Aplausos, punhos cerrados, sorrisos fartos. Estas foram as reações do presidente americano Joe Biden quando seu colega brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que os dois países vivem um momento “excepcional” e o encontro entre os dois políticos representa "o renascer de um novo tempo entre o Brasil e os Estados Unidos".
A reunião entre os dois presidentes começou às 13h27, no horário de NY e durou cerca de uma hora.
Do lado brasileiro, além de Lula, participaram os ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Marina Silva (Meio Ambiente), o assessor especial Celso Amorim, o senador Jaques Wagner (PT-BA), a embaixadora do Brasil nos EUA, Maria Luiza Viotti, e o assessor-adjunto internacional do Planalto, Audo Faleiro.
Do lado americano, estavam a secretária do Tesouro, Janet Yellen, o secretário-adjunto de Estado para o Hemisfério Ocidental, Brian Nichols, o Enviado Climático John Kerry, e a embaixadora dos EUA no Brasil, Elizabeth Bagley, entre outros.
"Essa reunião não é apenas uma reunião bilateral, há uma perspectiva conjunta de trabalho excepcional com os EUA", disse Lula.
Biden foi na mesma linha. "Nós temos a obrigação de liderar a próxima geração para um mundo melhor A Intenção de Brasil e EUA é de fazer isso juntos."
A reunião Lula e Biden, às margens da Assembleia Geral da ONU, em Nova York, e o evento com sindicalistas de Brasil e Estados Unidos dos quais os dois líderes também participaram na tarde desta quarta, 20 de setembro, devem elevar a parceria entre os dois países a um “novo patamar”.
Esta tem sido a interpretação de diplomatas brasileiros e americanos e de integrantes do Planalto e da Casa Branca sobre a agenda de Lula e Biden que conversaram reservadamente com a BBC News Brasil nos últimos dias em NY. E o comportamento dos dois presidentes no início da conversa entre ambos, presenciado pela imprensa, não deixou dúvidas sobre isso.
Biden quebrou o protocolo ao estender a presença da imprensa na sala em que ambos se reuniram, acompanhados de seus ministros e secretários, por mais de 11 minutos. “Eu sei que minha equipe já está enlouquecendo, mas quero dizer mais algumas palavras”, disse um entusiasmado Biden.
O presidente americano fez questão de dizer que seu pai não tinha um diploma universitário e que costumava dizer: “Joe, um emprego é muito mais do que um contracheque. É (a condição de ter) dignidade, auto-respeito, e olhar nos olhos de seus filhos e dizer ‘querido, vai ficar tudo bem, de verdade””. Lula não deixou passar a coincidência: repetiu que tampouco possui um diploma universitário, apenas técnico, e que passou “27 anos numa fábrica
Lula tampouco poupou elogios ao colega: “nunca vi um presidente americano falar tão bem dos trabalhadores”, disse Lula, rememorando os discursos que assistiu do democrata. O presidente brasileiro fez questão de dizer que partiu de Biden a ideia de lançar um documento em defesa do trabalho digno em conjunto com seu colega brasileiro. Presidente do G20 no ano que vem, o Brasil, por meio de Lula, prometeu levar o texto preparado pelos dois governos, ao bloco, para tentar angariar mais signatários.
“Obrigado Lula por ter vindo e por trabalharmos por um mundo melhor”, disse Biden.
Segundo os dois governos, o momento atual deve servir para superar tensões acumuladas nos últimos meses com o que americanos viram como um posicionamento ambíguo - ou eventualmente até mesmo pró-China e Rússia - de Lula no tema da Guerra na Ucrânia e do que brasileiros viram como baixa ambição e pouca condição do envio de fundos da Amazônia pela gestão Biden.
O trabalho
Agora, os dois países pretendem manter o foco nos princípios compartilhados - como a defesa dos direitos trabalhistas e da democracia - e trabalhar juntos em temas no qual concordam e podem se apoiar mutuamente nos ambientes multilaterais.
“E essa é uma combinação perfeita, porque eu venho do mundo do trabalho e eu acho que o trabalho está muito precarizado, o salário está muito aviltado, cada vez mais os trabalhadores trabalham mais e ganham menos e essa sua ideia de a gente apresentar uma proposta que começa a ser discutida e poderá ir até o G20 é muito importante para o Brasil, é importante para os Estados Unidos e eu acho que é importante para o mundo”, disse Lula, mencionando a iniciativa em favor de direitos trabalhistas e liberdade sindical que ambos lançavam.
"A sacada não está em algo escrito no documento, está no fato de que Brasil e EUA estão liderando isso juntos, que Lula e Biden construíram algo novo em conjunto", disse à BBC News Brasil um dos auxiliares de Lula com envolvimento direto no assunto. Não está claro ainda como esta carta de princípios relativamente genéricos - como a defesa da dignidade, da diversidade e dos direitos no trabalho - será concretamente implementado em cada país.
O texto da declaração conjunta fala em "colocar os trabalhadores no centro das nossas soluções políticas".
Como antecipou a BBC News Brasil na segunda-feira, o documento fez menção explícita aos empregos da nova economia verde, um dos temas que mais preocupa os líderes sindicais, já que a transição econômica do combustível fóssil para a redução de emissão de carbono tende a eliminar mais postos de trabalho do que gera.
O material lista "promover abordagens centradas nos trabalhadores para as transições digitais e de energia limpa" como um dos "cinco dos desafios mais urgentes enfrentados pelos trabalhadores em todo o mundo".
Situação no Haiti
Distante dos olhos da imprensa, por exemplo, a previsão da Casa Branca era que Biden pedisse a Lula que aproveitasse sua relação próxima com o governo chinês para tentar fazer com que a China deixe de vetar, no Conselho de Segurança da ONU, o envio de uma força policial internacional ao Haiti, que vive um colapso do Estado e está dominado por gangues.
O Quênia já se dispôs a liderar a missão, da qual o Brasil participaria com treinamento de policiais, e o governo haitiano já expressou publicamente interesse no envio da ajuda externa. Ainda assim, a posição chinesa não se alterou e tem impedido o envio da força ao Haiti.
Um diplomata brasileiro que conversou com a BBC News Brasil notou que a posição dos chineses, antagonistas globais dos americanos, é bloquear o interesse americano até porque interessa ao país manter uma situação de instabilidade no que seria “o quintal dos EUA”, dada a instabilidade que os chineses acusam os americanos de criar em Taiwan.
Um embaixador do Brasil com conhecimento do tema disse à BBC News Brasil que Lula estaria sim disposto a abrir conversa com Pequim para tentar fazer com que eles se movessem em outra direção.
Reforma do Conselho de Segurança da ONU
Outro exemplo de concordância entre os dois presidentes está na necessidade de reforma das instituições multilaterais. O assunto, inclusive, foi mencionado nos discursos de ambos na Assembleia Geral da ONU.
Assim como Lula, cujo mote internacional é “o Brasil voltou, Biden também tem se esforçado para reocupar espaços multilaterais dos quais os EUA foram retirados durante o governo anterior, de Donald Trump, cujo slogan era “América primeiro”.
Recentemente, ao participar do G20, na Índia, Biden se comprometeu a endossar a candidatura indiana por um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. O Brasil tem o mesmo pleito, mas os americanos, que têm defendido a reforma do Conselho, ainda não se comprometeram a apoiar o Brasil no objetivo.
Questionados sobre se isso gerava algum constrangimento ao país, diplomatas brasileiros contemporizaram. “Claro que para os americanos, até pelo antagonismo entre Índia e China, faz sentido fazer um gesto claro para a Índia, mas eles certamente nos apoiam”.
Outro exemplo de concordância entre os dois presidentes está na necessidade de reforma das instituições multilaterais. O assunto, inclusive, foi mencionado nos discursos de ambos na Assembleia Geral da ONU.
Assim como Lula, cujo mote internacional é “o Brasil voltou, Biden também tem se esforçado para reocupar espaços multilaterais dos quais os EUA foram retirados durante o governo anterior, de Donald Trump, cujo slogan era “América primeiro”.
Recentemente, ao participar do G20, na Índia, Biden se comprometeu a endossar a candidatura indiana por um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. O Brasil tem o mesmo pleito, mas os americanos, que têm defendido a reforma do Conselho, ainda não se comprometeram a apoiar o Brasil no objetivo.
Questionados sobre se isso gerava algum constrangimento ao país, diplomatas brasileiros contemporizaram. “Claro que para os americanos, até pelo antagonismo entre Índia e China, faz sentido fazer um gesto claro para a Índia, mas eles certamente nos apoiam”.