China

Os chineses que temem perder tudo com crise de gigante imobiliária Evergrande

À medida que a crise imobiliária na China aumenta, também cresce o medo de que o sonho de adquirir uma casa própria tenha sido destruído.

Falência da Evergrande expôs a crise imobiliária na China -  (crédito: Getty Images)
Falência da Evergrande expôs a crise imobiliária na China - (crédito: Getty Images)
BBC
Yan Chen & Frances Mao - BBC News em Hong Kong e Cingapura
postado em 30/09/2023 09:48 / atualizado em 30/09/2023 14:51

“Quando penso nisso, choro”, diz a senhora Guo sobre um apartamento que comprou. “É difícil. Sinto pena do meu filho e de mim mesma.”

Em 2021, poucos meses antes da gigante empresa imobiliária chinesa Evergrande mostrar os primeiros sinais de crise, Guo Tianran (cujo nome foi alterado a pedido) e seu marido compraram um apartamento na planta para seu único filho.

O casal, com quase 60 anos, economizou para pagar a entrada de US$ 30 mil (R$ 150 mil) do apartamento, que seria construído pela então principal empresa imobiliária do país. Eles também se planejaram para usar 75% de sua renda para pagar a hipoteca. A previsão inicial era a de que pegariam as chaves em dezembro deste ano — mas estão muito longe disso.

“Queríamos ajudar o nosso filho, dar-lhe um porto seguro para o início de uma vida quando se formasse na faculdade”, disse Guo à BBC.

No entanto, poucos meses após a compra, o cenário mudou.

Em Henan, a província central da China onde o casal comprou o imóvel, as obras foram paralisadas.

“Vimos a estrutura principal sendo construída e, de repente, ouvimos que Evergrande estava ruindo. Depois, a construção foi interrompida, no ano passado.”

Em setembro de 2021, a Evergrande não conseguiu reembolsar mais de US$ 100 milhões a credores offshore. Naquela época, estimava-se que a empresa tinha mais de 1,5 milhão de imóveis inacabados.

Essas situações alarmantes trouxeram à luz uma crise imobiliária na China que ainda está se desenrolando, dois anos depois. A empresa falida passou os últimos 18 meses tentando um acordo de recuperação, mas as preocupações sobre o seu futuro foram renovadas esta semana com a notícia de que o seu fundador, Hui Ka Yan, e outros líderes sêniores foram detidos pela polícia.

"Usei parte do dinheiro da minha aposentadoria para pagar a entrada. Pagaremos a hipoteca pelos próximos 30 anos", diz Guo.

À medida que a crise imobiliária na China aumenta, crescem também os receios dela. “Não queremos acabar sem nada”, diz.

Essa é uma preocupação compartilhada por muitas pessoas que investiram suas poupanças num novo imóvel: que seus sonhos tenham sido demolidos para sempre.

O que aumenta a preocupação é que a Evergrande não é a única empresa imobiliária em sérios apuros.

Outra gigante, a Country Garden, relatou um prejuízo semestral recorde de US$ 6,7 bilhões. Analistas estimam que essa incorporadora tenha vendido um milhão de imóveis que ainda não foram concluídos.

“Quase comprei um apartamento da Country Garden”, relata Zhang Min, de 31 anos, que também mora em Henan.

Ela e o noivo planejavam comprar o imóvel juntos. A casa dos pais dela foi construída pela Country Garden, e o jovem casal foi informado de que poderia comprar um imóvel com desconto em agosto. Mas eles mudaram de ideia quando souberam que a empresa estava à beira de um colapso.

"Certamente não vamos adiar o nosso casamento porque não compramos uma casa nova. Terei apenas que desistir da ideia de 'recém-casados morando em uma casa nova'", diz Zhang.

"A geração dos meus pais viu o mercado imobiliário da China crescer por duas décadas. Hoje em dia, as pessoas ao meu redor estão preocupadas com a desvalorização dos preços das casas."

O mercado imobiliário da China representa um terço da sua economia. Por isso, sua situação está preocupando também indústrias relacionadas, desde materiais de construção como aço e cimento, até eletrodomésticos.

E, no entanto, esta é mais uma crise para Pequim, que também enfrenta a desaceleração do crescimento, a queda das exportações e uma taxa de desemprego de jovens passando dos 20%.

Pequim tem procurado moderar a preocupação da população. A mídia estatal pouco disse sobre Hui ter sido colocado sob vigilância policial, e o Ministério das Relações Exteriores pareceu bloquear as perguntas dos repórteres sobre o assunto em entrevista coletiva na quinta-feira (28/9).

Mas a notícia tem sido um assunto importante nas redes sociais chinesas, como o Weibo. Foram mais de 600 milhões de visualizações apenas sobre o assunto da vigilância sobre Hui.

Muitos no Weibo reclamam sobre o que permitiu à Evergrande e outros gigantes imobiliários chegarem a esse ponto, enquanto os compradores foram pouco protegidos.

“Por conta de mecanismos e regulamentação inadequados, quase se tornou uma regra que as empresas possam ‘colapsar’”, escreveu um usuário.

Há também a preocupação de que a crise imobiliária se estenda a outras empresas, porque a situação da Evergrande revelou falhas sistêmicas, como o endividamento excessivo e grandes descontos para atrair compradores que acabam esgotando os cofres da empresa.

Pessoas também têm compartilhado suas experiências como compradoras de imóveis desiludidas e ansiosas.

Em um vídeo no Douyin, a versão chinesa do TikTok, um homem contou que teve que trabalhar em três empregos para pagar a hipoteca e o aluguel atual — porque não podia se mudar para seu apartamento inacabado da Evergrande.

Quando as falhas da empresa apareceram pela primeira vez, há dois anos, houve protestos em frente aos escritórios da empresa em Shenzhen, no sul da China. Nos últimos meses, essas manifestações voltaram.

Guo diz que ela e outros compradores da Evergrande também não estão de braços cruzados. Eles formaram três grupos na rede WeChat, com quase 500 membros cada.

“Nós nos organizamos para procurar o governo. Com tantos de nós, eles não podem ignorar isso”, disse ela.

Ela também disse à BBC que foi avisada pelas autoridades locais para não falar com a mídia e ouviu promessas de que as obras do prédio onde está seu apartamento seriam retomadas em breve.

Mas alguns membros do seu grupo vão verificar o canteiro de obras todos os dias e têm visto poucos trabalhadores e um progresso mínimo.

“Alguns de nós pararam de pagar a hipoteca”, diz Guo. "Se o banco pressionar demais, eles dormirão no saguão do banco."

*Com reportagem adicional de Ian Tang e Kelly Ng em Singapura

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