seus em Gaza mas, à noite, suas ligações e mensagens não pareciam chegar ao território palestino.
A maioria das pessoas com quem Cuddy vinha falando estava abrigada em Khan Yunis, após ter fugido de suas próprias casas em outros lugares. Mas uma família que vive na parte central de Gaza contou à repórter mais cedo que tinha optado por não deixar sua casa por enquanto.
"Continuaremos morando aqui até encontrarmos uma maneira segura de sair", disse o pai pelo telefone de sua casa, cujas janelas e portas foram destruídas após ataques a edifícios próximos.
"Estamos em uma situação muito miserável. Principalmente as crianças, elas têm medo."
O repórter Mehdi Musawi, da BBC Árabe em Londres, também disse ter tido dificuldades de falar com suas fontes em Gaza durante todo o dia.
"No início da noite, todas as linhas de comunicação estavam fora do ar. E então, imagens ao vivo de Gaza mostraram escuridão total, exceto por flashes e bolas de fogo à distância", diz Musawi.
"Enviei uma enxurrada de mensagens para as pessoas com quem havia falado antes, mas nenhuma resposta veio, nem mesmo um duplo visto para confirmar o recebimento."
O conflito
O grupo palestino Hamas, que controla a Faixa de Gaza, lançou em 7 de outubro um ataque surpresa a Israel, matando mais de 1.400 e capturando reféns.
Israel reagiu com bombardeios que já mataram mais de 8.000 pessoas, segundo o Ministério da Saúde em Gaza controlado pelo Hamas.
Em 14 de outubro, as forças israelenses anunciaram para breve uma ofensiva ainda maior por ar, terra e mar contra o território.
Israel também deu um ultimato aos moradores no norte da Faixa de Gaza — cerca de 1,1 milhão de pessoas — para se deslocarem para o sul do território.
Esse prazo, estendido algumas vezes, expirou no dia 15 de outubro.
O norte de Gaza — que inclui a Cidade de Gaza e dois campos de refugiados — é uma das partes mais densamente povoadas do território.
Na ocasião, o Hamas disse aos civis que ignorassem a ordem de evacuação, descrevendo-a como "propaganda falsa".
No entanto, milhares de palestinos obedeceram à ordem de Israel e abandonaram suas casas.
Apesar disso, Israel bombardeou e continua bombardeando várias localidades no sul do território.
Segundo a agência da ONU para os refugiados palestinos, a situação no sul de Gaza é tão ruim que alguns civis estão voltando para o norte.
O ministro da Defesa israelense, Yoav Gallant, disse que a campanha militar em Gaza "pode levar um mês, dois ou três, mas no final não haverá mais Hamas".
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