No século 19, o psicólogo Stanley G. Hall dizia que "ser filho único é uma doença em si". Embora as opiniões e os métodos de pesquisa acadêmica de Hall tenham sido questionados e criticados, a reputação das crianças solo como mimadas, superprotegidas e solitárias persistiu desde então.
Se você é pai ou mãe de um único filho, pode estar preocupado sobre como crescer sem irmãos pode afetar as habilidades sociais dele. Mas estudos mostram que filhos únicos não são diferentes de indivíduos com irmãos no que diz respeito ao caráter e à sociabilidade.
Minha própria pesquisa descobriu que, ao observar o desempenho das crianças em testes cognitivos, aquelas que não têm irmão tendem a ter resultados semelhantes àquelas que possuem.
Além disso, queríamos descobrir no nosso trabalho se as diferenças ou semelhanças entre filhos únicos e crianças com irmãos estão mais relacionados às características dos próprios pais — do que com o fato de ter um irmão.
E nós descobrimos que o desenvolvimento cognitivo das crianças de 11 anos é mais afetado por fatores como o relacionamento dos pais e o status socioeconômico da família do que pelo fato de eles possuírem (ou não) irmãos e irmãs.
Os recursos financeiros e emocionais da família no geral podem ser mais determinantes na vida da criança do que a necessidade de partilhar recursos com irmãos.
Estrutura familiar
Nosso estudo se baseou em dados de levantamentos britânicos. Estas são pesquisas representativas que acompanharam a vida de grupos de 5.362 crianças nascidas em 1946, 17.416 nascidas numa única semana em 1958, 16.571 nascidas numa única semana em 1970 e 19.244 nascidas por volta do ano 2001.
Os dados coletados trazem informações extensas sobre os indivíduos e seus parentes próximos, incluindo o nível de escolaridade dos pais, a classe social e a estrutura familiar.
Para medir o desenvolvimento dessas crianças, analisamos os resultados de testes cognitivos que elas realizaram aos 10 ou 11 anos de idade. Essas avaliações focaram nas capacidades verbais delas.
Filhos únicos apresentaram pontuações cognitivas semelhantes às de pessoas cujas famílias tinham duas crianças, e pontuações mais altas do que indivíduos que cresceram com dois ou mais irmãos.
No entanto, a “vantagem” do filho único pareceu ser mais fraca no grupo de 2001, em comparação com os grupos mais velhos.
Demonstramos que a variação observada entre as gerações poderia ser parcialmente atribuída às mudanças nas características das famílias com filhos únicos.
Na Grã-Bretanha, famílias com filhos únicos tendem a estar em melhor situação, na média. No entanto, ao longo do tempo, ser filho único tornou-se mais associado a condições potencialmente desfavoráveis, como crescer com pais separados.
A mudança na composição das famílias com filhos únicos ajuda a explicar por que, em comparação com o passado, as crianças que não têm irmãos hoje em dia apresentam uma vantagem menor em comparação com as crianças que crescem com irmãos.
Mudança de narrativa
Em conjunto, nossos resultados sugerem que ter ou não ter irmãos não gera um impacto grande, ou pelo menos tem uma influência menor em comparação com outras características familiares.
A nossa investigação mostrou, por exemplo, que crescer num agregado familiar desfavorecido parece ter um efeito maior no desempenho das crianças nos testes cognitivos do que ser filho único versus crescer com irmãos.
Os resultados também sugerem que é hora de abandonar a perspectiva de que filhos únicos compartilham características específicas.
Em vez disso, deveríamos abraçar a ideia de que há provavelmente uma variedade de caminhos diferentes para ter um filho único, que incluem a opção dos pais ou circunstâncias externas. Estes caminhos, por sua vez, são importantes e moldam as trajetórias de vida das crianças.
Ser filho único não é um conceito ou uma experiência atemporais. Tudo depende das mudanças nas sociedades e do conjunto diversificado de famílias que têm filhos únicos.
Esta mudança na forma como vemos e estudamos os filhos únicos não só aumentará a nossa compreensão, mas também ajudará a desmascarar estereótipos que ainda persistem na sociedade em geral.
*Alice Goisis é professora associada de Demografia e Diretora Adjunta de Pesquisa do Centro de Estudos Longitudinais da Universidade College London, no Reino Unido.
**Este artigo foi publicado no The Conversation e reproduzido aqui sob a licença Creative Commons. Clique aqui para ler a versão original em inglês.