Marrocos

Terremoto no Marrocos: entre o luto e a solidariedade

Terremoto mais forte dos últimos 120 anos mata ao menos 2.012 pessoas e mobiliza a comunidade internacional. Epicentro foi próximo à turística Marrakech, que sediava encontro da Unesco com representantes de 50 países

Marrakech, a cidade vermelha, amanheceu de preto, vestindo o luto nacional de três dias pela tragédia que sacudiu o Marrocos. Na noite de sexta-feira, às 23h11 (19h11, em Brasília), um terremoto de magnitude 6,8 causou destruição e mortes na região da cidade turística. São mais de 2.012 óbitos contabilizados, e a expectativa de que esse número aumente — a maioria dos mais de 2 mil feridos está "em estado crítico", segundo o Ministério do Interior. Entre a busca por feridos e o lamento por vidas e bens perdidos, o rei Mohammed VI lançou um pacote de medidas para enfrentar a tragédia e líderes de diferentes países se colocaram à disposição para ajudar os marroquinos.

O monarca estava de férias em Paris e voltou ao país após o terremoto. O programa de emergência anunciado por Mohammed VI inclui medidas para reabilitar e ajudar a reconstruir casas destruídas, cuidar dos vulneráveis, criar reservas e estoques de itens essenciais, como medicamentos, barracas e alimentos, e abrir uma conta especial para receber contribuições voluntárias. O pacote foi anunciado na tarde de ontem, junto ao decreto de luto oficial.

O abalo sísmico — o mais forte em 120 anos e o mais letal desde 1960 — durou 15 segundos e destruiu áreas na região da cidade turística de Marrakech, que sediava a 10ª Conferência Mundial da Unesco de Geoparques. O encontro, que contava com a participação de representantes de mais de 50 países, incluindo brasileiros (leia mais nesta página), foi encerrado com antecedência horas depois do terremoto. Enquanto isso, habitantes visivelmente atordoados avaliavam os danos em suas casas entre pilhas de escombros, poeira e carros esmagados por pedras. Sem ter para onde ir, muitos passaram a primeira noite de sexta-feira nas praças da cidade.

Tafeghaghte foi completamente destruído. Poucos prédios continuam de pé no vilarejo que está a apenas 50 quilômetros do epicentro do terremoto. Equipes de resgate seguem trabalhando em busca de sobreviventes, e familiares de vítimas deram início aos enterros coletivos. O choque foi sentido na capital, Rabat, a centenas de quilômetros de distância, em Casablanca e outras cidades marroquinas costeiras e até mesmo em países vizinhos — como Argélia e Portugal.

O Centro Regional de Transfusão de Sangue de Marrakech apelou a todos que estavam na região para que se deslocassem até o local e doassem sangue. O brasileiro Matheus Lisboa, geólogo e coordenador científico do Seridó Geoparque, no Rio Grande do Norte, que estava na cidade para o encontro da Unesco, atendeu ao pedido. "Aqui, prestamos nossa solidariedade uns aos outros, foi providenciada uma doação de sangue coletiva para os hospitais e encerrou-se o evento", contou ao Correio.

Nabil Adghoghi, embaixador do Reino do Marrocos no Brasil, espera mais demonstrações de solidariedade. "Como foi demonstrado durante a crise da covid-19, quando os marroquinos que vivem no país e os 5 milhões que vivem no exterior expressaram seu senso de pertencimento à nação por meio de uma generosidade extraordinária. A mesma manifestação de solidariedade será certamente sentida após a tragédia do terremoto", aposta.

Fotos: AFP -

Resposta imediata

Rapidamente, a comunidade internacional ofereceu apoio. A presidência da Argélia anunciou, ontem à tarde, a abertura de seu espaço aéreo, que estava fechado para Marrocos havia dois anos, para os aviões com ajuda humanitária destinados às vítimas do terremoto. O chanceler espanhol, José Manuel Albares, ofereceu ajuda para as operações de resgate. A Inglaterra seguiu o mesmo caminho.

Com uma grande parcela de habitantes marroquinos, a França expressou condolências ao "povo amigo". "Nossos pensamentos estão com as vítimas e suas famílias, e admiramos o trabalho das equipes de resgate que ajudam incansavelmente os feridos", comentou a ministra das Relações Exteriores, Catherine Colonna, no Twitter. A Embaixada Francesa abriu um centro de crise no país do norte de África, onde habitam cerca de 30 mil dos seus cidadãos.

Também no sábado, Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro israelense, instruiu os órgãos governamentais a se organizarem para dar apoio ao país destruído pelo abalo sísmico, incluindo a preparação para enviar uma delegação de ajuda. A Organização das Nações Unidas (ONU), por sua vez, afirmou que está preparada para respaldar o país africano. "A ONU está pronta para ajudar o governo do Marrocos nos seus esforços para auxiliar a população afetada", declarou em sua conta oficial no Twitter.

"O Marrocos está muito satisfeito com as expressões de solidariedade e compaixão que recebeu de todos os seus irmãos e amigos. Dezenas de países expressaram sua total disponibilidade para mobilizar ajuda de emergência para o Reino a fim de ajudá-lo a superar essa dolorosa tragédia", diz o embaixador Nabil Adghoghi. Mesmo com a mobilização interna e internacional, a estimativa da Cruz Vermelha é de que a reconstrução das áreas afetadas leve "muitos meses e até anos".

"Vimos a cidade desmoronar"

Marrakech sediava a 10ª Conferência Mundial da Unesco de Geoparques quando foi surpreendida pela força do terremoto. Representantes de cinco geoparques do Brasil participavam do evento. Em nota, o Itamaraty divulgou que, até a noite de sábado, não havia notícia de brasileiros mortos ou feridos — cerca de 300 vivem no país.

Silas Samuel, membro do Seridó Geoparque Mundial, no Rio Grande do Norte, voltava de um tour pela parte histórica da cidade quando ele e colegas foram surpreendidos pelo sismo. "Vimos a cidade desmoronar na nossa frente, foi algo que não esperávamos, não é frequente isso aqui em Marrakech. Depois, vimos as pessoas chorando nas ruas, tristes porque perderam parentes. Então, entendemos a magnitude da situação. A sensação é de tristeza e cansaço", relatou o geólogo.

Segundo Janaina Medeiros, diretora-executiva do mesmo parque, Marrakech inteira está mobilizada para auxiliar a população. "Estão sendo montados bancos para doação de sangue, estão limpando e organizando a cidade da maneira que é possível. Vejo muita gente nas ruas, com água, lençol e agasalho. Pelo que se percebe, essas pessoas estão com receio de ficar dentro de casa e acontecer um novo tremor", conta a turismóloga.

O grupo brasileiro tem a expectativa de deixar o país hoje, voando para Portugal. A Unesco tem prestado suporte aos participantes do encontro para remarcação de voos e busca de novas acomodações, segundo eles. A Embaixada do Brasil em Rabat afirma estar trabalhando em regime de plantão e disponibilizou um canal de contato para os brasileiros que estão no país.

A presidente do Conselho de Administração do Magazine Luiza, Luiza Trajano, estava no Marrocos participando de um evento sobre mulheres empreendedoras. Ela contou ter sentido "muito pouco" o abalo. "A cama tremeu um pouquinho."

O encontro, chamado Desert Woman Summit Brasil, é realizado na região de Errachidia, a quase 500km de distância do epicentro do terremoto e está previsto para encerrar amanhã. Segundo Luiza, há cerca de 50 brasileiras participando do evento, e todas estão bem. (IA)