Passava da 1h de hoje (18h em Brasília), quando Marut Vanyan, 40 anos, atendeu à ligação do Correio. A voz transparecia o cansaço da jornada de 24 horas entre Stepanakert até Yerevan, capital da Armênia. Em condições normais, a viagem dura cinco ou seis horas. Da mesma forma que o jornalista freelance, 54 mil moradores da república autodenominada de Nagorno-Karabakh deixaram suas casas e partiram em fuga, desde o início da ofensiva relâmpago das tropas do Azerbaijão — o êxodo representa 45% da população. A Armênia, de maioria cristã, e o Azerbaijão, majoritariamente muçulmano, travaram duas guerras na região, desde o colapso da União Soviética.
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"Antes de sair de Stepanakert, a família de meu tio chegou de um vilarejo, que tinha sido ocupado em 19 de setembro. Ficamos na capital de Nagorno-Karabakh por alguns dias. Todo mundo pensava em sair. Foi aí que entendi que era o fim. Não consigo descrever a situação. Eu apenas cheguei muito cansado em Yerevan e acabei de encontrar um albergue barato aqui. Não sei o que farei amanhã", desabafou Vanyan.
Ele tentava descobrir o paradeiro da família. "Minha irmã me enviou uma mensagem perguntando onde eu estou, mas não sei a localização exata dela. A sogra dela morreu durante a viagem. É horrível", acrescentou o refugiado de Stepanakert. Vanyan não vislumbra um bom futuro para si próprio e para o seu povo. "Eu trouxe a chave de minha casa, em Stepanakert, e tentei abrir a porta desse albergue, em Yerevan. Ainda sinto como se estivesse em casa", concluiu.
Prisão
As autoridades do Azerbaijão anunciaram a prisão de Ruben Vardanyan, ex-líder separatista armênio que comandou o governo separatista de Nagorno-Karabakh de novembro de 2022 a fevereiro deste ano. Ele foi capturado também quando fugia rumo à Armênia, por meio da única rodovia. A esposa de Vardanyan, Veronika Zonabend, divulgou um comunicado no qual lembra que o marido esteve ao lado do povo de Artsakh (Nagorno-Karabakh) durante os 10 meses de bloqueio e sofreu com eles, na batalha pela sobrevivência. "Peço suas orações e apoio para garantir a libertação segura de meu marido", escreveu.
Na semana passada, o Azerbaijão anunciou que retomou o controle total de Nagorno-Karabakh. O governo do presidente Ilham Aliyev sustentou que os armênios do enclave poderiam permanecer na região sob a condição de aceitarem a cidadania azerbaijana e a integração à sociedade e ao governo de Baku. Aliyev também prometeu que os direitos dos armênios que decidirem ficar no enclave, anexado ao país em 1921 pela União Soviética, serão "garantidos". O Azerbaijão informou que 192 soldados e um civil morreram na operação antiterrorista lançada em 19 de setembro.
Embaixador da Armênia em Brasília, Armen Yeganian acredita que toda a população abandonará Nagorno-Karabakh. "Os armênios não querem viver sob o domínio do Azerbaijão. Nós tivemos essa experiência no fim do século 20, em uma série de pogroms (perseguição deliberada de um grupo étnico ou religioso) em Nagorno-Karabakh e em território azerbaijano. O último recurso que eles têm é a fuga, infelizmente. Trata-se de uma tragédia imensa. A identidade do povo está sob ameaça, da mesma forma que durante sete décadas da era soviética, em que Nagorno-Karabakh esteve oficialmente sob domínio do Azerbaijão", afirmou ao Correio. "A política de limpeza étnica azerbaijana resultou em substituir 25% da população e em infiltrar azerbaijanos na região. Tornou-se impossível para os armênios viverem ali. Não havia confiança, assim como não existe agora, com nove meses de bloqueio total imposto pelo Azerbaijão."
Yeganian adverte que o mundo assiste a "uma grande limpeza étnica no momento". "Existia o medo de um genocídio. Por esse motivo, os armênios começaram a partir de Nagorno-Karabakh", disse o diplomata. Segundo o embaixador armênio, o bloqueio imposto pelas autoridades de Baku privou a população de Nagorno-Karabakh de serviços básicos. "Não há gás, nem eletricidade ou comida. O ataque ocorrido em 19 de setembro indicou que o Exército azerbaijano aniquilará toda a população pacífica de Nagorno-Karabakh. As autoridades da região, basicamente, tiveram que se render", acrescentou o representante da Armênia em Brasília.
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