Sobre o telhado de uma das casas de Derna, no leste da Líbia, 35 pessoas da família Eljerbi aguardaram socorro por três horas, na madrugada de domingo (10/9). "Tudo o que eles escutavam eram gritos histéricos de 'Nós estamos vivos'", contou ao Correio a jornalista Noura Eljerbi, que nasceu em Derna e hoje vive em Túnis, capital da Tunísia. Durante dois dias, ela não conseguiu contactar os parentes. "Eles saíram do prédio antes que desabasse. Pude falar com eles há poucas horas", acrescentou, na tarde desta terça-feira (12/9).
A passagem do ciclone tropical Daniel provocou mais de 200mm de chuva e fez romper duas barragens. A parte baixa da cidade de 100 mil habitantes foi praticamente riscada do mapa pela água que elevou o nível do Rio Wadi Derna e arrastou tudo pela frente. Quando os familiares de Noura foram resgatados, presenciaram o horror ao redor. "A área estava 'inundada' de cadáveres", disse. Até o fechamento desta edição, a catástrofe tinha deixado pelo menos 5.300 mortos (5,3% da população) e 15 mil desaparecidos.
- Terremoto no Marrocos: "Por 45 segundos, tudo balançou violentamente"
- 'Bairros foram varridos do mapa': as enchentes que deixaram centenas de mortos na Líbia
Noura disse que não teve tempo de se dominar pelo desespero ou pelo medo em relação aos familiares. "Eu me foquei em encontrá-los e ajudei conectando os moradores de Derna às equipes de resgate. Pedi a um de meus amigos, que faz parte do time de socorristas, que fosse até a casa deles. Depois, que tentasse buscá-los nos abrigos, por meio de seus nomes. Meu amigo disse que o imóvel estava destruído, mas não havia sinal de minha família, que somente foi localizada 24 horas depois em um abrigo."
Também jornalista, hoje baseado em Istambul, Johr Ali, 28 anos, tentava comunicação com a família até a manhã desta terça-feira (12/9). "A cidade foi desconectada, porque as estradas acabaram inundadas, e isso levou à demora para a chegada da ajuda humanitária. A quantidade de chuva que caiu no domingo foi algo inimaginável. A enchente primeiro atingiu duas grandes represas, que explodiram. Uma onda imensa engoliu bairros inteiros e os lançou ao mar", descreveu ao Correio. "Em Derna, não há eletricidade, nem telefonia celular ou internet. Todas as pontes desabaram."
Diretor do Sadeq Institute — instituto de estudos especializado em Líbia e com sede em Trípoli —, Anas El Gomati advertiu que a "enorme catástrofe" é uma consequência do caos político que se instalou no país ao longo da última década, desde a morte do ditador Muamar Kadafi (1969-2011), em 20 de outubro de 2011. "As autoridades líbias fracassaram em realizar eleições. Além da ausência de eleições, temos corrupção entre as autoridades, tanto do leste quanto do oeste, e militares em guerra com a própria população. Tudo isso destruiu muito da infraestrutura, especialmente na região de Derna", explicou à reportagem. "O povo líbio não pôde escolher os responsáveis por respostas a desastres assim."
El Gomati fez um paralelo com o terremoto de 6,8 graus que atingiu o Marrocos, na última sexta-feira. "Quando o sismo abalou Marrakech, as pessoas tiveram poucos segundos para reagir. Na Líbia, tivemos dias, ou ao menos horas, para responder. Meteorologistas alertavam sobre isso quando a tempestade tropical Daniel afetava a Turquia e a Grécia. Tínhamos tempo suficiente. As autoridades locais não foram responsivas ao perigo representado pela tempestade (que se transformou em um ciclone", comentou. O especialista questinou o motivo pelo qual as autoridades não emitiram o alerta de rompimento da barragem.
Entre os mortos na catástrofe, estão três voluntários do Crescente Vermelho que ajudavam os flagelados, informou a Federação Internacional das Sociedades da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho (FICV)."A situação é catastrófica em certas partes do leste da Líbia. (...) Em Derna, bairros inteiros foram devastados pelas enchentes e pelo rompimento de duas barragens", escreveu Yann Fridez, chefe do Comitê Internacional da Cruz Vermelha na Líbia. "Nosso parceiro Crescente Vermelho, na Líbia, tem estado na vanguarda da resposta a essa emergência. Nós, da Cruz Vermelha, temos apoiado com sacos para cadáveres e diversos equipamentos pessoais."
Esperança se aproxima do fim no Marrocos
As operações de resgate prosseguiam no Marrocos, mais de 72 horas depois do terremoto devastador da sexta-feira passada (8/9) que deixou mais de 2.900 mortos. No entanto, as esperanças de encontrar novos sobreviventes se esvaíram. Nesta terça-feira (12/9), o rei Mohamed VI visitou os feridos em um hospital de Marrakech, onde "perguntou sobre o estado de saúde" deles e doou sangue, segundo a agência de notícias MAP, de Rabat. A Cruz Vermelha, por sua vez, emitiu um chamado para obter recursos de cerca de 100 milhões de euros (aproximadamente R$ 530 milhões na cotação atual) para apoiar as operações de socorro.
O tremor deixou 2.901 mortos e 5.530 feridos, segundo o mais recente balanço oficial. Apoiadas por unidades estrangeiras, as equipes de resgate marroquinas tentavam acelerar a busca por sobreviventes e encontrar abrigo para centenas de famílias que perderam suas casas. Em algumas áreas isoladas, os moradores afirmam, no entanto, que não receberam qualquer tipo de ajuda. No vilarejo de Douzrou, 80km a sudoeste de Marrakech (centro), destruído pelo terremoto, a preocupação estava estampada no rosto dos sobreviventes, que vivem em refúgios improvisados.
Cem pessoas morreram em Douzrou, situado no começo da Cordilheira do Alto Atlas, de acordo com os moradores. "É importante que cuidem de nós, não podemos sobreviver na natureza por muito tempo. As condições climáticas são muito difíceis. Tememos pelo pior com o inverno que se aproxima", disse Ismail Oubella, de 36 anos, que perdeu os três filhos — de 3, 6 e 8 anos —, a esposa grávida e a mãe.
"Queremos ser realocados o quanto antes, perdemos tudo, inclusive nosso gado (...) Nós mesmos tiramos os mortos" dos escombros, disse Hossine Benhammou, de 61 anos. Nove membros de sua família, inclusive uma filha e duas netas, morreram.