Era shabat, dia de descanso para o judaísmo. Também era feriado de Simchat Torá, quando uma parte do livro sagrado dos judeus é lida, e dia seguinte ao 50º aniversário da guerra do Yom Kippur (conflito entre Israel, Egito e Síria). Às 5h30 de sábado, 7/10 (23h30 de sexta-feira em Brasília), Israel foi surpreendido pelo disparo de 5 mil foguetes em 20 minutos a partir da Faixa de Gaza. Enquanto isso, centenas de militantes do grupo fundamentalista palestino Hamas atacavam de surpresa o território israelense, em uma operação que chamaram de "Dilúvio Al-Aqsa".
A invasão sem precedentes ocorreu por terra, pelo ar (com parapentes) e pelo mar, no que analistas consideram uma falha dos serviços de inteligência israelenses. Ao avançarem pelo sul de Israel, os membros do Hamas iniciaram um massacre: executaram motoristas, dispararam contra civis nas ruas e invadiram casas em kibbutzim (comunidades coletivas) e em cidades. Até o fim da noite deste sábado, o número de israelenses mortos passava de 300; 1.590 ficaram feridos, 312 em estado grave. Dezenas de civis e soldados foram sequestrados e levados para Gaza. O premiê de Israel, Benjamin Netanyahu, anunciou que "o Exército usará imediatamente toda a sua força para desativar as capacidades do Hamas". "Nós os golpearemos até a morte."
O premiê avisou aos israelenses: "Nós estamos em guerra, não em uma operação, mas em uma guerra". Ele instou os palestinos a saírem da Faixa de Gaza e prometeu reduzir esconderijos do Hamas a "ruínas". As Forças de Defesa de Israel (IDF) lançaram a Operação Espadas de Fogo e bombardearam vários pontos do enclave. Pelo menos 232 palestinos morreram nas primeiras hora da ofensiva. No fim da noite, as IDF declararam o entorno da fronteira com Gaza como "zona militar fechada".
Em vídeos divulgados pelas redes sociais, militantes do Hamas gritavam "Allahu Akbar" (Alá é grande) enquanto colocavam uma israelense ensanguentada em um carro. Em outro vídeo, um soldado de Israel é puxado de cima de um tanque de guerra e jogado ao chão. Às 15h (hora local) de sábado, um morador do kibbutz de Sufa, a 2.400m da fronteira com Gaza, descreveu o horror ao Correio. "Combates no kibbutz, os terroristas se movem entre as casas", disse.
#BREAKING: Capture of an Israeli soldier from his tank #IsraelUnderAttack #Explosion #Israel #Attack #Gaza #Strike #Palestinian #Militias #Gunmen #Sderot #Firing pic.twitter.com/r8bwIHkqlF
— mishikasingh (@mishika_singh) October 7, 2023
A 5km do território palestino, na cidade de Sderot, o relações públicas Dov Trachtman, 32 anos, contou à reportagem que acordou com o som de sirenes e a explosão de foguetes às 6h30 (hora local). "Cerca de uma hora depois, escutamos sobre possíveis terroristas que teriam entrado na cidade a partir de Gaza. Então, chegaram vídeos de terroristas com armas, dirigindo pela cidade. Começamos a escutar tiroteios. Às 10h, vi fotos de civis assassinados pelas ruas. Aparentemente, o Hamas tomou a delegacia daqui." Segundo ele, as autoridades ordenaram aos moradores que ficassem em casa e que trancassem as portas. "Ainda há terroristas aqui. As pessoas temem ser mortas em casa ou sequestradas pelo Hamas. Rezamos para que isso pare, e os reféns sejam libertados. Perdemos amigos, membros da comunidade", desabafou.
"Equação básica"
Porta-voz internacional das IDF, Jonathan Conricus avaliou que o ataque de ontem foi inédito, em escopo, em gravidade e em resultados. "Haverá uma resposta israelense também sem precedentes, essa é a equação básica. Onde isso levará e o que ocorrerá ao Hamas ainda não está claro", disse à reportagem, por telefone. O ex-comandante das tropas em Gaza admitiu que os militantes prepararam tudo sem que as IDF tomassem conhecimento dos planos. "Haverá importantes e pesadas lições a serem aprendidas e implementadas rapidamente", declarou. Conricus contou que centenas de membros do Hamas foram mortos dentro de Israel.
Também por telefone, Mutee Abu Musabeh, chefe do Departamento de Mídia Estrangeira do Hamas, admitiu ao Correio que os ataques representarão um "ponto de virada" em relação ao conflito na região. "Haverá muita repercussão e consequências nos próximos dias. O povo palestino tem sofrido por décadas. Particularmente, depois que o atual governo israelense tomou posse, houve um aumento dos crimes cometidos por Israel sob a proteção desse gabinete", ressaltou. A liderança do Hamas assegura que os palestinos "nada têm a perder". "Nosso povo tem sido assassinado o tempo todo e massacrado nos postos de controle, e a Faixa de Gaza segue sitiada. A nossa terra é confiscada diariamente", acrescentou, ao classificar o ataque como "justificável".
Efraim Inbar, presidente do Instituto para Estratégia e Segurança de Jerusalém, vê um "ataque bem-sucedido sem precedentes do Hamas". "Não podemos tolerar isso. Foi, obviamente, uma terrível falha de inteligência das autoridades israelenses. Será preciso uma investigação para entender por que isso ocorreu e como reparar os erros", disse ao Correio. Em relação aos reféns, o especialista aposta que Israel não se deixará levar por chantagens. "Temos que entrar em Gaza e tentar encontrar os reféns, mortos ou vivos. Nossos soldados tentarão resgatá-los, mas não acho que terão sucesso." Para Inbar, Israel não tem escolha, a não ser invadir, encontrar a cúpula do Hamas e suas forças militares, e destruí-las."
Cientista político da Universidade Bar-Illan (em Ramat Gan, subúrbio de Tel Aviv), Eytan Gilboa defendeu uma "grande represália" contra "o assassinato indiscriminado de centenas de israelenses, incluindo idosos, mulheres e crianças, por parte do Hamas e da Jihad Islâmica". "Isso ocorrerá nos próximos dias. Os palestinos pagarão um alto preço, incluindo os civis. A retaliação pode incluir uma incursão em Gaza, a destruição de instalações das facções palestinas, e a devastação da infraestrutura militar do Hamas e da Jihad Islâmica. Mas, levará tempo", explicou à reportagem. Segundo Gilboa, o sequestro dos israelenses não é um "tema principal" agora. Ele avalia que as IDF combaterão os militantes, em Gaza, como se não houvesse reféns. "Isso será um assunto tratado depois da guerra."
PONTOS DE VISTA
POR JONATHAN CONRICUS
"É preciso aniquilar o inimigo"
"Israel não pode permitir que um evento dessa magnitude seja escrito na história sem aniquilar o inimigo. Isso significa que o Hamas precisa ser aniquilado, expulso de Gaza e destituído do poder, para que a situação mude fundamentalmente na fronteira com Gaza. O Hamas utilizou praticamente toda a sua capacidade de arsenal, em terra, mar e ar. De forma simultânea, eles usaram drones, parapentes, botes de ataques, picapes, motocicletas e outros veículos. Foi um esforço conjunto simultâneo, preparado com muita antecedência. Israel também mobilizou uma força sem precedentes. Todas as opções estão à mesa. Acredito que seja apenas questão de tempo que Israel lance uma invasão completa à Faixa de Gaza."
Porta-voz internacional das Forças de Defesa de Israel (IDF)
POR MUTEE ABU MUSABEH
"Foi um ataque justificável"
"Esse ataque é totalmente justificável. Ele ocorre em decorrência da escalada dos crimes israelenses contra o povo palestino, especialmente em Jerusalém. Ante esses crimes, a resistência palestina não pode permanecer em silêncio, sem que haja qualquer resposta. Toda reação da resistência palestina é garantida pelo direito internacional e pela legislação. A ocupação israelense é principal responsável por todo tipo de qualquer resposta. Por muitas vezes, a resistência palestina advertiu a ocupação israelense a não cruzar a linha vermelha. A Mesquita de Al-Aqsa, em Jerusalém, é uma linha vermelha para os palestinos. A ocupação israelense carrega a consequência de qualquer resposta."
Chefe do Departamento de Mídia Estrangeira do Hamas
VOZES DA DIPLOMACIA
"Acordamos e descobrimos que os terroristas de Gaza se infiltraram em Israel com grande força e fizeram uma matança de centenas de pessoas nas ruas, vilarejos e cidades israelenses. Eles romperam a cerca, chegaram pelo céu, pelo mar e por terra. Fizeram reféns. Enquanto falamos, o Hamas tem reféns e ameaça matá-los. Levaram idosos, mulheres e crianças para Gaza, como prisioneiros. Eles dessacraram os corpos dos mortos, dançaram e cantaram sobre eles. Foram cenas horríveis. A primeira meta de Israel é limpar a região da presença do Hamas e resgatar o maior número possível de israelenses. A segunda é eliminar a ameaça. Esse ato do Hamas é horrível e desumano. Nesse momento, há 22 pontos de combates em Israel. Este é um histórico evento, que será respondido de acordo."
Or Shaul Keren, porta-voz da Embaixada de Israel em Brasília
"Infelizmente, a comunidade internacional não foi capaz de dissuadir Israel e os colonos de cometerem crimes contra o povo da Palestina, os seus santuários e os seus direitos. A liderança palestina alertou para a continuação dessas violações, dos assassinatos deliberados, da profanação de locais sagrados e dos insultos a fiéis, xeques e monges. Sabíamos que isso traria inevitáveis repercussões sangrentas, das quais vidas inocentes seriam vítimas. Esta pode ser uma última oportunidade para a comunidade internacional e os Estados ativamente responsáveis pela segurança colocarem fim à violência e abordarem as suas principais causas, que são a ocupação, a colonização e a privação do povo palestino dos seus direitos legítimos garantidos por resoluções de legitimidade internacional."
Ibrahim Alzeben, embaixador da Palestina em Brasília