O Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar nesta sexta-feira (22/9) uma ação que pede a ampla descriminalização do aborto realizado até 12 semanas de gestação, apresentada em 2017 pelo PSOL e o Instituto Anis.
Primeira a votar, a relatora do caso e presidente do STF, Rosa Weber, se manifestou a favor da liberação da prática.
Como esperado, porém, o julgamento foi interrompido por um pedido do ministro Luís Roberto Barroso para que a ação seja analisada pelo plenário físico do Supremo.
Weber havia pautado o julgamento no plenário virtual, em que os ministros depositam seu voto eletronicamente por escrito, num prazo de seis dias úteis.
Como a ministra se aposenta no dia 2 de outubro, quando completa 75 anos — limite de idade para a aposentadoria de ministros do STF — não haveria tempo para levar a ação ao plenário físico, em que os ministros debatem seus votos.
Caberá a Barroso, próximo presidente da Corte, que já se manifestou favoravelmente à descriminalização, decidir quando o julgamento será retomado.
Hoje, o aborto é permitido no país em três cenários: gravidez por estupro, risco para a vida da gestante, e se o feto for anencéfalo (sem cérebro).
Não se sabe nos bastidores do Supremo se há maioria para acompanhar o voto de Weber.
Defensores da descriminalização dizem que o aborto deve ser uma decisão da mulher e que sua proibição fere direitos humanos da gestante.
Já opositores defendem que a vida começa na concepção e que, portanto, deve-se proteger o feto.
A possibilidade de o STF liberar a prática do aborto gerou reação de parte do Congresso, sob o argumento de que apenas o Parlamento pode decidir isso.
"Qual é a prioridade de legalizar o aborto na pauta nacional hoje? Isso é desejo da população brasileira? É óbvio que não. É desejo de poucos militantes que usam toga, assim como fizeram na questão das drogas", disse o senador Eduardo Girão (Novo-CE), em referência também a outra ação que discute descriminalizar o porte de drogas para consumo.
Já os defensores da descriminalização lembram que outros países já permitiram a interrupção da gestação por meio do Judiciário.
No caso da América Latina, por exemplo, o Congresso foi o caminho para liberação do aborto no Uruguai e na Argentina. Já no México e na Colômbia a decisão foi do Judiciário.
No Brasil, atualmente, o aborto é permitido parcialmente. A legislação permite a prática em casos de gestação em decorrência de estupro e quando há risco para a vida da mãe na gravidez.
Já o STF autorizou em 2012 o aborto de fetos anencéfalos (sem cérebro), que não têm possibilidade de viver após o parto.
A vereadora Luciana Boiteux (PSOL-RJ), professora de direito penal da UFRJ e uma das autoras da ação, rebate o argumento de que apenas o Congresso poderia decidir sobre o tema.
Ela diz que Cortes Constitucionais têm o dever de proteger os direitos humanos, mesmo em temas em que a maioria da população seja contrária, como, na sua visão, é o caso do aborto para mulheres.
Boiteux argumenta também que é função constitucional do Supremo analisar se leis ferem princípios da Constituição.
O pedido da ação é para que a Corte determine que dois artigos do código penal, que criminalizam a gestante e a pessoa que realizar o aborto, seriam incompatíveis com preceitos fundamentais como o direito das mulheres à vida, à dignidade, à cidadania, à não discriminação, à liberdade, à igualdade, à saúde e ao planejamento familiar, entre outros.
"O fato é que é exatamente o papel das Cortes constitucionais, nesse papel de guardião da Constituição e guardião dos direitos fundamentais, de atuar quando há uma demanda (uma ação apresentada) e quando se verifica que uma lei viola os princípios constitucionais", ressalta.
Como devem votar os ministros?
Não está claro se há maioria na Corte para acompanhar o voto de Weber e descriminalizar o aborto no país.
Uma análise de manifestações prévias e do perfil dos ministros, no entanto, permite identificar alguns votos prováveis contra e a favor.
Defensores da descriminalização esperam ter ao menos quatro votos: além do de Weber, Cármen Lúcia, Luís Roberto Barroso e Edson Fachin.
No caso de Weber, Barroso e Fachin, os três se manifestaram contra a criminalização do aborto até o terceiro mês de gestação em um julgamento da Primeira Turma do STF de 2016 que determinou a soltura de funcionários e médicos de uma clínica clandestina em Duque de Caxias (RJ), presos preventivamente.
Já a expectativa do voto de Cármen Lúcia tem relação com o fato de ser uma mulher com visão progressista nas pautas de costumes.
Por outro lado, os ministros indicados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) — Kássio Nunes e André Mendonça — devem votar contra a ampla liberação do aborto.
Há mais incerteza sobre como vão se posicionar os demais: Gilmar Mendes, Luiz Fux, Dias Toffoli, Alexandre de Moraes e Cristiano Zanin.
O que acontece se o STF descriminalizar o aborto?
A implementação da eventual descriminalização do abordo dependerá dos temos da decisão do Supremo, avalia Luciana Boiteux.
A Corte pode definir a liberação do aborto até 12 semanas, como pede o PSOL, ou determinar que um órgão técnico, como o Ministério da Saúde, defina qual será o tempo limite, por exemplo.
Haverá também a necessidade de uma regulamentação sobre como o procedimento será oferecido, nos serviços de saúde públicos e privados.
Para entidades feministas que defendem a liberação do aborto, isso poderia ser feito diretamente pelo Poder Executivo, como ocorreu quando o STF permitiu a interrupção de gravidez de fetos anencefálicos (2012).
"Foi assim que aconteceu no caso da anencefalia: o STF decidiu que o aborto nesse caso não era crime, e o Ministério da Saúde definiu os detalhes de como as mulheres e pessoas que gestam poderiam acessar os serviços de saúde nesses casos", defende um cartilha sobre o tema produzida por organizações como Anis Bioética e Católicas pelo direito de decidir.
"Foi assim que ocorreu em outros países que descriminalizaram o aborto, como a Colômbia. Com a decisão do tribunal, coube ao poder executivo editar uma regulamentação para a oferta do procedimento nos serviços de saúde", continua o documento.
Luciana Boiteux, porém, reconhece que eventual regulamentação do acesso ao aborto "vai gerar ruído e disputa" com o Congresso.
O aborto até 12 semanas de gestação, em geral, pode ser feito apenas com uso de medicamentos, como misoprostol e mifepristona.
Outro impacto da eventual descriminalização é que pessoas condenadas ou processadas por praticar aborto poderiam ter seus casos anulados pela Justiça.
Com a colaboração de Camilla Costa e da equipe de Jornalismo Visual da BBC.
Gostou da matéria? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Dê a sua opinião! O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores pelo e-mail sredat.df@dabr.com.br