CONFLITO ARMADO

Nova guerra na Europa? 6 pontos para entender conflito em Nagorno-Karabach

Entenda o reinício da violência entre Armênia e Azerbaijão pelo controle da região separatista.

Dezenas de civis de origem armênia participaram do conflito Nagorno-Karabakh -  (crédito: Reuters)
Dezenas de civis de origem armênia participaram do conflito Nagorno-Karabakh - (crédito: Reuters)
BBC
Redação - BBC News Mundo
postado em 20/09/2023 10:44 / atualizado em 20/09/2023 14:57

Sons de artilharia e sirenes antiaéreas marcaram nesta terça-feira (19/9) o reinício da disputa entre a Armênia e o Azerbaijão pelo controle da região de Nagorno-Karabakh.

Esta área no sul do Cáucaso — onde a Europa encontra a Ásia — é palco de confrontos há anos. A tensão pelo controle do enclave separatista cresceu nos últimos meses — no local, reconhecido internacionalmente como parte do Azerbaijão, vivem cerca de 120 mil pessoas que se identificam como armênias.

Um frágil cessar-fogo foi quebrado esta terça-feira, quando o Ministério da Defesa do Azerbaijão comunicou o início de operações “antiterroristas” na região e apelou à rendição dos líderes separatistas armênios.

“Para que as medidas antiterroristas cessem, as formações militares armênias ilegais devem hastear bandeira branca, entregar todas as armas e o regime ilegal deve ser dissolvido”, afirmou o Ministério da Defesa.

“Caso contrário, as medidas antiterroristas continuarão até o fim.”

O Azerbaijão afirma que lançou a operação em resposta à morte de seis pessoas, incluindo quatro policiais, em duas explosões de minas terrestres na manhã de terça-feira.

Na principal cidade de Karabakh, Khankendi (conhecida como Stepanakert pelos armênios), foram ouvidos tiros e sirenes de ataques aéreos.

Autoridades de defesa da região separatista disseram que militares do Azerbaijão "violaram o cessar-fogo com ataques de artilharia e mísseis".

Outros representantes armênios falaram de uma “ofensiva militar em grande escala” e afirmaram que houve várias mortes, incluindo mulheres e crianças, embora o Azerbaijão negue ter civis como alvos.

O Azerbaijão e a Armênia entraram em guerra duas vezes por causa da disputa de Nagorno-Karabakh — primeiro no início da década de 1990, após a queda da União Soviética, e novamente em 2020.

Há três anos, o Azerbaijão recuperou territórios dentro e ao redor de Karabakh que estavam sob controle da Armênia desde 1994.

Desde dezembro do ano passado, o Azerbaijão bloqueou a única rota da Armênia para o enclave, conhecida como corredor de Lachin.

O corredor é a única estrada que liga o enclave ao território da Armênia. É uma artéria essencial para abastecimento, e os residentes de Nagorno-Karabakh relataram grave escassez de alimentos básicos e medicamentos nos últimos meses.

O Azerbaijão acusou os armênios de usarem a estrada para circular suprimentos militares, o que a Armênia nega.

1. Como tudo começou?

O território montanhoso de Nagorno Karabakh, uma região de cerca de 11,5 mil km2 com população predominantemente armênia, é alvo de disputa há décadas entre o Azerbaijão, onde está localizado, e os habitantes do enclave, que são apoiados pela vizinha Armênia.

Em 1988, perto do fim do domínio soviético, forças do Azerbaijão e separatistas armênios começaram uma guerra violenta na qual entre 20 mil e 30 mil pessoas morreram após o parlamento regional de Nagorno-Karabakh ter votado para se tornar parte da Armênia.

O Azerbaijão tentou então sufocar o movimento separatista, enquanto os armênios o apoiavam.

Isso desencadeou, inicialmente, uma série de conflitos étnicos. Depois de a Armênia e o Azerbaijão terem declarado independência de Moscou, começou uma guerra em larga escala.

A primeira guerra terminou com um cessar-fogo mediado pela Rússia em 1994, depois de as forças armênias assumirem o controle da região e de áreas adjacentes.

Nos termos do acordo, o território permaneceu parte do Azerbaijão, mas desde então tem sido em grande parte governado por uma autoproclamada república separatista, liderada por armênios étnicos e apoiada pelo governo armênio.

Como pano de fundo está uma controversa divisão territorial de fronteiras estabelecida durante a época da União Soviética

2. Como o território foi dividido?

O Cáucaso é uma importante região montanhosa, cujo controle foi reivindicado durante séculos por diferentes etnias, religiões e impérios.

A Armênia e o Azerbaijão que conhecemos hoje foram integrados à antiga Soviética, quando esta foi formada em 1920.

Nagorno-Karabakh, também conhecido como Alto Karabakh, é uma região de maioria étnica armênia.

Em 1923, no entanto, os soviéticos entregaram seu controle às autoridades do Azerbaijão e foi formado como região administrativa autônoma dentro da então República Soviética do Azerbaijão.

Nogorno-Karabakh é habitada por dezenas de milhares de armênios.

Para eles, esta região faz parte da Grande Armênia, um conceito que reúne territórios que historicamente foram povoados pelo grupo étnico armênio-cristão-ortodoxo.

Ou seja, no meio de uma república predominantemente muçulmana como o Azerbaijão, há um território habitado por cristãos ortodoxos.

Segundo Paulo Botta, especialista em Oriente Médio da Universidade Católica Argentina, esse tipo de traçado de fronteiras era uma prática comum na antiga URSS “para evitar qualquer tipo de homogeneidade em todas as suas repúblicas”.

Tratava-se de “dividir para conquistar”, disse ele à BBC no ano passado, quando eclodiu um novo episódio de violência que deixou dezenas de mortos.

Esta ideia é endossada por analistas como o historiador britânico Simon Sebag Montefiore, que num artigo publicado no jornal New York Times argumentou que "Stalin abraçou a missão imperial do povo russo e desenhou a URSS usando seu conhecimento das disputas étnicas no Cáucaso para criar repúblicas dentro de repúblicas".

Esta rede de fronteiras influenciou vários conflitos étnico-políticos que ocorreram após a desintegração da URSS, como as guerras chechenas da década de 1990, a guerra na Geórgia em 2008 e as da Armênia e do Azerbaijão.

3. Os "Estados fantasma"

Nagorno-Karabakh pertence a uma categoria conhecida como “Estado Fantasma”.

São entidades que manifestaram o desejo de serem Estados independentes, que apresentam algumas características típicas ou particulares, mas não são reconhecidas como tal pela comunidade internacional.

A cientista política Dahlia Scheindlin, especializada em relações internacionais, explicou à BBC que a maioria destes “Estados fantasmas” surgiram em locais onde ocorreram conflitos etnonacionalistas, o que explicaria porque muitos se encontram no antigo bloco comunista da Guerra Fria.

“Uma série de conflitos etno-nacionalistas ocorreu durante a dissolução da URSS e isso aconteceu por se tratar de um império grande e em expansão, com muitos grupos étnico-nacionais diferentes. Rebelar-se contra a liderança comunista significava abraçar suas identidades nacionais", disse Scheindlin à BBC após o último conflito.

A URSS tinha como política tentar mudar a configuração demográfica de muitos lugares, enviando população etnicamente russa para viver nestes locais, explicou.

“Todas estas tentativas de arquitetar a identidade nacional ao longo dos anos levaram a rebeliões contra esta dinâmica quando a URSS caiu.”

4. O que houve em 2020?

A situação tem oscilado por anos, com confrontos episódicos interrompendo períodos de relativa calma.

O maior confronto militar desde o início da década de 1990 aconteceu há três anos, durante seis semanas de intensos combates.

O Azerbaijão recuperou territórios e, quando ambos os lados concordaram em assinar um acordo de paz mediado pela Rússia, em novembro de 2020, o país já tinha recapturado todos os territórios ao redor de Nagorno-Karabakh – e não o próprio enclave – detidos pela Armênia desde 1994.

Nos termos do acordo, as forças armênias tiveram que se retirar destas áreas e desde então ficaram confinadas a uma parte menor da região.

Desde o fim de 2020, cerca de 3 mil soldados russos monitoram a frágil trégua, mas a atenção de Moscou foi desviada após a invasão russa na Ucrânia.

5. O papel da Rússia e Turquia

Potências regionais estão fortemente envolvidas no conflito.

A Turquia, país membro da Otan, a aliança militar ocidental, foi a primeira nação a reconhecer a independência do Azerbaijão em 1991 e continua a ser um forte aliado do país.

Na opinião de muitos, os drones Bayraktar de fabricação turca tiveram papel crucial nos combates de 2020, permitindo ao Azerbaijão ganhar territórios.

A Armênia, por sua vez, tem tradicionalmente mantido boas relações com a Rússia. Há uma base militar russa na Armênia e os dois países são membros da aliança militar da Organização do Tratado de Segurança Coletiva (CSTO), formada por seis antigos Estados soviéticos.

Mas as relações entre a Armênia e a Rússia azedaram desde que Nikol Pashinyan, que liderou enormes protestos contra o governo em 2018, se tornou primeiro-ministro da Armênia .

Ele disse recentemente que a dependência russa da Armênia como fonte única de segurança era um “erro estratégico”.

A Armênia anunciou neste mês que estava organizando exercícios conjuntos com forças dos EUA. Eles foram criticados por Moscou como “medidas hostis”.

O presidente Vladimir Putin negou que a Armênia tenha quebrado sua aliança com a Rússia, mas declarou que Ierevan, a capital da Armênia, tinha "essencialmente reconhecido" a soberania do Azerbaijão sobre Nagorno-Karabakh.

“Se a própria Armênia reconheceu que Karabakh faz parte do Azerbaijão, o que deveríamos fazer?”, disse Putin durante um fórum econômico em Vladivostok.

6. O que acontece agora?

O acesso à área para observadores independentes é extremamente difícil e a extensão das atuais operações militares e sua duração não são claras.

O que está claro é a acentuada inimizade que continua a existir entre os dois países.

O presidente do Azerbaijão, Ilham Aliyev, ameaçou repetidamente no passado retomar todo o território de Nagorno-Karabakh pela força, se necessário.

Em 2019, Pashinyan disse a uma multidão de armênios reunidos na principal cidade de Karabakh que "Artsakh é Armênia, ponto final".

Artsakh é o nome armênio de Nagorno-Karabakh.

Muitas nações olham para esta área do Cáucaso com preocupação de que outra guerra possa surgir no antigo território soviético, além da guerra na Ucrânia.

A Europa quer manter a paz no Azerbaijão, de onde importa 8 bilhões de metros cúbicos de gás por ano, depois de sofrer com a perda de fornecimento de gás da Rússia devido ao conflito com a Ucrânia.

Mas o barril de pólvora que este conflito representa é uma ameaça constante a esse e a outros objetivos geopolíticos das potências que o rodeiam.

O Ministério das Relações Exteriores da Rússia disse na terça-feira que foi avisado sobre a ofensiva do Azerbaijão com poucos minutos de antecedência e que instou ambos os países a respeitarem um cessar-fogo assinado após a guerra em 2020.

O representante especial regional da União Europeia, Toivo Klaar, disse que há “necessidade urgente de um cessar-fogo imediato”.

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