Investigação

Moraes decide soltar Mauro Cid: quem é o braço direito de Bolsonaro que virou pivô de escândalo das joias

Ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro está envolvido em uma série de denúncias contra o ex-presidente: do caso das joias a uma trama para organizar um golpe de Estado no Brasil.

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O ex-presidente Jair Bolsonaro, com seu ajudante de ordens Mauro Cid logo atrás, em foto de 2019

O tenente-coronel do Exército Mauro Cid recebeu liberdade provisória após o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes homologar seu acordo de delação premiada com a Polícia Federal neste sábado (9/9).

Cid, de 44 anos, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL) na Presidência da República, está no centro de uma investigação que apura um suposto esquema de negociação ilegal de joias dadas por delegações estrangeiras à Presidência.

O militar, que será obrigado a usar tornozeleira eletrônica fora da prisão, recebeu assim o aval do Supremo para que receba benefícios judiciais em troca de colaboração com informações sobre o caso.

Moraes também determinou o afastamento de Cid do exercício das funções de seu cargo de oficial no Exército.

Braço direito do ex-presidente, Cid está preso desde maio. Além do caso das joias, o tenente-coronel está envolvido em uma série de denúncias envolvendo o ex-presidente, como a organização dos atos antidemocráticos de 8 de janeiro e uma suposta trama para um golpe de Estado após as eleições do ano passado.

Cid está preso por suposto envolvimento em outro caso.

Na época, o STF pediu sua prisão por conta da inserção de dados falsos sobre vacinação contra a covid-19 no sistema do Ministério da Saúde. O objetivo seria emitir de certificados que viabilizariam uma viagem de Bolsonaro aos Estados Unidos. O ex-presidente afirma não ter se vacinado contra a covid.

Segundo a investigação da Polícia Federal (PF), teriam sido forjados os certificados de vacinação de Bolsonaro, da filha dele de 12 anos, de Cid, sua mulher e sua filha.

Agora, o teor das denúncias, porém, é mais explosivo e colocou, pela primeira vez, Mauro Cid em conflito com seu antigo chefe, o que surpreendeu bolsonaristas por conta da notória lealdade do militar a Bolsonaro.

A revista Veja e o portal g1 haviam publicado que Mauro Cid pretende confessar que teria negociado a venda de joias recebidas de presente por Bolsonaro a mando do ex-presidente.

A intenção de confessar foi revelada pelo advogado de Cid, Cezar Bitencourt. Segundo o defensor, o militar era "apenas um assessor" que cumpria ordens do ex-presidente.

Em uma entrevista à GloboNews, Bitencourt afirmou que Bolsonaro pediu a seu cliente "para resolver o problema do Rolex" (um dos itens do suposto esquema) e que o dinheiro da venda do relógio foi dado ao presidente ou à primeira-dama, Michelle Bolsonaro.

Também fariam parte do esquema outras pessoas próximas a Bolsonaro, como seu amigo e ex-advogado, Frederick Wassef, o general Mauro César Lourena Cid (pai de Mauro Cid), e o tenente do Exército Osmar Crivelatti, outro ex-ajudante de ordens do ex-presidente. Eles negam.

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Segundo Polícia Federal, itens de alto valor foram omitidos do acervo público e vendidos para enriquecer Jair Bolsonaro

De acordo com a PF, eles são investigados por "utilizar a estrutura do Estado brasileiro" para desviar bens de alto valor, entregues de presente por autoridades estrangeiras em missões diplomáticas de brasileiros ao exterior.

Eles teriam vendido (ou tentado vender) alguns desses itens no exterior - e o dinheiro arrecadado teria sido entregue a Bolsonaro.

Segundo a PF, alguns itens foram "recomprados" por Wassef em uma casa de leilões nos Estados Unidos depois do Tribunal de Contas da União (TCU) determinar, em março do ano passado, que Bolsonaro entregasse os presentes à Caixa Econômica Federal.

Uma troca de mensagens em janeiro deste ano entre Mauro Cid e Marcelo Câmara, assessor especial da Presidência da República, incluiu um áudio no qual Cid faz alusão a 25 mil dólares que pertenceriam a Bolsonaro.

"Tem US$ 25 mil com meu pai. Eu estava vendo o que era melhor fazer com esse dinheiro, levar em 'cash' ai?. Meu pai estava querendo inclusive ir ai falar com o presidente. (...) E ai? ele poderia levar. Entregaria em ma?os. Mas tambe?m pode depositar na conta (...). Eu acho que quanto menos movimentac?a?o em conta, melhor, né?", diz Cid.

A investigação da PF apontou também, a partir da análise de mensagens no WhatsApp, que Mauro Cid teve a ajuda do seu pai, o general Mauro Cesar Lourena Cid, para negociar os itens e repassar o dinheiro das vendas.

Uma das evidências disso, segundo a PF, é reflexo dele em uma foto da caixa de uma das esculturas folheadas a ouro que não foi vendida.

A Operação Lucas 12:2 foi deflagrada pela PF no dia 11 de agosto. O nome é uma alusão ao versículo bíblico que diz que "não há nada escondido que não venha a ser descoberto".

Apesar de ter o nome mencionado pela PF como integrante de uma suposta "organização criminosa", Bolsonaro não foi alvo da operação. Nesta quinta-feira, o STF autorizou a quebra de sigilo bancário de Bolsonaro e sua companheira, Michelle.

O ministro do Supremo Alexandre Moraes disse haver "fortes indícios de desvios de bens de alto valor patrimonial" no caso das joias negociadas pelo entorno do ex-presidente.

Segundo a PF, os crimes apurados na operação são lavagem de dinheiro e peculato (desvio de bem público).

A operação atingiu integrantes do núcleo mais próximo de Bolsonaro um mês depois de ele ter sido condenado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ficar inelegível por oito anos.

Em nota após a operação da PF, Jair Bolsonaro negou as acusações e, em nota à imprensa, afirmou que "jamais apropriou-se ou desviou quaisquer bens públicos" e que coloca sua movimentação bancária à disposição das autoridades.

Já nesta sexta-feira, ele disse que Mauro Cid tinha "autonomia" para negociar as joias. "Olha, ele tem autonomia. Eu não ia mandar ninguém vender nada", afirmou ao jornal Folha de S.Paulo.

REPRODUÇÃO/PF
Reflexo de Mauro Cesar Lourena Cid em caixa de escultura folheada a ouro

'Roteiro do golpe'

Mauro Cid também é apontado como um dos articuladores de uma suposta trama para organizar um golpe de estado no Brasil após a derrota de Bolsonaro para o atual presidente, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), nas eleições do ano passado.

Segundo a PF, foram encontrados no celular de Cid uma minuta para um golpe e um decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO).

Um dos documentos no aparelho previam uma espécie de "roteiro do golpe", detalhando um "passo a passo" para a ruptura institucional que beneficiaria Bolsonaro.

Segundo a PF, o roteiro previa a contestação do resultado das eleições, o afastamento de ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), como Alexandre de Moraes e Carmen Lúcia, além da atuação das Forças Armadas para "mediar o conflito institucional" e nomear interventores no TSE com um objetivo de convocar novas eleições.

Mauro Cid foi convocado a depor na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), que investiga a invasão e depredação de prédios públicos em 8 de janeiro de 2023, em Brasília.

Porém, o tenente-coronel, usando uma farda do Exército, ficou em silêncio durante o depoimento, ancorado em uma decisão do STF que garantia a ele não responder a perguntas que pudessem incriminá-lo.

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Mauro Cid, com farda do Exército, ficou em silêncio na CPMI dos atos antidemocráticos

Braço direito de Bolsonaro

Mauro Cid é oficial do Exército com mais de 20 anos de carreira. Ele era major e foi promovido a tenente-coronel no ano passado.

Cid formou-se na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman) em 2000 e foi instrutor na instituição.

Seu pai, o general da reserva Mauro Cesar Lourena Cid, foi colega de turma de Bolsonaro na Aman nos anos 1970.

Cid se preparava para assumir um posto nos Estados Unidos quando foi nomeado para ser ajudante de ordens de Bolsonaro, pouco antes da posse do ex-presidente.

Nesta função, ele era o braço direito do ex-presidente e prestava assistência direta a Bolsonaro, inclusive para assuntos de caráter pessoal.

Cid também é apontado como o pivô da demissão, em janeiro deste ano, do ex-comandante do Exército, general Júlio César de Arruda, que teria resistido a revogar a nomeação do tenente-coronel para chefiar um batalhão em Goiânia, já durante a gestão Lula.