Ao inaugurar a 16ª Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, com uma missa na Praça de São Pedro, o papa Francisco sinalizou a expectativa em relação a uma Igreja Católica mais inclusiva. "Este olhar acolhedor de Jesus convida-nos, também, a sermos uma Igreja hospitaleira, não com as portas fechadas. A Igreja das portas abertas para todos, todos, todos!", declarou o pontífice.
Francisco sublinhou que a Igreja "sempre precisa de purificação, de ser reparada". "Todos nós somos um povo de pecadores perdoados (ambas as coisas: pecadores e perdoados), sempre necessitados de regressar à fonte, que é Jesus, e de nos colocarmos novamente nos caminhos do Espírito Santo para chegar a todos com o seu Evangelho", observou.
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Durante as próximas quatro semanas, os 365 membros do Sínodo com direito a voto e mais de 100 especialistas debaterão, a portas fechadas, temas que encontram a resistência da ala conservadora da Igreja, como o tratamento dispensado aos fiéis da comunidade LGBTQIAP+ e aos divorciados. O evento terá importância histórica: pela primeira vez, freiras e mulheres laicas terão o direito de participar das consultas do Sínodo e de votar.
A julgar pela retórica do papa, a Santa Sé estuda uma posição mais acolhedora em relação aos homossexuais. "Não estamos aqui para fazer uma reunião parlamentar ou um plano de reforma, mas para caminhar juntos", disse Francisco. O papa também advertiu contra "algumas tentações perigosas: ser uma Igreja rígida, que se arma contra o mundo e olha para trás; ser uma Igreja apática, que se submete às modas do mundo; ser uma Igreja cansada, fechada em si mesma".
"Todos, todas e todes"
Para Fernando Altemeyer Júnior, professor de teologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), o caminho para uma Igreja mais inclusiva é "mantendo as portas abertas para todos, todas e todes". "A Igreja precisa retomar, ativamente, a prática inclusiva do Jesus histórico em suas ações e palavras terapêuticas. Jesus é, e sempre será, o paradigma acima dos legalismos e moralismos excludentes. Sempre podemos nos inspirar em seu encontro com o soldado romano, com os jovens, os hansenianos, as pessoas com crises epiléticas, mulheres, homens e, mesmo de certa forma, em seu contato amoroso com Lázaro, Maria e Marta, que nos permitem descobertas psicanalíticas de grande profundidade e abertura", afirmou ao Correio.
Ao ser questionado sobre a possibilidade de a Igreja se abrir para o público LGBTQIAP+, ele lembrou que toda pessoa é filho e filha amada de Deus. "Ninguém fica fora do útero divino. A Igreja de Jesus, conduzida pelo Espírito Santo não pode segregar nem perseguir nenhum filho ou filha de Deus Pai Criador. Todos e todas são silhuetas divinas em sua diversidade de genero, raça e etnia", comentou. Altemeyer ressalta que a diferença enobrece a Igreja, por meio da comunhão. "Sonho que cada pessoa, do jeito que é e se assumiu em seu viver, possa amar e ser amada. Seremos julgados pelo amor no amor e para o amor. Onde há amor, Deus aí está", destacou.
A intenção de Francisco de abrir as portas da Igreja encontra a resistência de cinco cardeais conservadores. Na véspera do encontro dos bispos, o alemão Walter Brandmüller, o guianês Robert Sarah, o mexicano Juan Sandoval Íñiguez, o norte-americano Raymond Burke, e o chinês Zen Ze-kiun enviaram uma carta aberta ao papa e aos fiéis, por meio da qual pedem a Francisco que reafirme a doutrina católica sobre o tratamento aos casais homossexuais e a ordenação de mulheres.
Os purpurados também externaram o receio de que os assuntos abordados no Sínodo afugentem muitas pessoas da Igreja. Em resposta, o pontífice deixou em aberto a possibilidade de os casais homoafetivos receberem algum tipo de bênção por parte dos sacerdotes. "A prudência pastoral deve discernir adequadamente se há formas de bênção, solicitadas por uma ou mais pessoas, que não impliquem um conceito equivocado de matrimônio", escreveu Francisco, ao sustentar que "não podemos ser juízes que apenas negam, rejeitam e excluem".
"Passo adiante"
Diretor-executivo do New Ways Ministry ("Ministério Novos Caminhos") — organização de defesa e justiça para católicos LGBTQIAP+ sediada em Mount Rainier (Maryland) —, Francis DeBernardo considera "emocionante" o fato de o Sínodo debater a acolhida aos homossexuais. "Temos lutado por isso há muito tempo. Estou 100% certo de que veremos um grande movimento. O Sínodo não modifica a doutrina da Igreja. Tudo o que ele faz é oferecer um conselho para o cuidado pastoral. Mas até mesmo melhores cuidados pastorais para as pessoas LGBTQIAP+ seria um grande passo adiante", admitiu ao Correio.
DeBernardo reconhece a ala mais conservadora da Igreja como um problema para a abertura da instituição, mas aposta que os cardeais desse setor estarão propensos ao diálogo. "Eles aprenderiam muito sobre as pessoas LGBTQIAP+ e sua jornada pela fé. O papa acenou positivamente, agora, cabe aos conservadores decidirem se querem estar abertos às discussões." Segundo ele, o simples fato de o Sínodo debater o tema será "uma grande abertura". Ele explicou que a Igreja Católica move-se em passos. "Por muitos anos, ficou sem dar o primeiro passo. Isso está ocorrendo agora."
EU ACHO...
"Para os integristas, fora da Igreja não há salvação. Para Francisco, fora do amor e do perdão não há Igreja. Os integristas estão tão aferroados aos conceitos, que se tornaram nominalistas e excludentes. Francisco pretende o diálogo onde o mistério de Deus fecunda o mistério humano pela graça superabundante. Os integristas falam de pecado e do medo do inferno. Francisco proclama a alegria do Evangelho e o abraço carinhoso em toda a humanidade, de qualquer credo ou nação. Francisco vai fazer das tripas coração. O Sínodo atual será um grande evento carismático, com surpresas e alegrias, mesmo que haja tensões. Do diverso virá a unidade, sem uniformidade."
Fernando Altemeyer Júnior, professor de teologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)
"Em muitos locais dos Estados Unidos, as pessoas LGBTQIAP+ são bem-vindas nas paróquias católicas. Mas elas são separadas dos demais fiéis, pois não podem casar na Igreja Católica. Algumas vezes, quando se casam no civil, são dispensadas de trabalhos eclesiásticos. Também há locais em que eles não são bem recebidos. Nos EUA e em muitos lugares da Europa e da América Latina, incluindo no Brasil, há boas discussões em andamente com as pessoas LGBTQIAP+ na Igreja Católica."
Francis DeBernardo, diretor-executivo do New Ways Ministry (em Mount Rainier, Maryland, EUA)
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