Faixa de Gaza

Gaza: 'Eu ouvia crianças gritando durante os bombardeios'

Mais de 700 pessoas já morreram até agora em Gaza, segundo o governo que controla o território

Homem palestino caminha entre escombros em meio à destruição causada por ataques aéreos israelenses no bairro de al-Rimal, na cidade de Gaza, no início de 10 de outubro de 2023 -  (crédito: Getty Images)
Homem palestino caminha entre escombros em meio à destruição causada por ataques aéreos israelenses no bairro de al-Rimal, na cidade de Gaza, no início de 10 de outubro de 2023 - (crédito: Getty Images)
BBC
Redação - BBC News
postado em 10/10/2023 08:29 / atualizado em 10/10/2023 09:42

A densamente povoada Faixa de Gaza está sendo alvo de constantes bombardeios da contra-ofensiva israelense após o ataque do Hamas no último sábado (7).

O correspondente BBC News na Faixa de Gaza, Rushdi Abu Alouf afirma que "em 20 anos cobrindo esta área, a noite passada foi a mais difícil que já testemunhei".

"Durante a noite houve ataques aéreos massivos. Eu estava numa área da Cidade de Gaza onde a maioria dos edifícios foram destruídos. Houve sons terríveis de explosões, explosões no céu e cortinas de fumaça e chamas durante a noite", conta.

"Moro em um prédio residencial com cerca de 20 famílias. As crianças gritaram a noite toda e ninguém dormiu um minuto."

"Esta manhã consegui sair. Prédios estão desabando nas ruas e bairros inteiros foram arrasados."

Ele afirma que edifícios governamentais e universitários, uma mesquita e uma delegacia da polícia foram destruídos.

Mais de 700 pessoas já morreram até agora em Gaza, segundo o governo que controla o território.

O Ministério da Saúde de Gaza afirma que mais de 100 crianças e mais de 100 mulheres estão entre os mortos nos ataques aéreos israelenses.

De acordo com Rushdi Abu Alouf, na segunda-feira (9/10) houve o maior número de mortes em um único dia há muito tempo — cerca de 300 no total.

O governo de Gaza afirma que dois terços dos mortos eram civis.

As autoridades alertam que o local enfrenta a iminência de uma nova crise humanitária caso não seja permitida a entrada de suprimentos.

Na segunda-feira, Israel decretou um bloqueio total ao território, resultando na suspensão da eletricidade, da distribuição de alimentos, do fornecimento de combustível e da disponibilidade de água.

De acordo com relatos dos residentes, a ajuda humanitária não tem chegado ao enclave desde o último sábado.

Imagens da BBC mostram ruas desertas cobertas de escombros de edifícios desabados após ataques aéreos israelenses.

Israel havia dito aos palestinos em Gaza que deixassem a área usando a fronteira com o Egito. No entanto, essa possibilidade não está aberta para todos.

A fronteira não está completamente fechada, mas apenas 400 pessoas por dia conseguem atravessá-la. Existe uma enorme lista de espera.

As rotas de saída de Gaza para as pessoas comuns são de difícil acesso há muito tempo — especialmente desde que Israel iniciou a retaliação ao Hamas.

A única opção para quem quer escapar de ataques aéreos é se abrigar em escolas geridas pela ONU. Mas estes abrigos improvisados já estão com 90% da capacidade e não conseguem acomodar mais pessoas, segundo a ONU.

Para quem não consegue deixar Gaza ou se abrigar em locais da ONU, restam poucas opções. É possível, por exemplo, se esconder no porão das casas e prédios — mas elas correm o risco de ficarem presas lá embaixo, caso a construção acima seja destruída por um míssil.

Na noite de segunda-feira, cerca de 30 famílias ficaram presas em um porão. As pessoas têm telefonado para os jornalistas pedindo ajuda.

'Acordei com sons de explosão', diz cirurgião britânico

Abdul Qadir Hammad, um cirurgião britânico em uma viagem de caridade a Gaza descreveu como os constantes bombardeios de Israel o forçaram a cancelar todas as cirurgias que estava programado para realizar.

Ela estava em Gaza como parte da Iniciativa Internacional de Transplante de Liverpool, que ajuda pessoas sem acesso a cuidados médicos críticos.

Hammad tinha algumas cirurgias agendadas para sábado - o mesmo dia em que militantes do Hamas lançaram um ataque mortal em Israel.

Ele testemunhou os ataques aéreos que Israel lançou contra Gaza em retaliação.

O cirurgião disse que não havia indícios do que estava por vir na sexta-feira, quando foi verificar seus pacientes no hospital Al-Shifa - o maior complexo de saúde pública na Faixa de Gaza.

Ele tem visitado a Faixa de Gaza há décadas para ajudar pacientes locais.

Segundo ele, as coisas mudaram drasticamente no sábado, quando "acordou com sons de explosões na manhã seguinte".

"Eu imediatamente entrei em contato com o diretor do hospital Al-Shifa e perguntei se ainda era seguro fazer as cirurgias, e ele disse que sim, acho que está tudo bem", disse ele.

"Mas então, em 20 minutos, olhando as notícias, ficou claro que não era o caso", acrescentou, dizendo que foram forçados a cancelar todas os procedimentos programados.

Com medo por sua segurança, ele entrou em contato com a Organização Mundial da Saúde e foi informado de que não era seguro para ele permanecer no hotel.

"Houve ataques aéreos e bombardeios contínuos desde então", disse ele ao programa de rádio Newshour da BBC de uma instalação da ONU onde ele e cerca de 20 outros estrangeiros têm vivido desde domingo.

O desligamento de eletricidade, comida e água será "devastador para a população civil e os hospitais", disse ele. "Isso causará um desastre humanitário."

Embora muitas organizações de direitos humanos e de ajuda tenham criticado o ataque indiscriminado dos militantes do Hamas, também levantaram preocupações sobre Israel bloquear o fornecimento vital de alimentos e energia para entrar em Gaza.

"A insuficiência renal em qualquer parte do mundo coloca uma grande carga sobre o paciente", disse Hammad, "mas em Gaza, na verdade, é uma ameaça à vida. Os transplantes de rins são salvadores de vidas para esses pacientes."

Sua própria segurança também é uma preocupação, disse ele, acrescentando que está pensando em sua família no Reino Unido.

Um funcionário da ONU disse a eles que atravessar para Israel seria difícil devido ao conflito. A única maneira segura de sair de Gaza é organizar uma passagem segura para o Egito, mas isso exigirá negociações complexas com autoridades israelenses e egípcias, disse o funcionário.

Embora preocupado, Hammad disse que a instalação onde está é relativamente segura, com eletricidade, comida, água e até mesmo internet.

Mas ele está preocupado com as pessoas em Gaza sem acesso a essas coisas e destacou a triste ironia de sua situação.

"Quando venho aqui, meu objetivo é salvar três, quatro, talvez cinco vidas fazendo transplantes de rim. Mas é fácil matar 2 mil pessoas em dois dias", disse ele.

"Às vezes você se pergunta qual é o sentido de fazer tudo isso."

*Com reportagem de Derek Cai

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