O resultado inesperado do primeiro turno das eleições presidenciais argentinas, no último domingo (22/10), emprestou confiança ao atual ministro da Economia, Sergio Massa, e forçou o libertário Javier Milei a se concentrar na redução da vantagem do adversário. Até a noite desta segunda-feira (23), com 98,51% das urnas apuradas, Massa — da coalizão peronista Unión por la Patria — tinha 36,68% dos votos, enquanto Milei aparecia com 29,98%. A ex-ministra da Segurança Patricia Bullrich, da aliança direitista Juntos por el Cambio, conquistou 23,83% e tornou-se uma espécie de fiel da balança para o segundo turno, marcado para 19 de novembro.
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Para conquistar a Casa Rosada, Milei teria de obter o apoio dos eleitores de Bullrich. Ao ser questionado pela rádio El Observador se convidaria a ex-adversária para um eventual governo, Milei respondeu: "Como não vou incorporá-la, se ela foi bem sucedida ao combater a insegurança?".
Segundo o jornal Clarín, a Unión Cívica Radical, setor da direita aliada ao ex-presidente Mauricio Macri (2015-2019), estaria propensa a romper com a Juntos por el Cambio para avalizar Massa. Nesta segunda-feira, Milei repetiu o discurso da véspera, quando tentou se apoderar da principal arma da campanha de Bullrich — a promessa de "acabar com o kirchnerismo". "Estamos na disputa e temos chances de ganhar", admitiu à rádio La Red. "Dois terços (do eleitorado) não querem o kirchnerismo." Nas redes sociais, ele deu a tônica da campanha: "Kirchnerismo ou liberdade".
Massa anunciou medidas para fortalecer as reservas do país, incrementar a exportação, conter o dólar e controlar o nervosismo do mercado. A Argentina enfrenta o descontrole da inflação, uma corrida cambiária, taxa anual de juros a 133% e um índice de pobreza que afeta 40% dos 46,6 milhões de habitantes.
Professor de ciência política da Universidad de Buenos Aires (UBA), Miguel De Luca disse ao Correio que o atual ministro da Economia deverá manter a estratégia que mostrou-se exitosa até o momento. "Massa vai moderar o discurso, além de prometer um governo de unidade nacional e benefícios econômicos imediatos — ainda que isso complique a economia em poucos meses", aposta. Por sua vez, o estudioso acredita que Milei terá uma tarefa mais complicada até o segundo turno. "Milei precisará convencer os eleitores que insultou ou ignorou. Soaria pouco crível uma moderação no momento. Se ele o fizesse, perderia parte do seu apelo", observou.
De Luca vê Massa com melhores possibilidades de se tornar o 52º presidente da Argentina. "Nos segundos turnos das eleições na América Latina, tem sido menos frequente a reversão do resultado do primeiro turno, especialmente quando a distância for maior do que cinco pontos percentuais. Este é o caso argentino", comentou. Ele prefere não apontar a rejeição como o fator decisivo para a escolha do próximo ocupante da Casa Rosada, e lembra que ambos os candidatos atraem a repulsa do eleitorado — Massa pela crise econômica e Milei por suas propostas em geral. "Ao contrário do peronismo, Milei não conta com uma organização capaz de mobilizar seus eleitores", acrescenta De Luca, que prevê uma tendência de Bullrich de se abster de apoiar qualquer candidato.
Mara Pegoraro, também cientista política da UBA, concorda com o colega em relação ao papel desempenhado pela rejeição dos candidatos. "É correta a avaliação de que a posição contrária a Milei ou a Massa será um dos principais elementos a contribuir com a tomada de decisão do eleitor. Tanto Massa quanto Milei suscitam um nível de rejeição parecido. Alguns especialistas pensam que eles se anulam mutuamente", admitiu. "O fator determinante será quem conseguirá mais apoio, não rejeição. É provável um aumento da abstenção no segundo turno."
Divisão
À exceção de 2023, quando a participação do eleitorado ficou abaixo de 75%, a Argentina costuma ter um alto índice de comparecimento às urnas, especialmente durante as eleições presidenciais. O país realizou um segundo turno em uma única ocasião, em 1995. De Luca enumera três fatores para explicar o bom desempenho de Massa, apesar da gestão econômica ruim. "No primeiro turno, a oposição sofreu uma divisão. Um dos candidatos da oposição, Milei, desperta medo entre o eleitorado. Em terceiro lugar, o peronismo é um partido que conserva uma quantidade importante de eleitores fiéis."
A julgar pelo discurso de aceitação dos resultados, na noite de domingo (22), Pegoraro crê que Massa manterá foco na contradição entre democracia e autoritarismo. "Milei persistirá na dualidade entre populismo e liberdade. Não está claro se uma ou outra retórica será efetiva." A professora explicou que o sucesso de Massa não está em sua posição enquanto ministro, mas em seu pertencimento ao peronismo.
Ainda que a missão de Milei seja, em tese, mais difícil, a extrema direita tem motivos de sobra para comemorar. A representatividade no Congresso Nacional aumentou de três assentos para 38 da Câmara dos Deputados. Na contramão, o peronista Unión por la Patria perdeu dez cadeiras e, a partir de 10 de dezembro, será a principal minoria da Câmara, com 108 de 257 congressistas.
EU ACHO...
"A economia argentina, sob a gestão de Massa, vai muito mal. No entanto, o medo que o cidadão tem de Milei causou impacto na eleição. O temor por uma vitória de Milei mostrou-se maior. A economia teria que piorar bastante para Milei ser eleito presidente."
Miguel De Luca, professor de ciência política da Universidad de Buenos Aires (UBA)
"A dimensão econômica afeta, por igual, a todos os candidatos. O cenário vislumbrado para depois da eleição era ruim, independentemente do resultado das urnas. Não havia nenhuma expectativa de que algum dos candidatos pudesse resolver o problema econômico."
Mara Pegoraro, cientista política da Universidad de Buenos Aires (UBA)