Com a motosserra nas mãos, durante os eventos de campanha, o libertário e outsider de extrema direita Javier Milei encarna o personagem que deseja acabar com a "casta política" da Argentina. O ministro da Economia, Sergio Massa, candidato governista pela coalizão Unión por la Patria, pisa em ovos e se vê em uma armadilha: se não livrar o país da crise financeira, dificilmente convencerá os eleitores a lhe darem um voto de confiança. Patricia Bullrich, a postulante da coalizão de centro-direita Juntos por el Cambio, tenta se impor como a alternativa mais plausível ao radicalismo de Milei e à ineficiência administrativa de Massa. A exatamente quatro semanas do primeiro turno das eleições e em um cenário marcado pela imprevisibilidade das pesquisas, Milei segue confirmando o favoritismo mostrado nas primárias.
Cientista política da Universidad del Salvador (em Buenos Aires), Sonia Ramella admite que as sondagens argentinas não oferecem resultados críveis, o que torna difícil fazer prognósticos sobre o 22 de outubro. "Isso ocorre por aspectos metodológicos ou pelo fato de o eleitorado argentino não ser estável — necessariamente, ele não mantém uma mesma preferência durante a campanha", explicou ao Correio. "Em um mês muita coisa pode acontecer. Não é possível determinar nem mesmo o impacto real de eventuais escândalos e das posições adotadas pelos candidatos. A campanha é bastante intrincada. O que está claro é que Milei aparece como voto preferido", disse.
De acordo com ela, apesar de apostar na imagem de quem romperá com todo o establishment, Milei mostra-se vinculado à velha política. A especialista prevê que a coalizão Juntos por el Cambio traçará uma estratégia, na reta final de campanha, para mostrar que Milei e Massa possuem acordos comuns. "A aliança de Patricia Bullrich também deverá propor ordem. Nós, argentinos, enfrentamos problemas econômicos e insegurança. Parte da campanha mais territorial de Bullrich busca espalhar a ideia de que tem um espaço e é dotada de equipe e de propostas", observou. "A respeito de Massa, ele faz o possível e o impossível para sustentar uma economia que dá sinais de que não aguenta mais. Se conseguir unificar a base do peronismo, somará esses votos de maneira mais estável."
Miguel De Luca, professor de ciência política da Universidad de Buenos Aires (UBA), lembra que as pesquisas têm errado bastante e, por isso, não podem servir de base para analisar os cenários eleitorais. No entanto, ele aposta que Massa dificilmente conseguirá surpreender na votação. "A inflação não baixou; ao contrário, aumentou, assim como o número de pobres. Além disso, as medidas econômicas dos últimos dias, com o rebaixamento de impostos, provocaram mais inflação a curto prazo. Acrescente a isso o fato de Massa ser ministro da Economia. Por esses motivos, considero pouco provável que ele melhore seu desempenho eleitoral nos próximos 28 dias", observou.
Ainda segundo De Luca, Milei teve a melhor reação durante as primárias de agosto, mas manteve as declarações polêmicas. "Ele também mostrou-se receptivo às lideranças sindicais e aos políticos tradicionais, que foram parte da chamada 'casta', seu principal alvo de críticas", disse ao Correio. Nesse sentido, o eleitorado ultraconservador pode não perceber coerência nas ações de Milei, um ponto que pode levar a um desaquecimento da popularidade. "Por sua vez, Bullrich teve uma reação tardia e confusa desde as eleições primárias. Ela aproveitou apenas parcialmente o anúncio de seu ministro da Economia, Carlos Melconian", pontuou.
Colega de De Luca na UBA, Facundo Galvan também destacou a volatilidade do eleitorado argentino. "Tudo o que podemos dizer agora, a cerca de um mês das eleições presidenciais, mudará. O cenário no país não se mantém o mesmo em questão de dias. Novas questões surgem a todo o tempo", explicou à reportagem. "As atuais pesquisas marcam um primeiro lugar claro para Javier Milei e o segundo para Massa, ainda que alguns colocam Bullrich."
O especialista destaca a estratégia de Milei de acusar Massa e Bullrich de serem cúmplices na política de incremento das estatais e no que chama de a "casta". "Bullrich tem definido sua estratégia em vislumbrar os vínculos, cada vez mais notórios, entre Milei e atores sindicais e da velha política", comentou Galvan. Ele aposta que Bullrich tratará de pregar que a coalizão Juntos por el Cambio é a única opção diferente do kirchnerismo ou de Milei, ao afirmar que esses últimos dois são sócios. "Massa permitirá o crescimento de Milei, para enfraquecer o eleitorado de Bullrich. Ele tentará o impossível: fazer com que a política econômica funcione antes das eleições", previu Galvan.
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