Conflitos

Cáucaso: Quase 50% da população armênia de Nagorno-Karabakh em fuga

Cerca de 54 mil dos 120 mil civis de Nagorno-Karabakh cruzaram a fronteira do Azerbaijão com a Armênia. Ex-dirigente separatista é a primeira autoridade do enclave a ser capturada

Velhinha -  (crédito: Alan Jocardi/AFP)
Velhinha - (crédito: Alan Jocardi/AFP)
postado em 28/09/2023 06:00

Passava da 1h de hoje (18h em Brasília), quando Marut Vanyan, 40 anos, atendeu à ligação do Correio. A voz transparecia o cansaço da jornada de 24 horas entre Stepanakert até Yerevan, capital da Armênia. Em condições normais, a viagem dura cinco ou seis horas. Da mesma forma que o jornalista freelance, 54 mil moradores da república autodenominada de Nagorno-Karabakh deixaram suas casas e partiram em fuga, desde o início da ofensiva relâmpago das tropas do Azerbaijão — o êxodo representa 45% da população. A Armênia, de maioria cristã, e o Azerbaijão, majoritariamente muçulmano, travaram duas guerras na região, desde o colapso da União Soviética.

"Antes de sair de Stepanakert, a família de meu tio chegou de um vilarejo, que tinha sido ocupado em 19 de setembro. Ficamos na capital de Nagorno-Karabakh por alguns dias. Todo mundo pensava em sair. Foi aí que entendi que era o fim. Não consigo descrever a situação. Eu apenas cheguei muito cansado em Yerevan e acabei de encontrar um albergue barato aqui. Não sei o que farei amanhã", desabafou Vanyan.

Marut Vanyan: "Eu apenas cheguei muito cansado em Yerevan e acabei de encontrar um albergue barato aqui. Não sei o que farei amanhã"
Marut Vanyan: "Eu apenas cheguei muito cansado em Yerevan e acabei de encontrar um albergue barato aqui. Não sei o que farei amanhã" (foto: Arquivo pessoal )

Ele tentava descobrir o paradeiro da família. "Minha irmã me enviou uma mensagem perguntando onde eu estou, mas não sei a localização exata dela. A sogra dela morreu durante a viagem. É horrível", acrescentou o refugiado de Stepanakert. Vanyan não vislumbra um bom futuro para si próprio e para o seu povo. "Eu trouxe a chave de minha casa, em Stepanakert, e tentei abrir a porta desse albergue, em Yerevan. Ainda sinto como se estivesse em casa", concluiu.

Prisão

As autoridades do Azerbaijão anunciaram a prisão de Ruben Vardanyan, ex-líder separatista armênio que comandou o governo separatista de Nagorno-Karabakh de novembro de 2022 a fevereiro deste ano. Ele foi capturado também quando fugia rumo à Armênia, por meio da única rodovia. A esposa de Vardanyan, Veronika Zonabend, divulgou um comunicado no qual lembra que o marido esteve ao lado do povo de Artsakh (Nagorno-Karabakh) durante os 10 meses de bloqueio e sofreu com eles, na batalha pela sobrevivência. "Peço suas orações e apoio para garantir a libertação segura de meu marido", escreveu.

Na semana passada, o Azerbaijão anunciou que retomou o controle total de Nagorno-Karabakh. O governo do presidente Ilham Aliyev sustentou que os armênios do enclave poderiam permanecer na região sob a condição de aceitarem a cidadania azerbaijana e a integração à sociedade e ao governo de Baku. Aliyev também prometeu que os direitos dos armênios que decidirem ficar no enclave, anexado ao país em 1921 pela União Soviética, serão "garantidos". O Azerbaijão informou que 192 soldados e um civil morreram na operação antiterrorista lançada em 19 de setembro.

Entenda a conjuntura histórica da região
Entenda a conjuntura histórica da região (foto: AFP)
 

Embaixador da Armênia em Brasília, Armen Yeganian acredita que toda a população abandonará Nagorno-Karabakh. "Os armênios não querem viver sob o domínio do Azerbaijão. Nós tivemos essa experiência no fim do século 20, em uma série de pogroms (perseguição deliberada de um grupo étnico ou religioso) em Nagorno-Karabakh e em território azerbaijano. O último recurso que eles têm é a fuga, infelizmente. Trata-se de uma tragédia imensa. A identidade do povo está sob ameaça, da mesma forma que durante sete décadas da era soviética, em que Nagorno-Karabakh esteve oficialmente sob domínio do Azerbaijão", afirmou ao Correio. "A política de limpeza étnica azerbaijana resultou em substituir 25% da população e em infiltrar azerbaijanos na região. Tornou-se impossível para os armênios viverem ali. Não havia confiança, assim como não existe agora, com nove meses de bloqueio total imposto pelo Azerbaijão."

Yeganian adverte que o mundo assiste a "uma grande limpeza étnica no momento". "Existia o medo de um genocídio. Por esse motivo, os armênios começaram a partir de Nagorno-Karabakh", disse o diplomata. Segundo o embaixador armênio, o bloqueio imposto pelas autoridades de Baku privou a população de Nagorno-Karabakh de serviços básicos. "Não há gás, nem eletricidade ou comida. O ataque ocorrido em 19 de setembro indicou que o Exército azerbaijano aniquilará toda a população pacífica de Nagorno-Karabakh. As autoridades da região, basicamente, tiveram que se render", acrescentou o representante da Armênia em Brasília.

  • Idosa refugiada caminha pelo centro da Cruz Vermelha, perto de Kornidzor, na Armênia, com as montanhas de Karabakh ao fundo
    Idosa refugiada caminha pelo centro da Cruz Vermelha, perto de Kornidzor, na Armênia, com as montanhas de Karabakh ao fundo Foto: Alan Jocard/AFP
  • Marut Vanyan: "Eu apenas cheguei muito cansado em Yerevan e acabei de encontrar um albergue barato aqui. Não sei o que farei amanhã"
    Marut Vanyan: "Eu apenas cheguei muito cansado em Yerevan e acabei de encontrar um albergue barato aqui. Não sei o que farei amanhã" Foto: Arquivo pessoal
  • Entenda a conjuntura histórica da região
    Entenda a conjuntura histórica da região Foto: AFP
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