Horas depois de Kiev e outras cidades da Ucrânia serem bombardeadas com mísseis, o presidente Volodymyr Zelensky amargou o primeiro atrito com a Polônia, um aliado estratégico, e iniciou um périplo nos Estados Unidos em busca de mais ajuda. Na manhã desta quinta-feira (21/9), ele depositou uma coroa de flores no memorial às vítimas do atentados de 11 de setembro de 2001, no Pentágono, e seguiu para o Capitólio, onde enfrentou congressistas cada vez mais céticos em relação à contraofensiva ucraniana contra a invasão russa. À tarde, Zelensky se reuniu pela sexta vez com Joe Biden, na Casa Branca.
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O presidente norte-americano prometeu ao visitante assegurar que o mundo "esteja com a Ucrânia" e anunciou um novo pacote de ajuda militar de US$ 325 milhões — composto por sistemas de defesa aérea, munições e metralhadoras calibe .50 destinadas a derrubar drones. "Hoje, aprovei a próxima parcela de assistência de segurança dos EUA à Ucrânia, incluindo mais artilharia, munições armamentos antitanque. (...) Estamos focados em fortalecer as capacidades de defesa aérea da Ucrânia para proteger a infraestrutura crítica, que fornece calor e luz durante os dias mais frios e escuros do ano", disse o democrata.
Biden declarou que busca a aprovação de um pacote adicional de US$ 24 bilhões no Congresso. Ele acrescentou que os primeiros tanques Abrams serão enviados à Ucrânia na próxima semana. O líder ucraniano agradeceu a Biden e aos Estados Unidos. "Os americanos estão conosco, com os ucranianos, com o povo comum, com todos nós", comentou Zelensky.
Corte no fornecimento
Enquanto Zelensky visitava Washington, o primeiro-ministro da Polônia, Mateusz Morawiecki, indicava o primeiro atrito entre os dois aliados, 574 dias depois do início da invasão russa. "Não mais transferiremos armas para a Ucrânia, pois agora estamos armando a Polônia", avisou. O presidente Andrzej Duda se apressou a pôr panos quentes. "Na minha opinião, o primeiro-ministro quis dizer que não transferiremos à Ucrânia o novo armamento que estamos comprando, à medida que modernizamos o exército polonês", afirmou à emissora TVN24.
Ex-conselheiro do presidente do Parlamento da Ucrânia, Mykola Volkivskyi considerou "muito importante" o anúncio dos R$ 325 milhões. "Especialmente por conta dos mísseis e munições para o lançador múltiplo de foguetes HIMARS, além do sistema de defesa antiaérea Avenger e de veículos táticos leves", explicou à reportagem.
Coronel da reserva e especialista em segurança pelo Razumkov Centre, em Kiev, Melnyk Oleksii prefere não qualificar como "crise" as tensões atuais entre Ucrânia e Polônia. Por meio do WhatsApp, ele afirmou ao Correio que o mal-estar entre os dois aliados é abastecido pela proximidade das eleições parlamentares polonesas, em 15 de outubro. "A maioria das declarações das autoridades está direcionada aos eleitores poloneses, tanto aquelas ligadas à exportação de grãos quanto a ameaça de interrupção no fornecimento de armas a Kiev", explicou.
Por outro lado, o estrategista militar ucraniano reconhece que Zelensky não se comportou de modo adequado algumas vezes. "Nosso presidente não tem sido cuidadoso o bastante quando expressa suas demandas ou quando acusa aliados. Zelensky admitiu que a contraofensiva não tem sido rápida e bem-sucedida como se esperava, mas ainda há progresso", disse Oleksii. Ele afirmou ter "certeza" de que o mal-estar entre Kiev e Varsóvia não levará a uma paralisação no fornecimento de armas ou a uma deterioração das relações bilaterais. "Ambos os países são parceiros naturais, com interesses nacionais e competições em algumas áreas, como a exportação de grãos. No fim do dia, não haverá um conflito que durará muito."
Volkivskyi concorda com Oleksii em relação à influência do clima pré-eleitoral polonês no conflito entre Ucrânia e Rússia. "Certas forças polítucas tentam usar narrativas que poderiam deteriorar nossas relações bilaterais com a Polônia. Não devemos nos esquecer que a Polônia permanece como o mais importante parceiro estratégico da Ucrânia", observou.
Alckmin terá reunião com premiê da Rússia
Denise Rothenburg (enviada especial)
Nova York — Passado o primeiro encontro entre o presidente Lula e o ucraniano Volodomyr Zelensky, o vice-presidente Geraldo Alckmin terá uma reunião em breve com o primeiro-ministro russo, Mikhail Vladimirovich Mishustin. A data será definida por uma comissão de alto nível dos dois países. O encontro virá na esteira de uma sequência de conversas que o Brasil tem mantido com os dois países em guerra, no sentido de tentar ajudar na busca do diálogo.
De Zelensky, Lula ouviu essa semana que a integridade territorial da Ucrânia é inegociável. Ao ministro de Relações Exteriores, Mauro Vieira, o chanceler russo, Sergei Lavrov, disse que tem acompanhado as movimentações da Ucrânia em busca de apoio para os pontos que considera fundamentais para a pacificação. Da parte russa, segundo fontes do governo brasileiro, existe disposição de diálogo, mas eles consideram que precisam ser chamados. E quando Mauro Vieira mencionou que Lula e Zelensky haviam se encontrado, o chanceler russo perguntou: "Onde foi?", com ares de quem não sabia dessa reunião.
A reunião de trabalho entre os dois chanceleres foi a quarta deste ano. Eles haviam se reunido em bilaterais à margem de eventos multilaterais na Índia, durante a cúpula do G-20; na África do Sul, palco do encontro dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia China e África do Sul); e quando Lavrov esteve no Brasil. Conhecem perfeitamente a posição brasileira, que condenou a invasão da Ucrânia e trabalha pela pacificação.
A sequência de encontros de autoridades brasileiras com a Rússia vai muito além da busca do fim da guerra. Os russos apoiaram abertamente o pleito brasileiro, de obter uma vaga no Conselho de Segurança de ONU. Com os ucranianos, as conversas também têm ocorrido. O assessor internacional do Planalto, Celso Amorim, esteve na Ucrânia no primeiro semestre, Lula e Zelensky haviam conversado por telefone e, agora, o encontro presencial entre eles, segundo fontes do governo brasileiro, rendeu "uma química". Os ucranianos entendem a posição brasileira de não enviar armas, e a ordem agora é seguir as conversações. O próximo personagem do governo brasileiro, ao que tudo indica, será o médico Geraldo Alckmin.
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