Mais de 28 mil armênios da república autoproclamada de Nagorno-Karabakh, no Azerbaijão, cruzaram a fronteira com a Armênia. O número representa quase 25% da população total da região. Apenas nesta terça-feira (26/09), foram 15 mil civis em fuga, revelou o governo armênio. Os moradores de Karabakh começaram a partir depois que o governo de Yerevan denunciou planos do Azerbaijão de promover uma "limpeza étnica" no enclave. Na segunda-feira, a explosão de um depósito de combustível perto da capital Stepanakert deixou pelo menos 125 mortos, segundo a agência de notícias Interfax Azerbaijão. As autoridades separatistas armênias confirmaram 68 vítimas. A tragédia ocorreu no momento em que os civis faziam fila para encher galões de gasolina, antes de seguirem viagem pelo corredor Lachin, a única via que liga Nagorno-Karabakh à Armênia.
Por telefone, de Stepanakert, Artak Beglaryan — ex-encarregado de direitos humanos em Nagorno-Karabakh — disse ao Correio que, além dos 28 mil civis em fuga, "muitos outros aguardam em filas o momento do embarque". "A situação é muito grave. Temos problemas sérios. A eletricidade foi recuperada no domingo. Durante cinco dias, ficamos sem energia elétrica. Até o momento, mais de 200 pessoas morreram em combates, 400 ficaram feridas e várias outras estão desaparecidas", relatou.
De acordo com Beglaryan, a população restante de Nagorno-Karabakh, cerca de 98 mil pessoas, enfrenta escassez de alimentos, de produtos de higiene e de medicamentos. "Nós perdemos vidas por causa da falta de remédios. É muito trágico. Muitos vilarejos estão totalmente esvaziados, depois que os moradores fugiram. Temos habitantes somente em Stepanakert e em algumas vilas", disse. Ele acrescentou que os ataques das forças do Azerbaijão cessaram. "Nosso exército foi desmantelado."
Beglaryan acredita que, se a comunidade internacional assegurar a proteção dos armênios, aceitar a presença de forças de paz na região e conceder um alto nível de autonomia em relação ao Azerbaijão, a maioria da população tenderá a retornar para seus lares. Os civis começaram a fugir de Nagorno-Karabakh, apesar das promessas do presidente do Azerbaijão, Ilham Aliyev, de que garantiria os direitos de quem decidisse ficar no enclave.
Rashad Novruz, embaixador do Azerbaijão em Brasília, explicou ao Correio que, depois de uma rápida operação antiterror de 23 horas de duração, a comunidade armênia de Karabakh exerceu pressão contra seu líder recentemente eleito. "Cerca de 10 mil militares começaram a se desarmar e a se desmantelar. Dezenas de soldados armênios começaram a sair, por meio do corredor Lachin. Mas o primeiro-ministro da Armênia, Nikol Pashinyan e o novo líder eleito em Karabakh, demoraram muito para informar sobre o fim da operação. As pessoas de Karabakh imaginavam que ela continuava", afirmou.
Segundo o diplomata, muitos moradores de Karabakh vieram do Exército armênio e, depois do serviço militar, permaneceram na região, onde casaram e constituíram família. "Eles jamais imaginavam que teriam que deixar Karabakh por causa de sua autoridade separatista, reeleita um mês atrás. Quando o Azerbaijão interrompeu sua operação antiterror e convocou uma reunião entre a comunidade armênia, em Yevlak, seis dias atrás, Pashinyan anunciou que 'não havia prova substancial de ameaça às vidas dos armênios em Karabakh'", disse Novruz. "Mas era tarde demais. Uma autoridade separatista em Karabakh contou uma história diferente, e as pessoas não acreditaram em ninguém. Somente queriam fugir. O Azerbaijão se apressou em realizar um segundo encontro em Khojaly, na segunda-feira passada, e anunciou suprimentos de combustível e assistência médica a Karabakh", acrescentou.
Ainda de acordo com o embaixador, alguns separatistas que se recusaram a baixar armas e cidadãos armênios começaram a espalhar notícias sobre uma catástrofe e assassinatos em massa de civis de Karabakh. "Nada disso aconteceu. No entanto, algumas pessoas interpretaram de forma errada os apelos de Pashinyan. O premiê armênio apenas tinha dito que, se alguém quisesse sair, poderia fazê-lo e que haveria abrigo e comida para eles na Armênia. O pior ocorreu horas depois. Senhores da guerra começaram a disseminar fofocas e peças de fake news entre civis", denunciou Novruz.
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Ele frisou que o seu país detalhou um plano para reintegração da comunidade armênia em um espaço constitucional do Azerbaijão. "Fizemos duas reuniões com a comunidade armênia e distribuímos mais de 40t de alimentos. Nos últimos três dias, aumentamos o suprimento de energia, comida e remédios para a comunidade armênia. Criamos uma unidade móvel de saúde e instalações para distribuição de alimentos em Karabakh. Algumas pessoas pararam com o pânico e começaram a se organizar em grupos. O presidente do Azerbaijão chamou a comunidade armênia a se integrar à sociedade azerbaijana e a gozar de direitos salvaguardados pela Constituição", disse Novruz, segundo o qual não existiu um êxodo em massa.
"O Azerbaijão e a Armênia enviam novas mensagens de esperança: a decisão de Baku de enviar o vice-premiê a Karabakh para avaliar as necessidades da comunidade armênia e as notícias sobre possíveis encontros entre conselheiros do presidente e do primeiro-ministro da Armênia", concluiu.