GUERRA ISRAEL-HAMAS

'Como sobrevivi ao ataque do Hamas com minhas filhas enquanto meu marido foi sequestrado'

Em entrevista à BBC News Brasil, Lishay Lavi relembra momentos de terror que sua família passou sob mira das armas de combatentes do Hamas que invadiram kibutz onde mora, no sul de Israel; seu marido, Omri Miran, segue desaparecido, e autoridades israelenses acreditam que ele esteja sendo mantido refém em Gaza.

Omri Miran, de 46 anos, está desaparecido desde último sábado, quando foi levado por combatentes do Hamas -  (crédito: Lishay Lavi/Arquivo pessoal)
Omri Miran, de 46 anos, está desaparecido desde último sábado, quando foi levado por combatentes do Hamas - (crédito: Lishay Lavi/Arquivo pessoal)
BBC
Luis Barrucho - Da BBC News Brasil em Londres
postado em 17/10/2023 07:39 / atualizado em 17/10/2023 08:42

A israelense Lishay Lavi, de 38 anos, se emociona ao falar sobre como conseguiu sobreviver com suas duas filhas pequenas, Roni, de dois anos, e Alma, de seis meses, ao ataque do grupo militante palestino Hamas a Israel no último dia 7 de outubro, enquanto seu marido, Omri Miran, de 46 anos, foi raptado. Ela não tem notícias dele desde então. Autoridades israelenses acreditam que ele esteja sendo mantido refém na Faixa de Gaza.

"Tudo o que eu quero é o meu marido de volta; sentimos muita falta dele. Quero que o mundo inteiro saiba disso", diz ela à BBC News Brasil.

"Minha filha não para de chorar e pedir pelo pai."

Desde os atentados perpetrados pelo Hamas, Lishay ainda não conseguiu retornar para sua casa no kibbtz de Nahal Oz, no sul de Israel, a 800 metros da fronteira com a Faixa de Gaza — ela está abrigada com as filhas em outro kibutz perto do deserto de Negev.

Sua família, que vive em Sderot, cidade no sul de Israel também invadida por combatentes do grupo extremista, está com ela no momento.

As autoridades israelenses não publicaram uma lista com os nomes das pessoas desaparecidas. O Hamas também não confirmou os nomes dos sequestrados.

As atualizações sobre a situação dos desaparecidos são fornecidas pelo Exército e pelo gabinete do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, diretamente às famílias.

Segundo uma fonte militar afirmou à BBC News Brasil, muitos corpos do massacre de 7 de outubro ainda estão sendo identificados, e a divulgação dos nomes dos reféns poderiam colocar em risco a operação de resgate.

No momento, Omri Miran é considerado "desaparecido" e a sua família foi informada pelas Forças de Defesa de Israel (IDF) que "há grande probabilidade de ele estar sendo mantido como refém na Faixa de Gaza".

Segundo a última atualização, o número de reféns israelenses confirmados detidos em Gaza é de 199.

Enquanto isso, as tropas israelenses continuam a se concentrar perto de Gaza antes de uma esperada ofensiva terrestre — mas não deram qualquer indicação de quando isso vai ocorrer.

Mais de 1.300 pessoas foram mortas em Israel no fim de semana passado, quando combatentes do Hamas cruzaram a fronteira para atacar civis e soldados, segundo as Forças de Defesa israelenses.

Mais de 2.700 pessoas foram mortas na campanha de bombardeio de Israel na Faixa de Gaza, lançada na sequência, dizem as autoridades palestinas.

A seguir, o relato de Lishay, que foi editado para fins de clareza e brevidade.

ATENÇÃO: a reportagem a seguir tem descrições de violência que alguns leitores podem considerar perturbadores

Eu e minha família moramos no kibutz Nahal Oz, no sul de Israel, perto da fronteira com a Faixa de Gaza.

Por volta das 6h da manhã do último sábado (7 de outubro), acordamos com o barulho das sirenes.

Não era uma situação incomum, pois foguetes são lançados pelo Hamas com frequência em direção ao sul de Israel.

Como sempre fazemos, decidimos nos refugiar no quarto de segurança. Caso a situação piorasse, pegaríamos as nossas coisas e iríamos para o norte.

Cerca de uma hora e meia depois, começamos a ouvir muitos tiros e gritos.

Mensagens chegavam pelo grupo de moradores no WhatsApp sugerindo que o Hamas havia invadido o kibutz — muitos pediam ajuda.

Não entendemos exatamente o que estava acontecendo, mas sabíamos que era algo muito ruim.

Por volta das 9h30, 10h, ouvimos tiros e pessoas falando em árabe.

Eles (combatentes do Hamas) entraram aqui em casa pela janela do banheiro, vieram até onde estávamos e começaram a bater a porta com armas, ordenando que a abríssemos.

Estávamos em pânico.

Em seguida, ouvimos a voz de uma criança em hebraico (idioma de Israel) nos pedindo para abrir a porta.

O Hamas havia raptado um menino do kibutz e o levado de casa em casa. A criança dizia: "Por favor, abram a porta. Se vocês não abrirem, eles vão me matar".

Ficamos sem saber como agir. O que você faria numa situação dessas?

Decidimos abrir a porta.

Eles nos mandaram ir para a cozinha e sentar no chão. Estavam buscando por armas na nossa casa, mas não temos armas.

Tudo estava completamente de cabeça para baixo: roupas espalhadas, comida e cacos de vidro por todo o lugar.

Uma hora depois, eles nos levaram para a casa do nosso vizinho.

Quando entramos, vi uma das filhas dele, que devia ter 18 anos, morta. Eles a mataram no quarto de segurança.

O restante da família, pai, mãe e dois filhos, estavam sob a mira de armas. Nos mandaram sentar no chão da cozinha e ficar quietos.

Algum tempo depois, duas mulheres, mãe e filha, americanas que estavam passando férias em Israel, se juntaram a nós.

A mulher mais velha tentou dissuadi-los, explicou que era americana, que eles não podiam fazer isso com ela, mas nada adiantou.

Finalmente, eles (combatentes do Hamas) agarraram meu marido, o pai da outra família e as duas americanas. Todos foram algemados e levados para fora.

Disse a meu marido que eu o amava. E que eu salvaria as nossas filhas.

Eles nos disseram, então, para ficarmos quietos e não deixarmos o local, pois iriam voltar.

Pensamos que se fugíssemos, poderíamos ser mortos.

Em seguida, só ouvi o carro dando partida e eles indo embora.

Foi a última vez que vi meu marido.

Estávamos totalmente desamparados. Não tínhamos nossos celulares; eles haviam sido tomados.

Minha filha mais velha, que até então havia ficado quieta, começou a chorar, a gritar, dizendo que queria o pai.

Começamos a ouvir muitos tiros e a sentir cheiro de fumaça. Ficamos com muito medo e não sabíamos o que fazer.

Permanecemos ali sentados e rezando para que tudo acabasse bem, tentando entreter as crianças, tentando normalizar aquela situação.

Depois de quatro horas, as Forças Armadas de Israel chegaram e nos levaram para outra casa no kibutz.

Às 22h, fomos todos encaminhados a uma base no deserto de Negev. Eu estava descalça e de pijamas. Minhas filhas, também.

Em seguida, fomos transferidas para uma casa de hóspedes num kibutz perto da base.

Desde então, estamos aqui. Não temos nossas roupas, nossas coisas, não podemos voltar para casa.

Meus pais vieram de Sderot (cidade no sul de Israel) e estão comigo agora.

Não sabemos onde Omri está. Só sabemos que ele está lá (em Gaza). Todas as noites, minha filha pergunta pelo pai e chora. Também pergunta pelo nosso cachorro, que ficou na nossa casa. Eventualmente, conseguiram achá-lo e ele está ferido.

Agora, está sendo tratado num hospital veterinário, e espero que possamos tê-lo aqui conosco em breve.

Tudo o que eu quero é o meu marido de volta; nós sentimos muita falta dele. Quero que o mundo inteiro saiba disso.

Este é um momento em que precisamos que o mundo nos apoie. Foi um novo Holocausto.

Essa não é uma guerra comum. Ainda há muitos reféns nas mãos do Hamas, homens, mulheres, idosos e até crianças.

*Após a entrevista, a BBC News Brasil foi informada por um membro da família de Lishay que o menino usado pelo Hamas para invadir a casa dos moradores do kibutz de Nahal Oz foi encontrado morto

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