ENTREVISTA / Baltasar Garzón

Chile: 'Justiça tardia não é justiça', diz juiz que prendeu Pinochet

Magistrado espanhol que ordenou a prisão do ditador chileno Augusto Pinochet fala ao Correio e lamenta que os tribunais não tenham respondido às vítimas da ditadura de forma adequada

Por volta das 17h50 desta segunda-feira (11/9), enquanto embarcava em Santiago do Chile, onde participou das cerimônias do 50º aniversário do golpe de Estado, para Madri, o juiz espanhol Baltasar Garzón retornou à ligação do Correio. O magistrado que ordenou a prisão do general Augusto Pinochet, em 1998, admitiu que a justiça não foi feita no Chile, exaltou o papel democrático de Salvador Allende e advertiu o mundo sobre o risco representado por golpes de Estado e ditaduras. 

Cinquenta anos depois do golpe no Chile, houve justiça?

Se tive que responder em termos gerais, eu diria que, sem a menor dúvida, a justiça não foi feita. Produziu-se avanços e o que permaneceu, durante todos esses anos, inclusive durante a ditadura, tem sido a luta das vítimas, das organizações de familiares, dos grupos e dos organismos de defesa dos direitos humanos. Graças a isso, e a partir de 1998, depois do pedido de prisão de Pinochet, em Londres, a Justiça se reativou naquele ano. No entanto, não chegamos ao fundo dos assuntos. Em 28 de agosto, saiu a sentença do assassinato de Victor Jara (poeta, cantor e compositor) de de outras pessoas. Cinquenta anos depois, estão aplicando penas importantes neste momento.

Mas, então, houve uma justiça tardia?

A reflexão é de que a justiça tardia não é tanto justiça. Porque, enquanto isso, houve procrastinação e omissões. Também houve uma falta de práxis judicial, sem responder adequadamente às vítimas. É bom que essa justiça tenha chegado, mas ela não se mostra suficiente. Não houve essa ação necessária e contundente da Justiça. É necessário que ela se produza e se conclua. Caso contrário, nem mesmo as próprias vítimas vão requerer essa justiça, pois, pelo decorrer do tempo, ela faltará.

 

Do que o senhor se recorda do general Pinochet?

Para mim, um militar que quebrou o próprio Código Militar, de servir à democracia, ao presidente e à república pela qual jurou fidelidade, e o fez por meio de um golpe de Estado violento — que deu um passo rumo a um regime de terror, de perseguição política, de tortura, de desaparecimento forçado de pessoas —, não me pode significar absolutamente nada positivo. Por isso, me preocupa tanto a reivindicação que alguns fazem, a partir da extrema direita e da direita, dessas atitudes e dinâmicas que pervertem a própria democracia e a colocam, novamente, em perigo. Quanto a uma avaliação pessoal, para mim, uma pessoa que não é capaz de afrontar e de confrontar a Justiça, mas se esconder, e que utiliza a força, sem aceitar as consequências, é alguém que não merece nenhum respeito. 

Que lições o mundo pode extrair do golpe no Chile?

As lições que todos extraímos do golpe cívico-militar do Chile, da ditadura e, depois, da transição são as de que nenhum golpe militar acaba com a democracia, da forma sangrenta que ocorreu neste caso e em outros. Ele se converte em algumas bondades para uma elite econômico-política que busca um arranjo e uma aprovação, nessas circunstâncias que, para a população em geral, se transforma em um lastro. Minha leitura é a de que nunca mais haja golpes militares frente a uma democracia. Precisamos sempre defender a democracia, discordar dentro dela e dialogar por ela, a fim de consolidá-la. No entanto, em nenhum caso devemos acabar com ela e dar as costas para os cidadãos, que são os que sofrem as consequências. Vocês, brasileiros, sabem bem disso, pois viveram, em tempos históricos e não tão históricos, a ação da extrema direita, que não beneficia à população em geral. 

 

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