A última semana foi de grandes ataques ucranianos na península da Crimeia, contra navios de guerra e mísseis russos.
Estima-se que o dano esteja na casa dos bilhões de dólares. A questão que surge é: a Ucrânia está pronta para tentar recuperar a Crimeia?
Essa península que avança pelo Mar Negro é internacionalmente reconhecida como parte da Ucrânia, mas está sob ocupação russa desde 2014, em meio à então ofensiva de Moscou no leste ucraniano.
Na ocasião, tropas apoiadas pelo Kremlin tomaram o território e realizaram um plebiscito (considerado irregular pela Ucrânia e pelo Ocidente) que levou à anexação. Um dos argumentos da Rússia é de que a maioria da população da Crimeia é de origem russa e fala o idioma russo.
Atualmente, a Crimeia é uma fortaleza russa, então é importante não se iludir quanto à real capacidade da Ucrânia em retomá-la.
"A estratégia (ucraniana) tem dois objetivos principais", afirma Oleksandr Musiienko, do Centro de Estudos Militares e Legais de Kiev.
"Um, estabelecer a dominância no noroeste do Mar Negro, e dois, enfraquecer as oportunidades logísticas da Rússia para as linhas de defesa deles no sul da Ucrânia, perto de Mariupol e Tokmak (cidades hoje sob controle russo)."
Em outras palavras, a operação na Crimeia caminha lado a lado com a contraofensiva ucraniana no sul do país, território parcialmente sob domínio da Rússia.
É importante comparar essa operação a alguns êxitos recentes da Ucrânia na Crimeia.
Em 13 de setembro, mísseis de cruzeiro de longo alcance, fornecidos por Reino Unido e França, atingiram duramente a frota russa no Mar Negro, no porto de Sevastopol (o principal da Crimeia).
Imagens de satélite na doca de Sevmorzavod mostram duas embarcações danificadas.
Dois dias depois, o ministério da Defesa do Reino Unido afirmou que o Minsk, um grande navio de assalto anfíbio, tinha "quase certamente sido funcionalmente destruído".
Ao lado dele, um dos submarinos russos usados para lançar mísseis de cruzeiro à Ucrânia tinha "provavelmente sofrido danos catastróficos".
Talvez igualmente importantes, as docas secas — usadas para fazer a manutenção de toda a frota do Mar Negro — provavelmente ficarão inutilizadas "por vários meses", afirmou o ministério britânico.
No último sábado (16/9), a Ucrânia trouxe mais detalhes à tona: forças especiais haviam tido um papel crucial nessas operações, usando barcos e "meios (não especificados) subaquáticos" para identificar e alvejar as embarcações russas.
A Ucrânia também destruiu um dos mais modernos sistemas de defesa aérea da Rússia — um modelo S-400, que estava a 64km de Yevpatoria.
Houve mais uma sofisticada operação que usou uma combinação de drones e mísseis ucranianos do tipo Neptune para confundir e destruir componentes-chave das defesas aéreas russas na Crimeia.
Na última quinta-feira (14/9), pela segunda vez em menos de um mês, a Ucrânia derrotou um sistema de mísseis terra-ar S-400 na península.
E em 23 de agosto, em Olenivka, na ponta oeste da península de Tarkhankut, a Ucrânia conseguiu alvejar outro destróier e uma estação de radar próxima.
Acreditava-se que a Rússia tinha até seis lançadores S-400 na Crimeia. Dois deles foram destruídos.
E, em operações não tão recentes, a Ucrânia derrubou postos de radar russos em plataformas offshore de gás e, segundo Kiev, usou drones marítimos para atacar um porta-míssil na entrada da baía de Sevastopol.
Com suas bases aéreas, concentração de tropas, campos de treinamento e frota no Mar Negro, a Crimeia tem sido um ponto crucial de disputa desde o início da invasão russa, em fevereiro de 2022.
“Na Crimeia, eles (russos) ainda têm um amplo estoque de artilharia e armas”, diz Musiienko. “E essa é a principal linha de suprimento logístico (de Moscou).”
Ao longo dos meses, as operações de Kiev cresceram em sofisticação - de um ataque de drone, em agosto de 2022, que destruiu estimadas nove aeronaves na base aérea de Saky, à combinação atual de ataques de mísseis e drones.
Com mais armas avançadas que podem estar a caminho, Musiienko acredita que a Ucrânia consiga sofisticar mais suas operações. O analista cita especificamente mísseis táticos balísticos americanos que a Ucrânia tenta obter e que, segundo ele, podem ser “um sério problema para o sistema de defesa aéreo da Rússia”.
É factível recuperar a Crimeia?
Tudo isso significa que Kiev está mais perto de recuperar a Crimeia?
"Está mais perto, mas ainda há muito a fazer", diz Andriy Ryzhenko, capitão reformado da Marinha ucraniana.
"Precisamos liberar a costa do Mar de Azov (na costa leste da Crimeia) e cortar o corredor terrestre", ele agrega, em referência à lenta e extenuante contraofensiva ucraniana em curso no sul do país.
Nessa discussão, um ponto-chave é a ponte de Kerch, que liga a Crimeia à Rússia.
A Ucrânia tem alvejado as rotas de suprimentos de Moscou na Crimeia há quase um ano, mas equipamentos pesados ainda conseguem atravessar esse trajeto vital. Em julho, a ponte foi danificada por um ataque atribuído à Ucrânia.
A via está muito mais bem defendida atualmente, mas continua na mira de Kiev.
“Quando fecharmos essa ponte da Crimeia, criaremos um problema logístico para eles (Rússia)”, afirma Ryzhenko.
Cortar essa linha de suprimento à Crimeia seria catastrófico para Moscou e facilitaria a ofensiva ucraniana no sul do país.
Mas observadores em Kiev pedem cautela.
“Acho que isto pode ser um preparativo para a liberação da Crimeia. Mas acho que vai levar tempo”, aponta Musiienko. “O que estamos fazer no momento é limpar o caminho até a Crimeia.”
Neste sábado (16/9), o secretário do Conselho Ucraniano de Segurança e Defesa, Oleksiy Danilov, afirmou que a Ucrânia está usando todos os meios disponíveis para forçar a Rússia a abandonar a Crimeia.
“Parece que, se os russos não quiserem deixar a Crimeia por vontade própria, teremos que expulsá-los”, disse em uma entrevista.