Após 22 dias, chegou ao fim a mais longa disputa pela presidência na Câmara dos Deputados dos EUA nos tempos modernos. E terminou da forma como às vezes acontece nas guerras: com ambos os lados perdendo a disposição para continuar a lutar.
O deputado Mike Johnson foi eleito o 56º presidente da Câmara na quarta-feira (25/10). Ele recebeu aplausos e sorrisos de seus colegas republicanos que contrastaram com as tensões crescentes que dividiram o partido nas últimas três semanas.
O parlamentar da Louisiana não fazia parte da liderança republicana existente na Câmara, cujos três principais expoentes – Kevin McCarthy, Steve Scalise e Tom Emmer – foram rejeitados pelos conservadores linha-dura nas últimas três semanas.
Ele não era um "incendiário ideológico" como Jim Jordan, que era apoiado pelo ex-presidente Donald Trump e pela direita populista do partido, mas rejeitado por centristas e institucionalistas cujo trabalho legislativo tinha sido frequentemente prejudicado pela "ousadia política" do deputado.
Em vez disso, Johnson, o ex-presidente do arquiconservador Comitê de Estudos Republicanos da Câmara, contava com a confiança da direita do partido, sem a bagagem que fazia inimigos em outros lugares.
Ele assumiu posições controversas – apoiando a proibição nacional do aborto, apoiando os esforços de Trump para reverter os resultados eleitorais de 2020 e lutando contra os direitos do casamento gay – mas fez isso discretamente e, na maior parte das vezes, longe das câmaras de televisão.
Candidato 'de fora'
Sua falta de ambição desde o início, ao não ter inscrito o seu nome como candidato a presidente da Câmara até à terceira disputa, pode ter feito dele o meio perfeito para os republicanos que desejavam superar semanas de trauma político. Isso também rendeu a ele a capacidade de aglutinar votos sem precisar assumir compromissos específicos ou fazer grandes concessões.
Se algum republicano teve problemas com Johnson, não demonstrou interesse em levá-los a público.
O congressista Ken Buck, por exemplo, opôs-se veementemente a Scalise e a Jordan pela sua recusa em reconhecer a vitória presidencial de Joe Biden.
Ele votou em Johnson – um arquiteto do desafio jurídico multiestadual de Trump aos resultados das eleições de 2020 – na quarta-feira sem objeção.
Nancy Mace, a deputada da Carolina do Sul que ajudou a afundar McCarthy, elogiou Johnson.
"Claramente não vou concordar com ele em todas as questões", disse ela aos repórteres. "Eu só quero alguém que seja honesto e diga a verdade."
No entanto, para ter sucesso como presidente da Câmara, Johnson terá de fazer mais do que isso.
Assim que os aplausos cessarem, o novo presidente da Câmara terá uma agenda legislativa ocupada para abordar, com pouco tempo para isso.
O governo Biden e os seus aliados no Senado estão pressionando por uma lei de ajuda militar multibilionária para Israel, Ucrânia e Taiwan.
E uma medida temporária de financiamento das contas públicas deverá expirar em 17 de novembro, provocando uma paralisação do governo, a menos que o Congresso tome medidas.
Negociações com os democratas
Numa carta aos seus colegas republicanos como parte da sua candidatura à presidência da Câmara, Johnson disse que outro projeto de lei de financiamento temporário pode ser necessário para dar ao Congresso mais tempo para aprovar as suas dotações anuais.
Ele também reconheceu a necessidade de negociar – "a partir de uma posição de força" – com os democratas no Senado e na Casa Branca de Biden.
É durante essas negociações com os democratas que o cargo de Johnson será posto à prova.
O destino de McCarthy foi selado quando o flanco direito do seu partido sentiu que ele cedeu aos democratas num acordo de maio para aumentar o limite da nova dívida nacional dos EUA e quando ele evitou temporariamente uma paralisação do governo em outubro sem obter quaisquer novas concessões.
Johnson poderá ter mais liberdade com os direitistas do seu partido, dados os laços estabelecidos com eles, mas a dada altura as divisões estratégicas e ideológicas dentro do partido serão novamente postas à prova.
Johnson terá de decidir quando parar de pressionar e aceitar um acordo com os democratas. Ele poderá convencer seu partido a fechar algum acordo?
Será que as normas que os republicanos da Câmara tinham anteriormente respeitado - que apoiam o partido nas votações processuais e se unem em apoio da liderança escolhida pela maioria das suas fileiras - podem ser restauradas?
Os republicanos na Câmara conseguirão demonstrar que têm capacidade para governar?
Essas questões não foram resolvidas com a eleição de Johnson, não importa quantas vezes os republicanos se levantaram na quarta-feira com aplausos alegres para os vários combatentes na luta nas últimas semanas.
Em sua carta, Johnson parecia reconhecer o trabalho que os republicanos têm pela frente.
"Governar bem garantirá que enfrentaremos os desafios sem precedentes de hoje e expandiremos a nossa maioria no próximo ano", escreveu ele.
Quando se dirigirem às urnas daqui a um ano, os americanos - que têm acompanhado apenas casualmente este drama de três semanas em Washington - poderão ter esquecido há muito tempo os detalhes desta batalha pela presidência.
Mas se os republicanos não conseguirem resolver os seus conflitos internos e essas diferenças continuarem a ressurgir e a causar distúrbios, os eleitores acabarão percebendo.
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