Por Denise Rothenburg, Rodrigo Craveiro - Ao fim de quase quatro anos no comando da Embaixada da Itália, em Brasília, Francesco Azzarello, 64 anos, considera a experiência no Brasil como "desafiadora", "estimulante" e "linda". Em entrevista ao Correio, o embaixador avalia de forma positiva o comércio entre os dois países, mas critica a imposição de barreiras, que "penalizam os possíveis investidores". Formado em economia e com 37 anos de carreira diplomática, Azzarello defende o acordo entre Mercosul e União Europeia (UE) e acredita que as tratativas resultariam em enormes beneficios para o Brasil. Para ele, a Itália não tem a capacidade de enfrentar e resolver, sozinha, a crise migratória. "É necessário um esforço sério, honesto e coordenado, em nível internacional e europeu", observa. Em relação à guerra entre Rússia e Ucrânia, o embaixador diz ser necessário honestidade política para enfrentar a situação e tentar facilitar uma solução.
O senhor termina este mês seu período servindo no Brasil. Que balanço faz da sua estada aqui? O que foi possível avançar na relação entre os dois países?
Foi uma experiência muito desafiadora, estimulante e linda. Nas relações bilaterais Itália-Brasil, o trabalho é potencialmente infinito. Ele pode se estender por todo o país, abrangendo qualquer tema. Mais do que avançar, eu diria que continuamos e consolidamos, expandindo e aprofundando. Um exemplo para todos é o setor científico e da pesquisa. Mas, em geral, eu diria que os dois países são complementares, em todas as áreas, inclusive naquela crucial das relações humanas.
O senhor vê um potencial de crescimento do comércio bilateral entre Itália e Brasil? Que investimentos em nosso país mais interessam ao governo italiano?
O comércio está indo bem, mas seu potencial é limitado pelas fortes barreiras à entrada. Essas barreiras também penalizam os possíveis investidores, pois afetam o sistema de custos de produção e, portanto, os preços. No fim, o processo de industrialização é prejudicado, com possíveis transferências de tecnologia e de treinamento de mão de obra qualificada. A Itália é um grande investidor no Brasil, em vários setores, inclusive estratégicos. Nossa filosofia é, sempre que possível, a parceria com os locais. Os brasileiros estão recentemente mostrando sinais de interesse em investir na Itália, e eu os encorajaria a fazê-lo cada vez mais. A Itália é um parceiro ideal para o Brasil. Somos confiáveis e leais.
Como vê a possibilidade de um acordo entre Mercosul e União Europeia? De que modo isso pode ser benéfico para a Itália?
Do lado europeu, há grande interesse e disposição para encerrar as negociações e encontrar soluções aceitáveis para todos. A Itália sempre foi a favor do acordo, e todos devem aceitar compromissos razoáveis. O Acordo UE-Mercosul também traria enormes benefícios para o Brasil. Precisamos de equilíbrio e de serenidade de julgamento. Devemos evitar preconceitos e condicionamentos ideológicos.
A primeira-ministra Giorgia Meloni defendeu que o fluxo de imigração ilegal não é solução para a crise demográfica europeia. De que modo o senhor analisa isso? Qual seria a solução para a crise?
Obviamente, eu não faço comentários sobre as palavras da minha primeira-ministra. No entanto, posso lembrar a todos que a imigração ilegal na Itália vem ocorrendo há décadas e que nosso país e seu povo têm sofrido muito com isso. Por muito tempo, a Itália se sentiu abandonada a si mesma diante de um problema gigantesco, que ela é absolutamente incapaz de enfrentar, quanto mais de resolver sozinha. É necessário um esforço sério, honesto e coordenado, em nível internacional e europeu. Por trás de tudo, é claro, permanece o espírito de acolhimento e de ajuda fraterna, que sempre caracterizou a política italiana e é parte integrante do DNA dos italianos, um povo generoso e altruísta. Mas há limites além dos quais não se pode ir.
Qual é a posição da Itália em relação à guerra na Ucrânia? Vocês têm enviado armas a Kiev, a exemplo de outros países, como Alemanha e EUA?
Em uma observação feita totalmente em nome pessoal, a guerra de agressão da Rússia na Ucrânia me faz pensar cada vez mais, só de olhar as imagens disponíveis na internet e nos canais sociais, sobre alguns aspectos trágicos da Segunda Guerra Mundial. O que está acontecendo no coração da Europa na década de 2020 deixa qualquer um sem palavras. Idosos, mulheres, crianças, toda a população indefesa e, depois, igrejas, hospitais e casas de civis, todos mortalmente atingidos. É preciso muita prudência, equilíbrio e sabedoria, determinação e honestidade, inclusive honestidade política, para enfrentar a situação e tentar facilitar uma solução. A Itália, desde o primeiro momento, juntamente com os países da União Europeia e de outros Estados europeus e não europeus, condenou, sem hesitação, e participou dos esforços para apoiar a defesa ucraniana contra a agressão russa. Só podemos rezar pela paz e esperar que todos, indiscriminadamente, tentem facilitá-la, sem criar mais divisões, o que o mundo certamente não precisa.
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