Às 10h15 — 11h15 no horário de Brasília — da manhã de 9 de fevereiro de 1993, um avião B52 da Nasa decolou do Centro Espacial Kennedy, no Estado americano da Flórida.
Sob uma de suas asas, a aeronave carregava o foguete Pegasus, que, por sua vez, levava em seu "bico" o Satélite de Coleta de Dados 1, o SCD-1, o primeiro artefato brasileiro do tipo a ir ao espaço.
Às 11h41, ele foi colocado em órbita, a uma altitude de 750 km.
Tudo transcorreu de acordo com o previsto. Menos por um detalhe: seu tempo de operação previsto era de um ano, mas o SCD-1 está há mais de 30 anos em funcionamento, o que o torno o objeto mais antigo do mundo operando no espaço atualmente.
Em 17 de junho, quando completou 30 anos, 4 meses e 4 dias em órbita, ele superou o satélite japonês Geotail, cujas operações foram encerradas em novembro de 2022.
Segundo o pesquisador Adenilson Roberto da Silva, coordenador-geral de Engenharia, Tecnologia e Ciências Espaciais do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a longevidade do SCD-1 se deve ao fato dele ser um satélite simples e robusto, além da alta qualidade do seu projeto e dos seus componentes.
"O projeto de um satélite envolve tecnologia e o conceito que está por trás dele, para que cumpra a missão a ele destinada", explica.
"O SCD-1 foi projetado para coleta de dados. Trata-se uma missão diferente de uma de imageamento, por exemplo. Ele não precisa ficar apontando para lugares diferentes, nem ter muita estabilidade."
Fomento à pesquisa tecnológica
Silva conta que esse satélite tem o princípio de estabilidade por rotação, e não por controle em três eixos.
É como se fosse um pião, que enquanto está girando fica em pé. Quando a rotação diminuiu ele tomba.
"O SCD-1 não precisa de computador de bordo, nem de softwares, nem de bateria, porque o próprio lançador deu o giro inicial, colocando-o em 120 rotações por minuto", diz.
"Assim, combinando-se o projeto, o tipo de estabilização e componentes de alta qualidade se chega a uma vida útil tão longa."
O SCD-1 começou a operar logo depois de ter sido colocado em órbita, quando seus primeiros sinais foram captados pela Estação Terrena de Alcântara, no Maranhão.
Hoje, ele continua cumprindo sua função de receber dados ambientais coletados por centenas de plataformas distribuídas no território brasileiro e retransmitir as informações para as estações terrestres localizadas em Cuiabá e Natal.
Os dados são armazenados em um sistema nacional e disponibilizados para os usuários.
De acordo com Silva, são principalmente dados meteorológicos, como chuvas, velocidade e direção do vento, umidade do ar e níveis de rios, por exemplo, que servem para fazer e aprimorar previsões do tempo.
Essas informações são vendidas para mais de uma centenas de usuários, entre os quais empresas, universidades, institutos e centro de pesquisas e centrais elétricas.
O SCD-1 e seu irmão mais novo, o SCD-2, lançado em 22 de outubro de 1998, também por um foguete Pegasus, e ainda em operação, foram desenvolvidos no âmbito da Missão Espacial Completa Brasileira (MECB), criada em 1979 pelo governo federal.
O objetivo era promover a pesquisa científica, a capacitação de pessoal e a geração de tecnologia espacial no Brasil, com envolvimento da indústria nacional.
Formato de prisma
Para isso, a meta era o desenvolvimento de quatro satélites, um veículo lançador e de toda a infraestrutura de solo, na qual se inclui uma base de lançamentos.
Coube ao Inpe a responsabilidade pela fabricação dos satélites, sendo dois de coleta de dados e dois de sensoriamento remoto, bem como pela infraestrutura de solo para sua operação em órbita.
No caso do SCD-1, trata-se de um satélite com o formato de um prisma octogonal com diagonal de um metro e altura de 1,45 metro e que pesa 115 kg.
Ele foi totalmente projetado, desenvolvido e integrado pelo Inpe, com significativa participação da indústria nacional. Para seu desenvolvimento, o instituto investiu muito em laboratórios modernos e na formação de seus recursos humanos.
Houve também, no entanto, o uso de tecnologia de outros países, como grande parte dos componentes eletrônicos e o painel solar, que fornece energia ao satélite.
"O transmissor de dados é outro componente que veio de fora, no caso, do Japão", acrescenta Silva.
"Mas é importante ressaltar que se trata do primeiro desenvolvimento de um país na área de satélites. Isso mostra a competência tanto no projeto, quanto na fabricação."
Silva também destaca a importância do SCD-1 para a atuação do Brasil na área espacial.
"Ele foi desenvolvido há 30 anos e se hoje somos capazes de projetar, desenvolver, integrar e lançar artefatos complexos, como o Amazônia 1, de 638 Kg – o primeiro satélite de observação da terra completamente projetado, integrado, testado e operado pelo Brasil, lançado em 28 de fevereiro de 2021 –, é porque tivemos uma curva de aprendizado muito grande", diz.
O pesquisador do Inpe lembra que são poucos os países do mundo que a partir de uma folha em branco são capazes de projetar um satélite, colocá-lo em órbita, operá-lo e receber os dados e processá-los.
"Somos um deles", orgulha-se. "O SCD-1 foi o precursor e um dos grandes pilares das atividades espaciais do Brasil.'
Para Silva, é impossível que algum satélite moderno bata o recorde do SCD-1, não pela qualidade deles, mas pelo sua complexidade.
"Hoje, além do avanço na eletrônica e da miniaturização dos componentes, estão sendo solicitadas funções cada vez mais complexas desses objetos", explica. "Não se faz mais artefatos simples como o SCD-1."
Segundo ele, hoje, por exemplo, há satélites que fazem processamento de imagem a bordo. "Imagina a complexidade da eletrônicas e dos computadores necessários para isso", diz.
"E quanto maior a complexidade e o nível de eletrônica envolvida maior a possibilidade de falhas. Elas são mais frequentes em equipamentos mais complexos, com mais eletrônica embarcada."
Por isso, ele acredita que se há um satélite capaz de superar o recorde do SCD-1 é o SCD-2. "Ele é uma evolução do primeiro", explica.
"Esse segundo possui um dispositivo eletromagnético, que controla sua velocidade de rotação. Ela não está caindo, ao contrário do que ocorre com a do SCD-1, que baixou de 120 para 5 rotações por minuto ao longo de 30 anos."
Silva acrescente que "quando ela chegar a zero, o satélite irá parar de operar. É difícil precisar quando isso vai acontecer, mas acredito que em cerca de dois anos. O SCD-2, por sua vez, deverá continuar por mais alguns anos".