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Liberação do aborto voltará à pauta do STF; veja como tema é encarado na América Latina

Outros países, como México e Colômbia, já permitiram a interrupção da gestação por meio de decisões do Judiciário.

Outros países, como México e Colômbia, já permitiram a interrupção da gestação por meio de decisões do Judiciário -  (crédito: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)
Outros países, como México e Colômbia, já permitiram a interrupção da gestação por meio de decisões do Judiciário - (crédito: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)
BBC
Mariana Schreiber - Da BBC News Brasil em Brasília
postado em 20/09/2023 11:14 / atualizado em 20/09/2023 14:59

O Supremo Tribunal Federal (STF) começa a julgar na sexta-feira (22/9) uma ação que pede a ampla descriminalização do aborto realizado até 12 semanas de gestação, apresentada em 2017 pelo PSOL e o Instituto Anis.

A relatora do caso e presidente do STF, Rosa Weber, decidiu pautar o julgamento no plenário virtual, em que os ministros depositam seu voto eletronicamente por escrito, num prazo de seis dias úteis.

Como ela se aposenta no dia 2 de outubro, não haveria tempo para levar a ação ao plenário físico, em que os ministros debatem seus votos.

A expectativa, porém, é que o julgamento seja interrompido por um pedido de vista (mais tempo para analisar o caso) de algum ministro. Também é esperado que algum dos integrantes da Corte solicite destaque, ou seja, que a ação vá para o plenário físico, devido à relevância do tema.

Confirmando-se o esperado adiamento, quem decidirá sobre a retomada ou não do julgamento será o ministro Luís Roberto Barroso, próximo presidente da Corte, que já se manifestou favoravelmente à descriminalização.

Hoje, o aborto é permitido no país em três cenários: gravidez por estupro, risco para a vida da gestante, e se o feto for anencéfalo (sem cérebro).

Como relatora, Weber será a primeira a dos onze ministros votar. Também há expectativa de que a ministra seja favorável à descriminalização, mas não se sabe nos bastidores do Supremo se há maioria para acompanhar o voto.

Defensores da descriminalização dizem que o aborto deve ser uma decisão da mulher e que sua proibição fere direitos humanos da gestante.

Já opositores defendem que a vida começa na concepção e que, portanto, deve-se proteger o feto.

A possibilidade de o STF liberar a prática do aborto gerou reação de parte do Congresso, sob o argumento de que apenas o Parlamento pode decidir isso.

"Qual é a prioridade de legalizar o aborto na pauta nacional hoje? Isso é desejo da população brasileira? É óbvio que não. É desejo de poucos militantes que usam toga, assim como fizeram na questão das drogas", disse o senador Eduardo Girão (Novo-CE), em referência também a outra ação que discute descriminalizar o porte de drogas para consumo.

Já os defensores da descriminalização lembram que outros países já permitiram a interrupção da gestação por meio do Judiciário.

No caso da América Latina, por exemplo, o Congresso foi o caminho para liberação do aborto no Uruguai e na Argentina. Já no México e na Colômbia a decisão foi do Judiciário.

No Brasil, atualmente, o aborto é permitido parcialmente. A legislação permite a prática em casos de gestação em decorrência de estupro e quando há risco para a vida da mãe na gravidez.

Já o STF autorizou em 2012 o aborto de fetos anencéfalos (sem cérebro), que não têm possibilidade de viver após o parto.

A vereadora Luciana Boiteux (PSOL-RJ), professora de direito penal da UFRJ e uma das autoras da ação, rebate o argumento de que apenas o Congresso poderia decidir sobre o tema.

Ela diz que Cortes Constitucionais têm o dever de proteger os direitos humanos, mesmo em temas em que a maioria da população seja contrária, como, na sua visão, é o caso do aborto para mulheres.

Boiteux argumenta também que é função constitucional do Supremo analisar se leis ferem princípios da Constituição.

O pedido da ação é para que a Corte determine que dois artigos do código penal, que criminalizam a gestante e a pessoa que realizar o aborto, seriam incompatíveis com preceitos fundamentais como o direito das mulheres à vida, à dignidade, à cidadania, à não discriminação, à liberdade, à igualdade, à saúde e ao planejamento familiar, entre outros.

"O fato é que é exatamente o papel das Cortes constitucionais, nesse papel de guardião da Constituição e guardião dos direitos fundamentais, de atuar quando há uma demanda (uma ação apresentada) e quando se verifica que uma lei viola os princípios constitucionais", ressalta.

Como devem votar os ministros?

Uma análise de manifestações prévias e do perfil dos ministros, no entanto, permite identificar alguns votos prováveis contra e a favor.

Defensores da descriminalização esperam ter ao menos quatro votos: além do de Weber, Cármen Lúcia, Luís Roberto Barroso e Edson Fachin.

No caso de Weber, Barroso e Fachin, os três já se manifestaram contra a criminalização do aborto até o terceiro mês de gestação em um julgamento da Primeira Turma do STF de 2016 que determinou a soltura de funcionários e médicos de uma clínica clandestina em Duque de Caxias (RJ), presos preventivamente.

Já a expectativa do voto de Cármen Lúcia tem relação com o fato de ser uma mulher com visão progressista nas pautas de costumes.

Por outro lado, os ministros indicados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro – Kássio Nunes e André Mendonça – devem votar contra a ampla liberação do aborto.

Há mais incerteza sobre como vão se posicionar os demais: Gilmar Mendes, Luiz Fux, Dias Toffoli, Alexandre de Moraes e Cristiano Zanin.

O que acontece se o STF descriminalizar o aborto?

A implementação da eventual descriminalização do abordo dependerá dos temos da decisão do Supremo, avalia Luciana Boiteux.

A Corte pode definir a liberação do aborto até 12 semanas, como pede o PSOL, ou determinar que um órgão técnico, como o Ministério da Saúde, defina qual será o tempo limite, por exemplo.

Haverá também a necessidade de uma regulamentação sobre como o procedimento será oferecido, nos serviços de saúde públicos e privados.

Para entidades feministas que defendem a liberação do aborto, isso poderia ser feito diretamente pelo Poder Executivo, como ocorreu quando o STF permitiu a interrupção de gravidez de fetos anencefálicos (2012).

"Foi assim que aconteceu no caso da anencefalia: o STF decidiu que o aborto nesse caso não era crime, e o Ministério da Saúde definiu os detalhes de como as mulheres e pessoas que gestam poderiam acessar os serviços de saúde nesses casos", defende um cartilha sobre o tema produzida por organizações como Anis Bioética e Católicas pelo direito de decidir.

"Foi assim que ocorreu em outros países que descriminalizaram o aborto, como a Colômbia. Com a decisão do tribunal, coube ao poder executivo editar uma regulamentação para a oferta do procedimento nos serviços de saúde", continua o documento.

Luciana Boiteux, porém, reconhece que eventual regulamentação do acesso ao aborto "vai gerar ruído e disputa" com o Congresso.

O aborto até 12 semanas de gestação, em geral, pode ser feito apenas com uso de medicamentos, como misoprostol e mifepristona.

Outro impacto da eventual descriminalização é que pessoas condenadas ou processadas por praticar aborto poderiam ter seus casos anulados pela Justiça.

Com a colaboração de Camilla Costa e da equipe de Jornalismo Visual da BBC.

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