A única igreja católica que atende à pequena comunidade cristã que vive em Gaza se tornou um abrigo — desta vez não para quem procura conforto espiritual, mas para mais de 500 pessoas de diferentes religiões cujas casas foram destruídas.
"Nossa paróquia virou um campo de refugiados", disse à BBC o padre argentino Gabriel Romanelli, pároco da Sagrada Família, a única igreja católica na cidade de Gaza e na Faixa de Gaza. Romanelli está atualmente em Belém, na Cisjordânia, tentando voltar para Gaza.
Após o ultimato de Israel nesta sexta-feira (13/10) para que mais de um milhão de pessoas do norte da Faixa de Gaza desocupem a região em 24 horas e se dirijam ao sul, para "segurança e proteção", a comunidade vive momentos de pânico e incerteza.
"A notícia causou um choque tremendo em todo o povo em Gaza", diz o líder religioso, que vive na região há 28 anos.
"Temos centenas e centenas de refugiados na estrutura da Igreja, incluindo crianças, deficientes, idosos, doentes. Como movê-los? E para onde? O sul de Gaza é terra aberta. O que há lá? Primeiro, como fazer para movê-los? E depois, o que fazer por quando chegarmos lá?", diz à BBC News Brasil.
Enquanto a ONU fez um apelo para Israel retirar a ordem, dizendo que é impossível mover 1,1 milhão de pessoas, o Hamas diz para que palestinos da região fiquem onde estão.
Um oficial do grupo Hamas descreveu a ordem de Israel como "propaganda falsa" e instou os cidadãos locais a ignorá-la.
A Faixa de Gaza abriga 2,2 milhões de pessoas — 1.017 das quais são cristãs, de acordo com a diocese local. "A maioria é ortodoxa. A comunidade católica é muito pequena", diz o sacerdote.
O complexo da igreja inclui o templo principal, três escolas e uma capela, onde missas, orações e confissões são feitas em árabe.
Desde o ataque do Hamas contra Israel, em 7 de outubro, e os bombardeios israelenses que vieram na sequência, cristãos e muçulmanos partilham estes espaços dia e noite.
Eles procuram notícias sobre parentes desaparecidos ou em tratamento em hospitais lotados, à medida que aumentam os temores de uma ofensiva terrestre de Israel.
O Papa Francisco ligou duas vezes para o padre Romanelli nos últimos dias, segundo a AgenSir, agência de notícias oficial da Conferência dos Bispos Italianos.
"Ele queria saber como estamos, como está a situação", disse o padre Romanelli à BBC News Brasil. "Ele disse que estava muito preocupado. Eu agradeci. Foi como uma gota d'água neste deserto."
O Papa Francisco ofereceu bênçãos à comunidade.
"Ele ligou novamente na terça-feira, dia 10, e o colocamos no alto-falante da Igreja, para que todos pudessem ouvir", conta.
Bombardeio perto da Igreja
A situação em Gaza é “terrível”, segundo o Programa Alimentar Mundial da ONU, com alimentos e água se esgotando em meio ao cerco israelense.
Israel prometeu não restaurar a eletricidade nem permitir a entrada de recursos básicos e ajuda humanitária em Gaza até que o Hamas liberte seus reféns.
A igreja depende de caminhões pipa e raciona o diesel e o uso de geradores de energia.
"Usamos o mínimo possível, basicamente para carregar baterias de telefones", diz.
Segundo a diocese local, oito casas de famílias cristãs foram completamente destruídas.
"E há dezenas de outras casas danificadas (…) O desamparo que se sente é enorme. A dor que se sente é enorme. Neste momento em que são necessários electricidade, água, colchões, abrigo e alimentos, apelamos a todas as autoridades: por favor, parem, parem a guerra."
Enquanto o padre tenta voltar para Gaza, as atividades na igreja são realizadas por voluntários, um vigário egípcio e duas freiras peruanas.
"Eles estão cuidando desta nova realidade como um campo de refugiados cristão. (…) Todos os dias se celebra uma missa pela paz. Ontem houve um bombardeio relativamente perto (da igreja). Todos começaram a rezar o terço, os homens, as mulheres e os jovens", conta o padre.
"Eles imploravam a Deus pela paz no mundo inteiro, para toda a terra santa, para Israel, para a Palestina. Mas também implorando particularmente ao Senhor para parar esses bombardeios."
Enquanto não foram registradas vítimas cristãs, mais de 1.400 pessoas foram mortas em Gaza desde que Israel começou sua retaliação por ataques aéreos retaliatórios.
Pelo menos 150 reféns foram levados para Gaza durante os ataques mortais do Hamas no fim de semana, que mataram 1.300 pessoas.
'Libertem os reféns'
As forças armadas de Israel dizem ter transferido 300 mil pessoas, incluindo reservistas recentemente mobilizados, para os arredores da fronteira com Gaza.
O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu ordenou um reforço maciço de tropas e deverá lançar em breve uma ofensiva terrestre na Faixa de Gaza.
À medida que aumentam os receios de intensos combates nas ruas, o padre apela às autoridades de ambos os lados para que pensem nas comunidades afetadas pelo conflito.
"Neste momento o que é urgente é o que o Santo Padre pediu. Nem o terror nem a guerra levarão a nada. Os prisioneiros e reféns devem ser libertados e é preciso que se criem corredores humanitários", afirma.
Cerca de 6.000 bombas pesando até 4.000 toneladas foram lançadas na Faixa de Gaza por Israel desde o início dos combates, de acordo com o porta-voz das Forças de Defesa de Israel (IDF), Daniel Hagari.
Israel disse que o cerco a Gaza não terminaria até que os reféns israelenses fossem libertados.
“"Não é hora de discussão. Precisamos de uma pausa, onde as pessoas possam recuperar a sua liberdade, onde os feridos, milhares e milhares, possam ser curados, porque já não há lugares nos hospitais. E onde os mortos podem ser trancafiados e pranteados como Deus ordena."
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