Israel continua em estado de choque após os ataques do Hamas no sábado (7/10), enquanto Gaza já sofre as consequências da represália de Tel Aviv.
Israel ordenou um cerco a Gaza e cortou o fornecimento de eletricidade, combustível e água em resposta aos ataques do Hamas no fim de semana, que deixaram mais de 1.000 mortos em solo israelense. O grupo militante islâmico ainda mantém cerca de 150 reféns.
Nesta quarta-feira (11/10), Gaza já estava sem eletricidade e as reservas de água e alimentos estão se esgotando rapidamente.
O diplomata e historiador israelense Élie Barnavi, autor de "Religiões Assassinas" (em tradução livre), acredita que a resposta militar era inevitável.
Enquanto um grande número de tropas, tanques e outros veículos blindados se reúnem no sul de Israel, sinalizando uma invasão iminente de Gaza, Barnavi nos fala de Tel Aviv, uma cidade que ele descreve como atualmente "morta".
Em entrevista à BBC News Mundo (serviço de notícias em espanhol da BBC), o conhecido defensor da paz no conflito palestino-israelense fala do ataque do Hamas contra seu país, no qual morreram 1.200 pessoas. Ele culpa em parte o governo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e garante que um Estado palestino junto a Israel é a única solução para o conflito.
BBC - Qual é a situação atual em Israel?
Élie Barnavi - Estou em Tel Aviv, que normalmente é uma cidade muito dinâmica. Agora, tornou-se uma cidade morta como na época da covid.
A nação está acompanhando de perto o que está acontecendo. Corpos ainda estão sendo encontrados e ainda há terroristas no território.
Há uma mistura de raiva, angústia e expectativas sobre o que resultará desta enorme operação militar.
Há também muita raiva contra o exército e a classe política porque falharam enormemente e as pessoas estão começando a pedir explicações.
BBC - Como o Hamas conseguiu pegar as Forças de Defesa de Israel de surpresa?
Barnavi - A situação era semelhante à de antes da Guerra do Yom Kippur.
Havia uma mistura de auto-suficiência, excesso de confiança na alta tecnologia instalada na fronteira e a concepção errada de que o Hamas não estava inserido nas classes política e militar.
Há a ideia errada de que o Hamas não está interessado numa grande operação, de que tudo o que ele quer é melhorar as condições econômicas do território, receber dinheiro do Catar e autorizações de trabalho em Israel.
Toda aquela combinação de ideias e conceitos nos deixou completamente despreparados.
Depois, há o fato de a maior parte do Exército e do governo estar concentrada na Cisjordânia. Metade do exército estava lá e ninguém previu o ataque do Hamas.
BBC - Alguns meios de comunicação israelenses pediram repetidamente a renúncia de Netanyahu, por conta dessas falhas de segurança e inteligência. Você acha que isso deveria ser feito?
Barnavi - Claro. Netanyahu deveria ter renunciado há muito tempo.
Ele não pode governar um país enquanto estiver enfrentando problemas por causa da sua reforma judicial.
Mas Netanyahu não é um homem que desiste. Sua principal ocupação é salvar a si mesmo.
Tudo o que ele fez e continua fazendo, incluindo a reforma judicial, é para escapar da Justiça. [O primeiro-ministro é acusado de corrupção, fraude e abuso de poder].
Ele não renunciará, a menos que seja forçado a fazer isso.
BBC - O que você acha da resposta que Israel organizou após o ataque do Hamas?
Barnavi - A dimensão militar do ataque era inevitável. Estamos fazendo o que temos que fazer.
Isso é algo que quase todo mundo apoia. Precisamos responder ao Hamas e restaurar a nossa capacidade de dissuasão.
Agora, toda a região está vendo o que está acontecendo e alguns devem estar se perguntando: “Como é possível que esta grande potência militar e a sua formidável inteligência tenham entrado em colapso tão rapidamente?”
Mas o importante é o que vai acontecer agora.
O governo ainda não decidiu, mas presumo que não vai querer apenas acabar com a força militar do Hamas, mas com toda a sua estrutura.
BBC - No início desta semana, Israel anunciou um cerco a Gaza para cortar o fornecimento de eletricidade, combustível e água. A única central elétrica de Gaza ficou sem combustível nesta quarta-feira (11/10). Você concorda com isso também?
Barnavi - Não. Acredito que esta decisão é contrária às leis da guerra.
O governo está tentando exercer uma pressão sobre o Hamas, mas Israel não deve imitar a barbárie do Hamas nem brincar com as necessidades básicas de 2 milhões de pessoas.
Estas pessoas não devem ser privadas de água, electricidade ou comida.
BBC - Netanyahu prometeu uma operação firme. Como Israel definirá o sucesso dessa campanha?
Barnavi - O sucesso de Netanyahu será derrotar o Hamas.
Ele prometeu no passado eliminá-lo e para ele essa seria a sua vitória.
Para mim, eliminar o Hamas é apenas o começo do problema, é preciso pensar no que fazer depois disso.
Apoio a derrubada do Hamas, mas é preciso fazer mais e pensar sobre como preencher o vazio que o grupo deixaria.
BBC - Você é um dos defensores da paz no conflito palestino-israelense e da criação de um Estado Palestino. Mas a porcentagem de pessoas que querem isso em Israel está caindo. Era de 39% entre os israelenses, de acordo com uma pesquisa deste ano. Qual é a alternativa?
Barnavi - Não há alternativa à criação de um Estado palestino. Essas pesquisas são problemáticas, mudam dependendo da situação ou da pessoa que está no poder.
Houve quem acreditasse que era possível separar os dois territórios dos palestinos, a Faixa de Gaza, de um lado, e a Cisjordânia, do outro.
Eles acreditavam que, ao fazer isso, acabariam com qualquer possibilidade de criar um Estado palestino.
Mas essa ideia ruiu diante dos nossos olhos.
A solução de dois Estados não parece genial neste momento, mas não há alternativa.
A alternativa é terrível. Seria um Estado único de apartheid, o que não seria nada harmonioso.
Há exemplos disso em todos os lugares.
Um Estado Palestino, junto a Israel, é a única solução possível para esse conflito.
BBC - Qual a sua opinião sobre a resposta da comunidade internacional aos acontecimentos?
Barnavi - A resposta do Ocidente tem sido positiva. As pessoas ficaram horrorizadas com o que viram e com a barbárie do ataque.
É claro que há pessoas que odeiam Israel, como em algumas comunidades muçulmanas.
No que é conhecido como Sul Global, houve atitudes diferentes. A Índia expressou apoio a Israel, mas não houve apoio em vários países africanos.
BBC - O que você acha das pessoas que saíram às ruas de várias cidades ao redor do mundo, como Londres ou Nova York, para celebrar o ataque do Hamas a Israel?
Barnavi - Isso é uma desgraça. Mas você não pode ter o amor de todo mundo.
De qualquer forma, estamos falando de um punhado de muçulmanos que se opõem a Israel por definição e que acreditam que tudo o que Israel faz é mau e tudo o que os palestinos fazem é bom.
O que mais me surpreendeu foi a carta de grupos de estudantes de Harvard que escreveram culpando Israel pela violência.
É verdade que Israel tem implementado políticas problemáticas nos territórios, e recentemente ainda mais com o atual governo de extrema-direita.
BBC - Alguns grupos argumentam que o governo israelense é, pelo menos parcialmente, responsável por toda a violência que se desenrola. Você concorda com eles?
Barnavi - Claro. O governo israelense é parcialmente responsável pela violência atual com as suas provocações no Monte do Templo [referindo-se à mesquita de Al Aqsa em Jerusalém que tem sido historicamente um foco de tensão entre judeus e muçulmanos] e as suas campanhas de colonização na Cisjordânia, entre outros atos .
Também é responsável porque Netanyahu negligenciou completamente a segurança e essa é uma das razões pelas quais ele deve sair.
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