Diplomacia

Ucrânia: Lula e Zelensky debatem os caminhos para a paz

Presidentes do Brasil e da Ucrânia se reúnem em Nova York, ensaiam reaproximação e se comprometem a debater meios para encerrar a guerra. Especialistas veem "contenção de danos" e "desenvolvimento positivo"

Por Denise Rothenburg, enviada especial em Nova York, e Rodrigo Craveiro —Foi uma reunião de 70 minutos marcada pelo clima amistoso, pela promessa de cooperação e pela sensação de uma "quebra no gelo" entre os dois países, depois de declarações polêmicas do chefe de Estado brasileiro.

Acompanhados de assessores, Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, conversaram no Lotte New York Palace Hotel, em Manhattan, a 13 minutos da sede das Nações Unidas, e debateram meios de chegar à paz no Leste Europeu.

“Foi a reunião que precisava acontecer. Eu ouvi a história do Zelensky, disse para ele sobre a necessidade de trabalhar para construir a paz, de encontrar um grupo de países amigos que pudesse construir uma proposta que não fosse nem de um nem de outro país que está em guerra, e que a negociação em uma mesa de diálogo é muito mais barata do que uma guerra. Não tem vítima, não tem morte e não tem tiro”, afirmou Lula.

Por sua vez, Zelensky classificou o encontro como "importante". "Depois de nossa discussão honesta e construtiva, instruímos as nossas equipes diplomáticas a trabalharem sobre os próximos passos nas nossas relações bilaterais e nos esforços de paz", escreveu Zelensky, que chegou dez minutos atrasado e entrou por uma porta lateral do hotel. "O representante brasileiro continuará participando das reuniões da Fórmula da Paz", acrescentou. 

O ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, disse a jornalistas que Lula e Zelensky "tiveram uma longa discussão, em um ambiente tranquilo e amigável, em que trocaram informações sobre cada um dos países e a situação do mundo neste momento". "Os presidentes instruíram suas equipes e seus ministros do Exterior a continuarem em contato para desenvolver as relações bilaterais e discutir sobre possibilidades de paz", declarou. Segundo o chefe da diplomacia, Lula instruiu um "representante pessoal" a participar das reuniões do processo de Copenhague para discutir possibilidades de paz". "Foi o primeiro encontro pessoal entre os dois presidentes, que tinham se falado por videoconferência. Foi um encontro muito natural, muito aberto e de troca de informações, em um clima muito distendido", contou Vieira.

 

Da comitiva ucraniana, participaram cinco assessores: Andriy Yermak, chefe de Gabinete de Zelensky; Dmytro Kuleba, ministro das Relações Exteriores; Andrii Sybiha e Ihor Zhovka, assessores para Política Externa; e Roman Mashovets, assessor-chefe para Assuntos Militares. Kuleba cometeu uma gafe, ao dar declarações ao lado de Vieira, e citou o presidente russo, Vladimir Putin. "Nós apreciamos a decisão do presidente Putin... oh, do presidente Lula, ao afirmar que o seu conselheiro de Segurança Nacional continuará a tomar parte na coordenação de reuniões e da fórmula da paz proposta pelo presidente Zelensky". O chanceler ucraniano também enalteceu o encontro. "Eu poderia usar o termo não diplomático 'quebra-gelos'. Não para mencionar que existia um gelo entre os dois países, mas a conversa foi muito morna. Honestamente, acho que ambos os presidentes entendem as posições do outro de uma forma muito melhor do que antes", admitiu.

A reunião entre os dois líderes era bastante aguardada. Em maio passado, um encontro agendado para a cúpula do G7, em Hiroshima (Japão), fracassou porque, segundo Lula, Zelensky teria se atrasado e não compareceu. Na ocasião, o ucraniano disse que a decepção "foi do brasileiro" pela conversa não ter acontecido. Para Angelo Segrillo, professor de história da Universidade de São Paulo (USP), a conversa de ontem foi uma espécie de "contenção de danos". "Depois de alguns desencontros em fóruns anteriores e das dificuldades de um entender a posição do outro, com Lula parecendo ter colocado a Ucrânia e a Rússia igualmente culpadas pelo conflito, essa reunião marcou uma certa reaproximação, saindo um pouco dos problemas anteriores", explicou ao Correio

Ricardo Stuckert - Lula e Zelensky se cumprimentam após a reunião bilateral aguardada

Apesar de não acreditar em uma profunda reaproximação entre Brasília e Kiev, Segrillo vê uma busca de um caminho comum entre os dois governos. "Esse foi o sentido principal da reunião, mais do que apontar alguma forma de o Brasil atuar mais ativamente no diálogo na Ucrânia", disse o historiador.

Por sua vez, Peter Zalmayev — diretor da organização não governamental Eurasia Democracy Initiative (em Kiev) — avaliou o encontro entre Lula e Zelensky como uma ofensiva diplomática entre os países do Hemisfério Sul. "A Ucrânia tenta alcançar nações da América, da África e da Ásia com as quais nunca tinha se engajado. A Rússia, por sua vez, tem mantido relações com elas há décadas. Kiev tenta explicar-lhes que isso não é apenas uma guerra entre Rússia e a Ucrânia, mas da Rússia com o mundo inteiro", comentou à reportagem. 

Para Zalmayev, o encontro de ontem foi um "desenvolvimento positivo". "Lula deve estar ciente que Putin sempre usa outros países, como o Brasil, para atingir seus próprios objetivos. E precisará ter muita cautela nas próximas semanas e meses", advertiu. 

Conselho de Segurança

Mais cedo, Zelensky participou de uma sessão especial do Conselho de Segurança, quando confrontou o embaixador russo na ONU, Vasili Nebenzia. "A maioria dos países do mundo reconhece a verdade sobre esta guerra. Trata-se de uma agressão criminosa e injustificável da Rússia contra nossa nação, destinada a apoderar-se do território e dos recursos da Ucrânia", denunciou. "Nada mudou para a Rússia nas Nações Unidas. A ONU se encontra em um beco sem saída. A humanidade não vê as Nações Unidas com esperança, no que diz respeito à defesa das fronteiras soberanas."

O presidente ucraniano defendeu uma reforma do Conselho de Segurança e citou as possíveis entradas de Alemanha, Japão e Índia. No entanto, omitiu o Brasil. A avaliação do governo brasileiro é de que as chances de o Brasil obter um assento permanente ficam reduzidas. Zelensky também instou o Conselho a bloquear o direito de veto da Rússia nas votações de resoluções.

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