Nem mesmo a imagem do corpo do menino sírio Alan Kurdi, 2 anos, arrastado pelas ondas até a praia da cidade turca de Bodrum, em 2 de setembro de 2015, foi o suficiente para transformar a comoção mundial em uma política migratória mais inclusiva e humana. A tragédia que custou a vida de Alan; de sua mãe, Rehana; e de seu irmão, Galib, 5; foi sucedida por novas tragédias. Em muitos casos, os restos mortais de anônimos que sonhavam com uma vida melhor e fugiam da guerra e da fome jamais foram encontrados. O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) divulgou, nesta quinta-feira (28/9), que mais de 2.500 migrantes morreram ou desapareceram durante a travessia do Mediterrâneo, em direção à Europa, somente em 2023.
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É como se nove pessoas tivessem perdido a vida todos os dias em naufrágios. "Até 24 de setembro, mais de 2.500 pessoas foram registradas como mortas ou desaparecidas em 2023", afirmou Ruven Menikdiwela, diretora do escritório do Acnur em Nova York, durante reunião do Conselho de Segurança da ONU em que foi debatida a crise migratória no Mediterrâneo. De acordo com ela, o número representa um aumento considerável "em comparação com as 1.680 pessoas (mortas ou desaparecidas) no mesmo período em 2022".
"Vidas também foram perdidas em terra, longe dos olhos do público", advertiu Menikdiwela. A diretora do Acnur sublinhou que "as viagens partindo do Oeste, do Leste e do Chifre da África até a Líbia e os pontos de partida no litoral continuam entre as mais perigosas do mundo". Segundo ela, "os refugiados e migrantes que viajam por terra a partir da África Subsaariana correm o risco de morrer e de sofrer graves violações dos direitos humanos a cada passo".
No encontro do Conselho de Segurança, Menikdiwela informou que, entre 1º de janeiro e 24 de setembro, o total de migrantes que chegaram ao sul da Europa representou um aumento de 83% em relação ao mesmo período do ano anterior. Foram 186 mil migrantes desembarcando nas costas da Itália, da Grécia, do Chipre e de Malta.
Itália
A Itália foi o país que mais recebeu estrangeiros não documentados por meio do Mediterrâneo — 130 mil. Menikdiwela também apresentou ao Conselho de Segurança das Nações Unidas estatísticas sobre os países de embarque. Entre janeiro e agosto de 2023, mais de 102 mil migrantes tentaram a travessia do Mediterrâneo saindo da Tunísia e 45 mil da Líbia. Desse total, 31 mil (ou 30%) foram resgatados no mar ou interceptados e desembarcados na Tunísia.
Em entrevista ao Correio, Fatima Kurdi — tia do menino Alan Kurdi — disse estar "com o coração partido". "Mais de 2,5 mil almas inocentes foram perdidas no Mediterrâneo neste ano. Tenho certeza de que essa é uma estimativa por baixo. O número real deve ser o dobro ou o triplo disso", advertiu. "Muitas famílias ainda buscam pelos desaparecidos. Essas pessoas têm famílias e foram forçadas a abandonarem seus lares. Os líderes mundiais precisam sentar à mesa, dialogar com urgência e encontrar uma solução pacífica para impedir que mais pessoas fujam e se coloquem em perigo", disse.
"A tragédia com Alan Kurdi deveria ter sido a última. Os países precisam ajudar os refugiados e abrir suas fronteiras. Estou chorando agora. Tenho muitos amigos cujos filhos também morreram afogados no Mediterrâneo. Isso é desumano e inaceitável! As pessoas precisam despertar e cobrar dos políticos", acrescentou Fatima Kurdi.
A tia de Alan Kurdi disse ficar sem palavras ao ver a repetição de tragédias como a que abateu sobre seu sobrinho. "Por que as pessoas têm que morrer? Por que têm que arriscar a vida? Por que não temos uma rota legal e segura para eles?", desabafou.
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